Já estamos a reestruturar a dívida. Perdão?
O PCP já levou ao Parlamento o debate sobre a dívida pública e esta sexta-feira o grupo de trabalho entre PS e BE divulgou as suas conclusões. A verdade é que Portugal já está a reconfigurar a dívida.
O debate sobre a sustentabilidade da dívida pública voltou à agenda mediática com a apresentação das propostas do grupo de trabalho entre o Partido Socialista e o Bloco de Esquerda para atenuar o peso da dívida. Contudo, algumas das propostas parecem novas, mas não são, dado que já foram executadas no passado: dos pagamentos antecipados, à diminuição dos juros cobrados pela União Europeia, passando pelo prolongamento dos prazos que Portugal tem para pagar a dívida. Praticamente desde que o empréstimo da troika foi concedido que o país tem tentado reduzir os custos de manutenção do seu endividamento superior a 130% do PIB.
Foram várias as propostas apresentadas esta sexta-feira pelos economistas presentes no grupo de trabalho. Entre elas está a mudança de política do Banco de Portugal que deve reduzir provisões e pagar mais dividendos; a redução da maturidade da dívida, fazendo emissões de menor prazo; a redução da almofada financeira, diminuindo os custos de a manter; a aceleração dos pagamentos antecipados ao Fundo Monetário Internacional; e, por fim, uma reestruturação da dívida detida pelas autoridades europeias (não incluindo a dos privados), reduzindo o juro para 1% e estendendo o prazo de pagamento da dívida para os 60 anos.
Mas não foi só esta semana que o tema voltou ao centro da discussão política. Os comunistas ficaram de fora do grupo de trabalho por opção própria, mas também no final do mês de março, o grupo parlamentar do PCP pediu um debate de urgência que tinha como objetivo “institucionalizar” um tema bastante sensível em todos os quadrantes políticos: a dívida pública. Depois do projeto de resolução chumbado em outubro de 2014, em que os comunistas pretendiam renegociar os termos do endividamento Estado, o Parlamento português voltou a discutir em 2017 a renegociação da dívida pública.
Não foram mencionadas medidas de ação. Mas também não era preciso. Os partidos da esquerda querem aliviar o fardo da dívida por via de uma reestruturação. Segundo o deputado comunista Paulo Sá, os encargos com dívida ascendem a mais de oito mil milhões de euros por ano. E, sem uma renegociação do endividamento, Portugal tem o seu futuro comprometido. Em 2014, o PCP recomendava num projeto de resolução a possibilidade de suspensão do pagamento da dívida direta do Estado, com vista à sua renegociação, excetuando aos setores não abrangidos.
Essa renegociação, “com uma redução dos montantes, não inferior a 50% do valor nominal” — dizia o projeto de resolução — implicaria também a diminuição das taxas de juro e o alargamento dos prazos de pagamento. Acresce que os comunistas queriam a “indexação do serviço da dívida pago anualmente pelo Estado português tendo em conta o valor das exportações”. Já os pequenos investidores — detentores de Certificados de Aforro, certificados do Tesouro Poupança Mais, entre outros títulos — estariam salvaguardados. Atualmente, as famílias portuguesas financiam o Estado em cerca de 24 mil milhões de euros.
Como é que Portugal já reestruturou a dívida?
As medidas do PCP para a reestruturação da dívida nestes moldes foram rejeitadas pelo Parlamento em 2014. Mas a verdade é que parte do que os comunistas defendiam, e do que agora o PS e o Bloco vêm propor, já estava a ser realizado nos anos anteriores. Perdão?
Bruxelas baixa juros dos empréstimos…
Decorriam ainda os primeiros meses do resgate da troika e a União Europeia já estava baixar os juros dos empréstimos que concedeu ao país num total de 52 mil milhões de euros — 26 mil milhões através do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) e outros 26 mil milhões através do Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira (MEEF).
Foi em outubro de 2011, cinco meses depois do pedido de assistência internacional, o conselho da UE decidiu reduzir as taxas de juro cobradas aos países “resgatados”, eliminando as margens superiores a 200 pontos base que estavam a ser adicionadas às taxas de juro de mercado. Deu ainda permissão para que a maturidade média dos empréstimos passasse dos sete anos e meio para 12 anos.
… e dá mais sete anos para amortizar dívida
Em abril de 2013, os ministros das Finanças da Zona Euro aprovaram um novo prolongamento dos prazos para Portugal pagar a dívida, uma decisão que, meses mais tarde, foi oficialmente tomada pela Comissão Europeia, com o argumento de que iria ajudar Portugal (e a Irlanda, que também beneficiou de um aumento dos prazos de reembolso) a conseguir o regresso pleno ao financiamento dos mercados e, dessa forma, sair com sucesso do programa de ajustamento.
Foi decido então flexibilizar o programa por via de um aumento do prazo de reembolso por mais sete anos, o que para Vítor Gaspar, então ministro das Finanças, foi um “momento especial” porque ajudaria a reduzir as necessidades de financiamento da República no período a seguir ao programa de ajustamento, numa altura em que os mercados continuariam a desconfiar da capacidade de Portugal de sobreviver sem assistência internacional.
Recompra de dívida no mercado
Aproveitando a baixa dos juros nos mercados, uma situação largamente promovida pelo programa de compras de ativos públicos (PSPP) do Banco Central Europeu (BCE), Portugal também tem vindo a recomprar dívida de prazo mais curto e com juros altos para depois voltar a emitir nova dívida com maturidade mais longa e com juros mais baixos.
Além dos reembolsos antecipados ao Fundo Monetário Internacional (FMI), que têm permitido aliviar o custo dos empréstimos do fundo, o Tesouro português tem estado no mercado a reconfigurar o seu stock de dívida. De acordo com os dados do IGCP, entre 2014 e 2016, foram recomprados quase 2,4 mil milhões de euros em obrigações do Tesouro. Para 2017 e 2018, prevê recomprar mais 986 milhões de euros.
Com estas incursões no mercado, a agência reestrutura, com a permissão dos mercados, o perfil da sua dívida: poupa nos encargos com a dívida em virtude das taxas de financiamento mais baixas que consegue e, paralelamente, alonga a maturidade média da dívida que tem de pagar — atualmente a maturidade média encontra-se à volta dos 8,5 anos.
Segundo o calendário de amortizações do IGCP, 2021 apresenta-se como annus horribilis em termos de reembolsos ao mercado, na ordem dos 17 mil milhões de euros em dívida de médio e longo prazo, mais quatro mil milhões de euros devidos ao FMI.
Perdão? É melhor não falar disso
Se a reestruturação tem ajudado Portugal a reduzir a fatura com os encargos com a dívida, já a palavra perdão tem estado completamente de fora do dicionário dos Governos (anterior e atual). Mas aquilo que os partidos mais à esquerda exigem não se compara com o haircut que a Grécia teve em 2012. Quais as diferenças?
A diferença está no alvo e no tipo do perdão. Em 2012, os gregos viram cerca de 50% da sua dívida contraída junto de investidores privados perdoada, um acontecimento que teve repercussões nefastas no acesso de Atenas no mercado de financiamento. O que os partidos propõe agora para Portugal é um alívio da parte do dinheiro que foi emprestada pelos credores oficiais, nomeadamente pelo Fundo de Resgate Europeu, não pela via de um haircut, mas baixando os juros e alongando maturidades.
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