Swaps: Portugal quer levar o caso ao Tribunal Europeu de Justiça
Este não é só um caso entre empresas e um banco. É um caso que prejudica o Estado e que pesa aos contribuintes, apela a defesa das transportadoras.
São sete swaps apenas, mas mais de 1,7 mil milhões de euros dos contribuintes portugueses que estão em causa. Depois de duas derrotas nos tribunais ingleses, as empresas públicas de transporte apresentaram cinco argumentos para convencer os juízes do Supremo a reapreciar o caso. E pedem que o assunto seja levado ao Tribunal Europeu de Justiça, mostra o requerimento, a que o ECO teve acesso. O prazo para o Santander responder termina esta terça-feira.
Os juízes já tinham dito que não viam cabimento num recurso ao Supremo Tribunal inglês, mas as empresas públicas portuguesas não desistiram. Depois da segunda decisão da justiça inglesa favorável ao Santander, Carris, STCP, Metro de Lisboa e Metro do Porto entregaram um requerimento formal para apelar aos juízes de última instância do Reino Unido.
Em causa está um diferendo entre as transportadoras e o banco Santander, sobre sete contratos de derivados financeiros, assinados entre junho de 2005 e novembro de 2007. Depois de terem gerado fluxos positivos para as empresas públicas, no início, os contratos acumulam perdas potenciais de 1.250 milhões de euros, segundo a informação mais atualizada a que o ECO teve acesso. As empresas interromperam os pagamentos e, por isso, já devem cerca de 440 milhões de euros, aos quais haverá que somar juros de mora. Contas feitas, o prejuízo potencial para as empresas públicas supera 1,7 mil milhões de euros.
São estes prejuízos que as empresas públicas — e, em última instância, o Estado português — querem evitar a todo o custo. No requerimento, são explanados cinco argumentos para convencer os juízes do Supremo a avaliar de novo o diferendo. De seguida, os advogados demonstram, em dois pontos fundamentais, o erro de avaliação que consideram ter sido cometido pela primeira instância e reafirmado pela segunda instância.
E no final pedem ao Supremo que recorra ao Tribunal Europeu de Justiça. Quando os tribunais nacionais encontram diferendos sobre a aplicação de legislação europeia, devem remeter o assunto ao Tribunal Europeu de Justiça, que pesará as várias interpretações da lei feita pelos juízes nacionais e garantirá que há uma aplicação do direito comunitário uniformizada.
Os advogados das empresas públicas estão convictos de que este é um desses casos, já que, asseguram, a mesma Convenção de Roma, assinada pelos países da União Europeia, está a ter agora uma interpretação diferente por parte dos tribunais ingleses do que a que foi dada pelos tribunais alemães.
Perante este apelo, o Santander apresentará também os seus argumentos. O prazo termina hoje e os juízes terão cerca de seis semanas para ponderar se admitem reavaliar o caso. Podem decidir apenas com base na argumentação submetida pelas partes, ou podem requerer audições.
Os cinco argumentos para os juízes do Supremo
Primeiro, a defesa das empresas públicas precisa que os juízes do Supremo não atendam ao parecer deixado pelo tribunal de segunda instância, que dizia que o caso não deveria ter mais apelo possível. Por isso, detalham cinco argumentos:
1 – São os contribuintes que estão em causa
Primeiro, não se trata apenas de um conflito entre empresas de transporte e um banco. “Tendo em conta as largas somas envolvidas”, este caso é importante “para o Estado português, enquanto acionista das empresas públicas (…), para os contribuintes portugueses, para os residentes em Portugal nas duas maiores cidades (Lisboa e Porto) e para os utilizadores dos sistemas de transporte destas duas cidades (metro, autocarros e comboios)”, lê-se no requerimento.
Os advogados das empresas notam que o market-to-market das operações (ou seja, o seu valor atualizado de mercado) supera “1,3 mil milhões de euros”. Para dar aos juízes uma ideia do peso que implicam numa economia como a portuguesa, sublinham que representam 0,77% do PIB nacional, “que cresceu apenas o dobro deste valor, 1,5% em 2015”. Frisam que os juros já oscilam entre 33% e 92,5% e que continuam “a subir”.
2 – O interesse é de toda a União Europeia
Argumentam que este caso toma decisões relevantes para todos os países da União Europeia, na medida em que se pronuncia sobre o número 3 do artigo 3º da Convenção de Roma. Este é uma espécie de salvaguarda do direito nacional:
“A escolha pelas partes de uma lei estrangeira, acompanhada ou não da escolha de um tribunal estrangeiro, não pode, sempre que todos os outros elementos da situação se localizem num único país no momento dessa escolha, prejudicar a aplicação das disposições não derrogáveis por acordo, nos termos da lei desse país, e que a seguir se denominam por «disposições imperativas».”
3 – Na Alemanha a decisão foi outra
Os advogados das empresas públicas recuperam um caso decidido na Alemanha, em que o entendimento deste artigo da Convenção de Roma foi outro. Nesse caso, o Tribunal do Trabalho de Bielefeld decidiu que um contrato de emprego assinado entre um cidadão de nacionalidade polaca e uma empresa polaca, na sequência de uma oferta de emprego vista pela internet a partir da Polónia, era, ainda assim, um caso sob a jurisdição alemã. Esta conclusão foi retirada ao abrigo do artigo 3º da Convenção de Roma, e foram dados como argumentos que o contrato foi assinado na Alemanha e aplicado em solo alemão. Este é também um dos pontos-chave no pedido de intervenção do Tribunal Europeu de Justiça.
4 – O impacto é internacional
Da interpretação dos juízes ingleses resulta que “a simples assinatura de um formulário internacional estandardizado (…) retira uma situação do âmbito do número três do artigo terceiro” da Convenção de Roma, argumentam os advogados. “Isto nunca foi sugerido antes”, frisam. E recordam que os formulários da ISDA (da Associação Internacional de Swaps e Derivados) são usados internacionalmente noutros setores, como o da construção. “O caso tem por isso implicações não apenas dentro da União Europeia, mas também internacionalmente nos mercados financeiros e noutros mercados”, lê-se na exposição dos advogados das empresas de transportes.
5 – Este não é caso único
Os advogados frisam que o caso das empresas portuguesas não é o único que levanta questões de interpretação deste artigo da Convenção de Roma e que por isso é natural que o Supremo seja, mais tarde ou mais cedo, confrontado com a questão. A defesa das empresas públicas dá como exemplo o caso que opõe o Dexia Crediop Spa ao Commune di Prato, onde o tribunal de recurso discordou da decisão da primeira instância, antevendo-se, por isso, uma forte probabilidade de recurso ao Supremo.
Onde é que os juízes falharam?
Além de justificar porque é que o assunto merece a atenção do Supremo, os advogados explicam em que medida é que o caso foi mal avaliado pelas duas instâncias anteriores. A defesa das empresas públicas utilizam dois argumentos fundamentais: primeiro, tentam demonstrar em que medida é que a interpretação feita pela justiça inglesa da Convenção de Roma não está correta. Depois, concluem daí que se a interpretação tivesse sido outra, então os swaps teriam sido reencaminhados para o Tribunal Comercial para serem modificados ou terminados, tendo em conta o Código Civil Português.
Para justificar a discordância da interpretação feita da Convenção de Roma, os advogados levam as conclusões dos juízes ao extremo. Se a interpretação da primeira instância, confirmada pela segunda instância, estiver correta, então quer dizer que “(…) a mera utilização de um formulário internacional tiraria um contrato do âmbito do número 3 do artigo 3º [da Convenção de Roma”, notam. O mesmo aconteceria com “o mero recurso a um terceiro interveniente (independentemente de estar relacionado ou não) para fornecer um serviço que facilite o negócio”; ou ainda com “o mero suporte em contratos back-to-back (espelho) que alguém na cadeia utilize, desconhecidos para uma das partes, e que impliquem uma entidade estrangeira”.
Daqui decorre que, se esta interpretação prevalecer, “as circunstâncias em que é provável que o número 3 do artigo 3º se aplique serão raras.”
"Uma solução justa para ambas as partes poderia ser encontrada”, lembram os advogados das empresas públicas, citando a sentença de segunda instância. E por isso, rematam: “Uma solução justa deve agora ser procurada.”
Justificado este ponto, os advogados partem para a segunda parte da sua tese: os juízes avaliaram mal quando decidiram que este caso não era um assunto doméstico, fundamentalmente situado em Portugal. A defesa das empresas públicas rebate, um por um, os seis argumentos considerados pelo juízes para decidir que o caso deve ser julgado na jurisdição inglesa.
Nota, por exemplo, que os formulário da ISDA são, por natureza, internacionais e que por isso não faz sentido assumir que têm de ser regulados pela lei do Reino Unido. Podem ser usados no âmbito da lei americana, por exemplo. Tal como o uso da lei inglesa não deve contar como argumento já que, no limite, a escolha do idioma aponta para qualquer país anglófono — Estados Unidos, Austrália ou Canadá e não apenas o Reino Unido. A defesa frisa ainda que as negociações e as transações dos swaps aconteceram todas em Portugal, sublinha que foram produtos desenhados a pedido (vendidos over-the-counter) e que por isso não eram propriamente contratos transacionáveis.
No final, os advogados lembram que foram os próprios juízes que reconheceram, na sentença, que “uma solução justa para ambas as partes poderia ser encontrada”. E, por isso, rematam: “Uma solução justa deve agora ser procurada.”
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