A comissão dos SMS arranca hoje. Sem SMS
A direita quer ver os SMS trocados entre Centeno e Domingues. Mas não pediu, explicitamente, o acesso a estas mensagens. E Domingues não as apresentou à comissão.
Já lá vão 55 horas de audições sobre a Caixa Geral de Depósitos (CGD), mas as dúvidas da oposição não estão dissipadas. PSD e CDS apresentaram um requerimento conjunto para levarem o tema Caixa de volta ao Parlamento e a nova comissão de inquérito arranca hoje. Desta vez, os dois partidos querem questionar a atuação do Governo na passagem relâmpago de António Domingues pelo banco público.
Há só um detalhe a travar o potencial sucesso desta comissão: a direita pediu a constituição de uma nova comissão para ter acesso à correspondência trocada entre António Domingues e Mário Centeno, que poderá confirmar que foi, de facto, assumido o compromisso de sigilo quando à declaração do património do ex-presidente da Caixa e da sua equipa. Mas o mais provável é que os SMS trocados entre o ministro e o antigo banqueiro nunca cheguem à comissão.
A correspondência que nos levou à segunda comissão
A saga começa no início do ano passado, quando o Governo convida António Domingues para presidir o conselho de administração da CGD. Em agosto, o antigo administrador do BPI assume a liderança do banco público. É em novembro que os ânimos aquecem. António Domingues e os restantes membros da administração da Caixa recusam-se a apresentar ao Tribunal Constitucional as respetivas declarações de rendimentos e de património, dever a que estão obrigados todos os gestores públicos.
Só que os gestores da Caixa não respondiam ao Estatuto do Gestor Público. O Governo de António Costa abriu um regime de exceção para os administradores do banco público e, aquando das negociações com Domingues, terá mesmo assumido o compromisso de que o antigo banqueiro não teria de apresentar estas declarações.
É este compromisso, que poderá ter sido assumido por escrito, que nos leva a uma segunda comissão parlamentar de inquérito à Caixa. Ainda na primeira comissão de inquérito, os deputados da oposição exigiram ver a correspondência trocada entre Domingues e o ministro das Finanças para perceber se existiu, ou não, este compromisso, mas o PS, o PCP e o Bloco de Esquerda chumbaram este pedido, considerando que estes documentos estavam fora do âmbito da comissão. Recorde-se que essa primeira comissão foi constituída para analisar a recapitalização e a gestão da CGD que foi feita nos últimos anos.
A “comissão dos SMS”… sem SMS
Foram as mensagens trocadas entre Domingues e Centeno que levaram à criação da nova comissão à CGD. Se, na primeira comissão, queria-se apurar o que levou à recapitalização da CGD, agora o âmbito é outro: saber se a contratação da administração liderado por António Domingues foi feita com o compromisso de sigilo quanto à declaração do património do ex-presidente e da sua equipa.
Mas a chamada “comissão dos SMS” pode vir a não ter… SMS. José Pedro Aguiar-Branco, o deputado do PSD que vai agora presidir os trabalhos, já prometeu que esta iniciativa parlamentar não ficará demasiado centrada na troca de comunicações. E, segundo o jornal Público, Domingues também já fez chegar um conjunto de documentação à comissão sobre a sua nomeação e demissão do cargo de presidente da CGD. Mas não as mensagens trocadas com Mário Centeno, onde definia as condições para aceitar o convite.
O PSD e o CDS também não fazem referência direta às mensagens no requerimento enviado ao presidente da comissão. Para o politólogo António Costa Pinto, esta comissão tem apenas um objetivo: denegrir a imagem do ministro das Finanças. Esta comissão “só faz sentido enquanto efeito de persistência da oposição, neste caso fundamentalmente do PSD, para ir desgastando, mais do que o Governo, o ministro Mário Centeno”, refere o politólogo ao ECO. “A informação relevante já é de conhecimento público”, defende.
"[Esta comissão] só faz sentido enquanto efeito de persistência da oposição, neste caso fundamentalmente do PSD, para ir desgastando, mais do que o Governo, o ministro Mário Centeno.”
Mas estes SMS ainda podem vir a surgir. O próprio António Domingues disse, segundo uma fonte revelou ao ECO, que mostrará o conteúdo dessas mensagens na comissão se a tal for obrigado. “Sairá sempre um SMS ou outro. Mesmo que não oficialmente“, refere António Costa Pinto.
Aqui, o que pode estar em causa, como explicou Tiago Duarte ao ECO, é o conteúdo e não se “esse tema foi tratado por email ou SMS“. O constitucionalista da PMLJ defende que “é através do conteúdo da comunicação que se pode perceber qual o tipo de comunicação que está em causa e se ela é uma comunicação oficial ou pessoal”.
Jorge Miranda também não tem qualquer dúvida de que estas comunicações podem ser conhecidas “pelos deputados no âmbito da comissão de inquérito”. Para o “pai” da Constituição, “não são comunicações privadas” porque “quando é o ministro das Finanças, no exercício das suas funções, que entra em conversa com determinada pessoa para efeito de eventual exercício de um cargo numa entidade pública como a Caixa Geral de Depósitos, não pode considerar-se uma conversa privada”.
“Qualquer outro banco já teria falido com duas comissões de inquérito”
Não é fácil desvendar o que de novo poderá sair desta comissão. Se, por um lado, a direita não pede por agora explicitamente o acesso aos SMS trocados entre Centeno e Domingues, a esquerda entende que o que tinha de ser esclarecido já o foi.
"O facto de ter um nome de um cidadão no título leva a acreditar que o único intuito para criar esta CPI foi mesmo ser uma comissão dos SMS trocados entre o ministro Mário Centeno e o doutor António Domingues.”
Do lado do PS e do PCP, a posição é clara. “Esta é uma comissão que foi criada pelo PSD/CDS como mais uma tentativa da direita de criar sessões de porradismo político para preencher a agenda política, por falta de agenda política propriamente dita da direita”, diz ao ECO João Paulo Correia. O coordenador do grupo parlamentar socialista não tem dúvidas quanto ao âmbito desta comissão. “O facto de ter um nome de um cidadão no título leva a acreditar que o único intuito para criar esta CPI foi mesmo ser uma comissão dos SMS trocados entre o ministro Mário Centeno e o doutor António Domingues“.
Seja como for, assegura, se António Domingues enviar essa documentação aos deputados, “é evidente” que a mesma fará parte do objeto da comissão.
Já Miguel Tiago, do PCP, nem sequer reconhece “o valor desta comissão”, que, acredita, é uma forma de o PSD e o CDS “continuarem a utilizar a Caixa como uma fonte de assuntos para poderem criar um palco político, porque não têm mais nenhum”. Mais grave, a forma como os partidos da oposição estão a “atacar a solução política que impediu a formação do seu governo” está a “desacreditar a Caixa no sistema financeiro”.
"Qualquer outro banco do sistema português já teria falido com duas comissões de inquérito ao mesmo tempo. Nenhum outro banco teria resistido a isto.”
“O BCP, o BPI e o Santander estão radiantes com isto. Nunca um banco esteve sujeito a uma pressão como esta. Qualquer outro banco do sistema português já teria falido com duas comissões de inquérito ao mesmo tempo. Nenhum outro banco teria resistido a isto”, defende o deputado comunista.
Ainda assim, e tal como o PS, Miguel Tiago admite que a documentação que chegar à comissão será usada. “Essa documentação, para nós, está muito clara. Comprova que todos os compromissos foram assumidos com a Comissão Europeia e não apenas entre o Governo e António Domingues. É a nossa interpretação, mas não podemos obrigar a que o PSD a aceite”.
O ECO questionou o Bloco de Esquerda sobre que assuntos espera ver esclarecidos nesta comissão, mas, até ao momento, não obteve resposta.
Direita quer ver 20 documentos
Do lado do PSD e do CDS, também não é fácil perceber o que esperam obter desta comissão. O CDS disse ao ECO que prefere não se pronunciar sobre este assunto e o PSD não respondeu às questões enviadas.
Quando foi constituída esta segunda comissão, em março, o novo coordenador do PSD, Luís Marques Guedes, disse que esta era necessária por ter havido “uma operação de asfixia e de encobrimento” por parte da maioria de esquerda. “É a Assembleia da República que tem o dever indeclinável de conhecer os atos do Governo e de apurar responsabilidades políticas que lhe caibam. Diferentemente do que pode ocorrer em declarações avulsas, perante uma Comissão Parlamentar de Inquérito faltar à verdade não é reserva admissível, é crime”, disse o social-democrata.
Já o CDS, pela voz de João Almeida, considerou de “uma gravidade extrema” o chumbo da esquerda à consulta dos emails e SMS trocados entre Centeno e Domingues, que foi pedida ainda na primeira comissão parlamentar de inquérito.
A reação ao chumbo da esquerda foi uma extensa lista de documentação que o PSD e o CDS pediram para ver. Desde os documentos relativos às negociações entre Domingues e o Governo até à troca de comunicação entre o Ministério das Finanças e a administração da Caixa, que acabou por levar à demissão desta última, os partidos da oposição elencam 20 documentos a que querem ter acesso. Entre os 20, nunca são referidos explicitamente os SMS.
Afinal, a que falta responder?
No fim, a que é que falta responder? A mais óbvia prende-se com a acusação que foi feita a Mário Centeno, por parte do CDS, de ter mentido no Parlamento sobre ter trocado mensagens com António Domingues.
O ministro justificou-se com datas. Em novembro de 2016, o CDS pediu toda a “correspondência e documentação trocada, nomeadamente por correio eletrónico, entre o Ministério das Finanças e o dr. António Domingues, após a reunião de 20 de março de 2016, de alguma forma relacionadas com as condições colocadas para a aceitação dos convites para a nova administração” do banco público.
A 13 de janeiro deste ano, o Ministério das Finanças respondeu ao CDS que “inexistiam” trocas de comunicações. A justificação: o Ministério recebeu uma carta de Domingues, mas não respondeu à mesma; logo, não houve “troca” de correspondência.
É com este contexto que, no último domingo, no seu habitual comentário semanal na SIC, Luís Marques Mendes resumiu a três as perguntas a que falta responder:
- António Domingues teve garantias do Ministério das Finanças de que não seria obrigado a apresentar declarações ao Tribunal Constitucional?
- Essas garantias foram-lhe dadas verbalmente ou por escrito?
- Se foram escritas, por que via? Por carta, email ou SMS?
O comentador admitiu ainda não ter visto estes SMS, mas disse que lhe revelaram o conteúdo dos mesmos. “Se viessem a público, seria difícil aguentar Centeno”, considerou Marques Mendes.
Releia a carta e os emails secretos de Domingues publicados pelo ECO em fevereiro
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