7 polémicas no Montepio. Acusações, suspeitas e prejuízos
O ano mal tinha começado e o Montepio vê-se a braços com acusações de burla a Tomás Correia. A partir daí, foi sempre a piorar para a associação e para o banco. Em dia de AG, há muito por explicar.
Não há duas sem… muitas. Está a ser um ano cheio para o Montepio Geral — pelo menos, em número de polémicas. As duas investigações em que Tomás Correia, presidente da Associação Mutualista e antigo presidente da Caixa Económica, se viu envolvido abriram as hostilidades. Desde então, quase já se perdeu a conta das notícias em volta do Montepio. Do relatório do Banco de Portugal que denuncia o “perfil de risco de nível elevado” do banco, até ao buraco nas contas da Associação Mutualista (a única acionista do banco), passando pelas necessidades de capital e pelas acusações de ajudas ao Grupo Espírito Santo, o Montepio tem muito que explicar.
Para já, as explicações têm sido poucas — e, em dia de Assembleia Geral da Associação Mutualista, os associados têm muitas explicações por receber. Até chegarem, eis o que já sabe sobre o que se passa no Montepio.
Tomás Correia suspeito. Duas vezes
O ruído começa a fazer-se ouvir no final de janeiro, quando o Expresso noticia que Tomás Correia, presidente da Caixa Económica Montepio Geral entre 2008 e 2015, é suspeito de ter recebido 1,5 milhões de euros do construtor José Guilherme, o construtor conhecido por ter dado um “presente” de 14 milhões de dólares a Ricardo Salgado. Tomás Correia viu-se, por isso, envolvido num inquérito-crime, no qual é investigado por burla qualificada, abuso de confiança, branqueamento de capitais, fraude fiscal e corrupção. Entretanto, já foi constituído arguido, no âmbito de um processo de que resulta da Operação Marquês.
Poucos dias depois, em fevereiro, o Público avançava que Tomás Correia tinha sido constituído arguido num outro processo, juntamente com outras 14 pessoas. Os arguidos, onde se incluem o líder da Martifer, Carlos Martins, e Humberto Costa Leite, ex-presidente do Finibanco, são suspeitos de insolvência dolosa, burla qualificada, emissão de cheques sem provisão, acordos estabelecidos com intuito de não serem cumpridos e venda de terrenos sem que estes tenham sido pagos ao proprietário inicial. Em causa, está a venda de um terreno de 30 hectares, próximo de Coimbra. A aquisição do terreno, em 2010, decorre na mesma altura em que o Montepio lançava uma OPA sobre o Finibanco, numa operação de 341 milhões de euros, 100 milhões acima das avaliações efetuadas.
“Um perfil de risco elevado”… que “não reflete” o Montepio
A partir daqui, já não é fácil acompanhar as polémicas que envolvem o nome Montepio. Começa com nova notícia do Expresso, que teve acesso a um relatório do Banco Portugal sobre a supervisão à Caixa Económica Montepio Geral (CEMG), onde o regulador dava conta de uma situação preocupante no banco. Em cinco pontos, o relatório pode resumir-se assim:
- O Montepio apresenta “um perfil de risco de nível elevado”;
- As exposições estratégicas “não garantem uma gestão sólida”;
- “A atribuição [de créditos] contraria o parecer dado pela análise de crédito do banco sem fundamentação robusta para a decisão tomada”;
- Desde julho de 2015 que o Banco de Portugal “não dispõe de qualquer relatório de monitorização de risco”;
- “Após várias solicitações”, as atas das reuniões do conselho de administração e do conselho de gestão “não têm sido remetidas de forma tempestiva”, constituindo esse facto “um entrave ao exercício pleno de supervisão”.
O Montepio respondeu no mesmo dia à notícia, para dizer que todas as falhas identificadas pelo Banco de Portugal que não foram contestadas pela instituição já estão corrigidas, ao mesmo tempo que assegurava que o relatório do supervisor não reflete a situação do Montepio em 2016. Mais tarde, Félix Morgado veio esclarecer que as fragilidades identificadas reportam a 31 de dezembro de 2015 e foram corrigidas ao longo do ano seguinte.
Sobre a não prestação das informações solicitadas, o Montepio explicou ainda que essas se referem a dados que só podem ser fornecidos pela Associação Mutualista Montepio Geral, o acionista do banco. O Montepio vende ao balcão produtos desta associação, sendo que nem a associação nem os produtos são supervisionados pelo Banco de Portugal, mas pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.
Há um buraco de 107 milhões, mas “não há qualquer insolvência”
Ainda não tínhamos saído da mesma semana e o Montepio já era confrontado com novos dados: a Associação Mutualista fechou 2015 com um buraco de 107 milhões de euros nas contas. Segundo o Público, que avançou a informação, o alerta veio da KPMG, que auditou as contas consolidadas da associação.
Num documento anexo às demonstrações financeiras, a consultora refere mesmo que a associação está em falência técnica e que precisa de uma injeção de fundos. Em 2015, segundo a KPMG, os capitais próprios da Associação Mutualista são negativos em 107 milhões de euros, além de um resultado negativo de 251 milhões imputado aos mutualistas.
"Não qualquer situação de insolvência (…) A Associação Mutualista tem uma situação muito confortável a nível das contas.”
A palavra “falência” incomodou Tomás Correia, que, no mesmo dia em que o Público revelou os alertas da KPMG, veio dar explicações. Em conferência de imprensa, o presidente da Associação Mutualista garantiu que “não há qualquer situação de insolvência” e admitiu que a palavra “falência” o “chocou”. Aliás, assegurou, “a Associação Mutualista tem uma situação muito confortável a nível das contas” e caminha para resultados “interessantes” no setor segurador e bancário.
Tomás Correia sublinhou ainda que a Associação Mutualista não precisará de mais aumentos de capital, apesar dos alertas da KPMG. “Não consideramos que haja necessidade de haver novos aumentos de capital por parte da Associação Mutualista”, disse apenas.
A Vogais Dinâmicas, os resultados “positivos” e a idoneidade reavaliada
No meio deste turbilhão, surge uma explicação sobre como é que o Montepio pretendia alcançar resultados líquidos positivos no terceiro trimestre de 2016. A notícia foi dada pelo Diário de Notícias e pelo Expresso, que explicaram que, a 29 de setembro, um dia antes de fechar as contas do trimestre, o Montepio e a Martifer criaram uma sociedade chamada Vogais Dinâmicas, com sede em Oliveira de Frades.
Esta empresa, detida em 32% pelo Montepio, iria ser financiada, também pelo Montepio, para comprar uma participação de 19% na Almina SGPS, empresa mineira que, por sua vez, constava do balanço das contas do Montepio, ou seja, é um ativo do banco.
O banco pediu à consultora E&Y uma avaliação destes 19% e a consultora avaliou-os em 93 milhões de euros. A participação já estava contabilizada no balanço do Montepio do terceiro trimestre de 2016, e ascendia a 69 milhões. Estando os 19%, afinal, avaliados em 93 milhões, e se a operação se tivesse concretizado, o Montepio conseguiria uma mais-valia de 24 milhões nas contas.
Ou seja: o Montepio constituiu uma empresa (a Vogais Dinâmicas, hoje chamada de I’m Mining), na qual é acionista e a quem concedeu financiamento, para comprar uma participação num ativo próprio (a Almina) e, desta forma, simular uma mais-valia e elevar os resultados para positivos.
O negócio, que chegou a ir para a frente, foi depois vetado pelo Conselho de Supervisão do Montepio, depois das dúvidas levantadas pela KPMG. Apesar de o negócio ter sido cancelado, o Montepio acabou mesmo por conseguir um resultado líquido positivo no terceiro trimestre de 2016, no valor de 144 mil euros.
Esta operação já está, entretanto, a ser analisada pelo Banco de Portugal. Ainda não é claro se foi aberto algum processo de investigação ou se poderão ser levantadas questões de idoneidade aos administradores intervenientes na operação, João Neves e João Lopes Raimundo, mas essa é uma hipótese que já está a ser estudada pelo Banco de Portugal.
O supervisor deixa claro que “não se pronuncia sobre instituições individualmente”, mas, segundo o Público, deixa em aberto que esse processo possa ser implementado. “O Banco de Portugal analisa todas as operações relevantes e daí retira as devidas conclusões para o processo de supervisão”, referiu a instituição liderada por Carlos Costa.
Sobre se esta operação poderá levar à retirada de idoneidade, o Banco de Portugal refere ao ECO que “quanto ao requisito de idoneidade, a autorização não será concedida quando à luz do regime legal aplicável existam elementos suscetíveis de colocar em causa o referido requisito de forma objetiva e suficiente“.
O supervisor não esclarece, contudo, se esses “elementos suscetíveis de colocar em causa” a idoneidade dos gestores do Montepio já existem.
Não há aumento de capital, mas pode haver emissão
A Associação Mutualista pode estar longe da insolvência e pode até não precisar de um aumento de capital, como garante Tomás Correia. Já a Caixa Económica Montepio Geral não tem como fugir a reforçar os rácios de capital. O banco tem de reforçar as exigências de capital, impostas pelo Banco Central Europeu, e, para isso, poderá recorrer ao mercado, através da emissão de dívida subordinada, uma operação que a Caixa Geral de Depósitos (CGD) pretende realizar nas próximas semanas.
“É um problema que se vai resolver ao longo de 2017”, diz Tomás Correia. E o problema deverá resolver-se com a emissão de dívida de elevado risco, com juros que rondam os 8% a 10%.
Em paralelo, como apurou o ECO, o Montepio tem de cumprir quatro ações chave para evitar um aumento de capital. São elas:
- Transformação do regime jurídico do banco em Sociedade Anónima. A Caixa Económica Montepio Geral vai ter de mudar de nome, já que o Banco de Portugal exige a separação de marcas com a associação mutualista;
- Desalavancagem da exposição aos bancos que tem em Moçambique (Banco Terra) e em Angola (Finibanco Angola);
- Cumprimento do plano de venda imobiliário. Esta tem sido uma das boias de salvação da Associação Mutualista. No exercício de 2016, a associação conseguiu uma mais-valia de 46 milhões de euros com a venda de um conjunto de imóveis à Caixa Económica Montepio Geral, o que lhe permitiu escapar ao segundo ano consecutivo de prejuízos.
- Venda de ativos NPL (non-performing loans, ou crédito malparado).
As ajudas ao GES
A 20 de março, outra machada. O Jornal de Negócios avançou que Tomás Correia e outros oito antigos gestores do Montepio Geral estão a ser acusados pelo Banco de Portugal de terem financiado o Grupo Espírito Santo (GES) quando este já apresentava dificuldades financeiras.
Segundo o Negócios, os gestores são acusados de violação de concessão de crédito e de irregularidades a nível de controlo interno, assim como da infração a normas e limites no financiamento a partes relacionadas. As coimas por estas infrações podem chegar aos quatro mil milhões de euros.
O processo movido pelo Banco de Portugal implica dois episódios principais. Um está relacionado com o financiamento que a Caixa Económica Montepio Geral concedeu a Paulo Jorge Guilherme (filho do construtor José Guilherme) através do Finibanco Angola. Paulo Jorge Guilherme usou este financiamento para adquirir unidades de participação do Fundo de Participação da CEMG. Mais uma vez, o Montepio concedeu financiamento para que esse montante fosse usado para valorizar os seus próprios ativos.
Já no caso do financiamento concedido a empresas do GES, este foi feito através de várias operações que ficaram acordadas durante o primeiro semestre de 2014 — recorde-se que o GES colapsou em agosto de 2014. O Banco de Portugal concluiu, por isso, que a então administração do Montepio Geral não cumpriu as regras de análise de crédito nem as normas internas.
Esta exposição ao GES acabou por obrigar o Montepio a reconhecer imparidades de 140 milhões de euros, levando o banco a registar prejuízos de 187 milhões de euros em 2014.
A tranquilidade de Tomás Correia
No meio das polémicas, Tomás Correia pronunciou-se para dizer que não sai, mas pode sair. “Se alguma vez se colocar a possibilidade de transitar em julgado algo a meu desfavor, em qualquer tribunal, por quaisquer atos ilícitos, abdicarei do exercício das minhas funções”, escreveu o presidente da Associação Mutualista, em comunicado enviado às redações.
"“Não é difícil contextualizar as notícias num momento em que se questiona a separação da Caixa Económica do património que pertence aos Associados da Associação Mutualista.”
“Estou tranquilo relativamente ao desfecho destas, e de outras acusações que me foram dirigidas”, assegurou. “Não é difícil contextualizar as notícias num momento em que se questiona a separação da Caixa Económica do património que pertence aos Associados da Associação Mutualista. É precisamente para nos batermos contra esse tipo de correntes, que em nada favorecem o bom nome do Montepio e dos trabalhadores e gestores que aqui trabalham, que levarei até ao fim o mandato que me foi confiado”, frisou.
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