Quotas leiteiras desapareceram há dois anos. Países querem-nas de volta
A 31 de março de 2015 acabaram as quotas leiteiras. Dois anos depois, e após uma queda vertiginosa nos preços, já está em estudo um mecanismo que as substitua. Preços em Portugal caíram 10%.
Esta semana cumprem-se dois anos sobre o fim das quotas leiteiras na União Europeia. Mas o fim das restrições à produção de leite na União Europeia não representaram o fim dos problemas dos produtores. Antes pelo contrário. Já quase todos os países reclamam o restabelecimento das quotas porque a queda a pique dos preços prejudica todos e já não apenas os Estados-membros do sul.
“Por mais dinheiro que ponham em cima do setor não é suficiente para compensar as baixas de preço”, disse ao ECO João Machado. O presidente da CAP explicou que “o apoio, por maior que seja”, e em causa estão centenas de milhões de euros, “nunca é de molde a compensar as oscilações dos mercados“. “Tem de haver uma política que permita que a produção não desapareça”, sublinha, alertando que Portugal é um forte candidato a sofrer um desaparecimento da produção, porque há países onde é mais barato produzir.
"Por mais dinheiro que ponham em cima do setor não é suficiente para compensar as baixas de preço.”
“Vamos ver como a UE vai repor esse equilíbrio sem quotas“, atira João Machado. “A ausência de quotas é prejudicial para todos. Poucos defendem o status quo atual. Os ministros procuram um sistema equilibrador da produção, mas não lhe chamam quotas para não voltar com a palavra atrás”, afirma o responsável da PAC. João Machado lembra que a decisão de acabar com as quotas foi tomada por unanimidade — “até o ministro da agricultura de então, Jaime Silva, votou a favor”. As quotas foram abolidas a 31 de março de 2015.
Mas então qual pode ser a solução? “O que tem de acontecer é algo que garanta que a produção de leite é regional em cada país. Ir para a origem dos produtos e que o consumidor o reconheça”, diz João Machado. E neste ponto, a rotulagem é essencial, frisa. “Ainda não se chegou ao sistema tão perfeito como o anterior”, lamenta. O facto de as multas serem “altíssimas” em caso de desrespeito da quotas garantia a eficácia do mecanismo.
Portugal reduz um quarto da produção
Para já está em vigor um sistema de apoio para que os produtores reduzam voluntariamente a sua produção. Portugal está entre os países que registaram uma redução significativa voluntária da produção — a quebra da produção, entre outubro e dezembro de 2016, foi de 15.090 toneladas de leite, o que representa quase um quarto da produção (24%), numa média de 17 toneladas por agricultor.
“Portugal não aderiu voluntariamente. É abusivo dizer voluntariamente. Não houve aqui uma adesão voluntária mas falências de explorações que não aguentaram as variações negativas de preços”, critica João Machado. “Precisamos de uma política comunitária que traga mais equilíbrio aos mercados e àqueles que são mais periféricos e frágeis”, acrescenta, tendo Portugal em mente. E dá como exemplo o facto de, em Portugal, a produção de milho forrageiro, utilizado na alimentação dos animais, ser cara devido aos custos com água e eletricidade, quando os países no centro da Europa beneficiam de chuvas todo o verão.
Foram quase 44 mil os agricultores na UE que aplicaram o apoio comunitário, para reduzirem voluntariamente a produção de leite, uma quebra que ascendeu a quase 852 mil toneladas no último trimestre de 2016. “Este regime de redução da produção de leite da UE, lançado no verão passado e financiado com 150 milhões de euros, foi uma das principais medidas decididas pela Comissão Europeia para fazer face à situação de crise no setor, tendo contribuído para aumentar a tendência dos preços do leite na UE nos últimos meses e equilibrando, desta forma, os mercados“, revela um comunicado da Comissão Europeia.
Em Portugal os preços pagos aos produtores de leite de vaca estão em queda consecutiva há três meses e o preço pago em fevereiro deste ano (0,28 euros por litro) está muito longe dos 0,32 euros que se pagavam em fevereiro de 2015, dois meses antes de serem abolidas as quotas leiteiras. Ou seja, uma quebra de 10,3% no valor do litro de leite.
Preços do leite de vaca pago aos produtores
Recorde-se que foi no passado dia 17 que terminou o prazo para os agricultores pedirem apoio para a redução de leite. Para beneficiarem deste apoio os produtores tinham de ter reduzido “voluntariamente as entregas de leite de vaca durante um período de três meses (período de redução), quando comparado com o mesmo período homólogo” e para “serem elegíveis, para além das entregas efetuadas durante o período referência, os produtores” eram obrigados a fazer “entregas a primeiros compradores em julho de 2016, devendo a proposta de redução ser superior a 1.500 kg”, explica o site do Instituto Financeiro da Agricultura e Pescas (IFAP).
Mas o problema das quotas leiteiras joga-se também ao nível do equilíbrio de forças entre os produtores e a distribuição. “Há que conseguir uma maior simetria nas relações e que a distribuição dê estabilidade”, sublinha Luis Calabozo, responsável pela Fenil a Federação espanhola das Indústrias Lácteas. “É necessário evitar que o produto seja usado para gerar afluência para as lojas”, acrescentou, citado pelo espanhol CincoDías (acesso livre/conteúdo em espanhol).
As esperanças estão depositadas na nova Política Agrícola Comum (PAC), que já está em discussão, e nas medidas de consolidação do setor que possam vir a ser adotadas.
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