Europa unida mas a duas velocidades? “É perigoso”
Na Declaração de Roma, fala-se de "união", mas também de uma Europa a duas velocidades. Segundo especialistas, pode ser "perigoso" e contraproducente".
Os líderes dos 27 Estados-membros assinaram a Declaração de Roma, com o objetivo de terem uma Europa “unida”, mas a “ritmos e intensidades diferentes”. Mas o que é que isto significa? É possível ter uma Europa unida com países que podem decidir se querem, ou não, adotar determinadas políticas? Sim. Estaremos a caminhar para uma Europa diferente? Muito provavelmente.
A declaração assinada no sábado pelos 27 Estados-membros da União Europeia — o Reino Unido, em processo de saída do bloco europeu já não participou nas comemorações na capital italiana — foca-se muito numa palavra: “união”. No documento lê-se que a “unidade europeia começou por ser o sonho de poucos e tornou-se na esperança de muitos. Então, a Europa voltou a ser uma só”.
O documento é, aos olhos de António Nogueira Leite, “razoavelmente formal, uma declaração de circunstância e de tentativa de consenso”. Mas o ponto mais relevante nesta declaração é o facto de se falar de “união” ao mesmo tempo que se apoia uma Europa a “ritmos e intensidades diferentes”:
"Atuaremos em conjunto, a ritmos e com intensidades diferentes quando for necessário, avançando todos na mesma direção, tal como já o fizemos no passado, em consonância com os Tratados e mantendo a porta aberta àqueles que se nos queiram juntar mais tarde. A nossa União é indivisa e indivisível.”
Francisco Seixas da Costa diz que isto é “perigoso”. O professor universitário explica ao ECO que é uma “afirmação reiterada da possibilidade de adoção de políticas por parte de alguns Estados-membros, ficando outros de fora”. E acrescenta que a “questão das duas velocidades já está no Tratado de Lisboa e no Tratado de Nice. De qualquer forma, o facto de [a Declaração de Roma] estar a sublinhar isso é para a União Europeia (UE) como uma bênção a um modelo que, a meu ver, é disruptor da Europa”.
Portanto, não é, para Francisco Seixas da Costa, “uma declaração que fique para a história”. Isto apesar de reconhecer que, “tendo em atenção que a Europa está muito dividida e que é muito difícil conseguir consensos com o mínimo de ambição, esta declaração é o terreno comum possível”.
A questão das duas velocidades já está no Tratado de Lisboa e no Tratado de Nice. De qualquer forma, o facto de [a Declaração de Roma] estar a sublinhar isso é para a União Europeia como uma bênção a um modelo que, a meu ver, é disruptor da Europa.
“Parece que há uma espécie de consagração institucional de divisão da Europa. As pessoas estão-se a adaptar. As instituições costumam ser uma espécie de freio para a disrupção, costumam ser um elemento agregador. No momento em que as instituições consagram nelas próprias a desagregação ao admitirem com uma linguagem muito clara a diversidade institucional, acabam por se tornar cúmplices desta divisão. Por isso, mesmo podemos estar no caminho para que a UE aceite a sua divisão futura”, sublinha o professor universitário.
Duas velocidades? Ainda há muito trabalho pela frente
Já Nogueira Leite diz que não se devem tirar demasiadas ilações desta declaração do ponto de vista da política que a UE vai prosseguir. “Duas velocidades? Mas como? Há muitos fatores”, explica, ao ECO. Esta questão não é “consensual” e o facto de a declaração fazer referência a estes ritmos diferentes pode ser “contraproducente”, refere Nogueira Leite, “mas é o início de um trabalho que tem de ser aprofundado e envolver os vários conselhos”. Ou seja, não pode ser uma decisão tomada apenas pela Comissão Europeia, mas por todos — primeiros-ministros, ministros dos Negócios Estrangeiros e Ecofin, explica.
Mais do que isso, o professor universitário diz que é importante perceber o que vai ser feito a nível do fortalecimento da Europa. “Em que dimensões, com que cautelas e se a maior união na Zona Euro significa maior supervisão multilateral ou menor probabilidade de bail out. O caminho não está indicado, há um princípio geral.”
Nogueira Leite refere também que é importante perceber como vão ser tratados os países que ficam fora do núcleo, como é o caso do Reino Unido. Na declaração fala-se de um aprofundamento “das parcerias já existentes e construindo novas”. Uma questão que tem sido colocada em causa no seguimento da decisão do Reino Unido de sair da União Europeia.
A primeira-ministra britânica, Theresa May, já veio dizer que aquilo que propõe “não significa sermos membros do mercado único, mas não sair do bloco europeu totalmente”, o que mostra que o país e a UE têm um longo caminho pela frente em negociações que vão durar cerca de dois anos.
Uma Europa, vários desafios
A declaração reconhece, por isso, que ainda há desafios. “A União Europeia enfrenta desafios sem precedentes, tanto a nível mundial como a nível interno: conflitos regionais, terrorismo, pressões migratórias crescentes, protecionismo e desigualdades sociais e económicas”, de acordo com Declaração, que se divide em quatro pontos:
- “Uma Europa segura, onde todos os cidadãos se sintam seguros e possam mover-se livremente, com fronteiras externas bem guardadas”;
- “Uma Europa próspera e sustentável, que crie crescimento e emprego”, com um mercado único forte e interligado e “uma moeda única estável e fortalecida”. Neste ponto, a declaração sublinha a necessidade de completar a União Económica e Monetária (UEM) e de trabalhar com vista à convergência económica, prioridades que o Governo português queria ver inscritas na declaração;
- O texto contempla também a “Europa social”, uma União que, “baseada no crescimento sustentável, promova o progresso económico e social, bem como a coesão e a convergência”, tendo em conta “a diversidade dos sistemas nacionais”, e que promova a igualdade entre mulheres e homens, combata o desemprego, a discriminação, a exclusão social e a pobreza, e invista na educação dos jovens;
- Por fim, os líderes da UE assumem a determinação em tornar a Europa mais forte na cena global, aprofundando as parcerias já existentes e construindo novas, com a assunção de “mais responsabilidades” e reforço da segurança e defesa comuns.
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