Britânicos voltam às urnas. O que está em jogo?

  • Marta Santos Silva
  • 8 Junho 2017

Os termos do Brexit. O crescimento económico. O Estado social. A segurança contra terroristas. Quase é mais fácil perguntar o que não se joga nas eleições antecipadas desta quinta-feira.

Esta quinta-feira, os britânicos vão voltar a votar. Foi há menos de um ano que a maioria dos cidadãos do Reino Unido decidiram que sair da União Europeia era o melhor caminho para o país. Ainda pouco foi decidido acerca dos moldes dessa saída, embora haja um plano do lado dos restantes 27 e uma garantia do lado da primeira-ministra Theresa May: “Hard Brexit”, uma saída rígida, sem mobilidade livre de pessoas.

O artista Banksy criou um mural que mostra uma das estrelas da União Europeia a ser arrancada do símbolo.Simon Dawson/Bloomberg

Então para que servem estas eleições antecipadas, a ter lugar ao fim de apenas dois anos de um mandato que poderia durar cinco? Theresa May, que inicialmente se tinha comprometido a não convocar novas eleições, diz que procura uma maior legitimidade para defender os interesses britânicos junto de Bruxelas, já que foi escolhida internamente no partido após a demissão de David Cameron. Alguns analistas citados pelo Washington Post apontam que May também possa ter querido prolongar a maioria parlamentar do seu partido, os Conservadores, para lá das negociações do Brexit, ou querer aumentar o número de deputados que detém. Uma coisa, porém, tem sido ameaçada pelas sondagens: aumentar essa maioria pode não ser assim tão fácil, já que o líder trabalhista Jeremy Corbyn reapareceu nos media e rapidamente ganhou terreno.

O que dizem as últimas sondagens? O que representam os diferentes cenários para a economia britânica? E para as negociações do Brexit? E só há dois partidos no Reino Unido? O ECO resume, no dia em que as urnas estão abertas até às 22h00 no Reino Unido para que escolham a composição do seu Parlamento e o seu novo (ou o mesmo) primeiro-ministro.

O que é melhor para a economia?

A economia do Reino Unido não parte do melhor lugar para estas eleições. A analista Ana Boata, da Euler Hermes, especializada no Reino Unido, explicou ao ECO que a sua equipa antevê três riscos graves no Reino Unido para o ano que se avizinha: o primeiro é a desvalorização da libra, que se tem agravado desde o referendo do Brexit e pesa sobre o poder de compra dos britânicos e os lucros das empresas; o segundo é a possibilidade de um aumento de juros pelo Banco de Inglaterra que “deterioraria mais ainda os termos de pagamento das empresas”; e o terceiro é uma queda nos investimentos à medida que muitas empresas decidem mudar-se para os países que permanecerão na União Europeia.

Neste momento, a economia britânica já se ressentiu desde a decisão do Brexit. Mesmo sem a saída em si ter acontecido, o PIB do Reino Unido abrandou para um crescimento de 1,8% em 2016, relativamente aos 2,2% registados em 2015 — “o ritmo mais lento de crescimento desde 2012”, assinala Ana Boata.

E embora a economia se tenha mantido resiliente, a libra já perdeu 12% do seu valor contra o euro, a inflação aumentou de 0,3% para 2,7% entre maio de 2016 e abril de 2017, o que poderá levar o banco central a aumentar a sua taxa diretora (que se mantém em 0,25% desde Agosto de 2016) e mesmo as fusões e aquisições caíram drasticamente (42 pontos percentuais), devido a uma atitude mais cautelosa dos investidores, que querem “esperar para ver” como vai ser negociada a saída da União Europeia.

Jeremy Corbyn tem subido nas sondagens desde que as eleições forma convocadas.Wikimedia Commons

E as previsões da OCDE, divulgadas esta quarta-feira, mostram que o pior da fatura ainda está para chegar. Segundo escreve o Financial Times, a economia britânica vai abrandar, esperando-se um crescimento de apenas 1% em 2018.

A organização internacional espera agora que o Reino Unido acabe por sair da União Europeia sem um acordo de comércio livre que sirva para substituir totalmente a sua participação no mercado único europeu. “A incerteza e o resultado presumido deverão reduzir as despesas e os investimentos”, lê-se no relatório.

Mas quem quais são as propostas concretas dos principais candidatos para a economia? Theresa May quer fortalecer a economia e promete não aumentar certos impostos, mas também traz consigo dúvidas: com as suas promessas de reduzir a imigração, o país sentirá a falta de muita da mão-de-obra de que depende atualmente, o que poderá reduzir a produtividade e o crescimento económico, como destaca a revista The Economist na edição em que toma posição sobre os candidatos. O manifesto conservador também faz alterações profundas no sistema de Segurança Social, em especial no que toca aos cuidados de saúde.

Jeremy Corbyn, por sua vez, enquanto líder dos Trabalhistas, encostou o partido mais à esquerda do que o seu antecessor Ed Milliband, com promessas como a nacionalização dos caminhos-de-ferro e os correios, e o acesso gratuito ao ensino superior. Também propõe aumentar o salário mínimo, até um nível em que passaria a abranger os salários de 60% dos trabalhadores mais jovens.

Mas que Brexit querem eles?

O que mais vai influenciar o futuro da economia britânica, porém, é o tipo de Brexit que o país vai ter. Os divórcios são sempre delicados e este promete sê-lo, em especial com uma May inflexível ao leme e autoridades em Bruxelas com vontade que este seja um exemplo para outros países perderem qualquer potencial vontade de abandonar a União.

Ana Boata, da Euler Hermes, assinala: “O novo Governo vai ter de criar um acordo de transição em 2019, já que vai ser praticamente impossível para o Reino Unido e a União Europeia finalizarem e ratificarem um acordo de comércio livre nos próximos dois anos ao mesmo tempo que terminam a saída da UE”. Um acordo que vai ser essencial para manter a resiliência da economia do Reino Unido nos próximos anos, “criando mais tempo para negociações para uma saída positiva”.

Theresa May tem tentado posicionar-se como a melhor pessoa para negociar esta saída positiva, com os interesses do Reino Unido em primeiro lugar, mas os seus choques frequentes com as autoridades europeias, que incluíram acusar Jean-Claude Juncker de manipular as eleições, deixam-na enfraquecida em Bruxelas. A ideia de May? Fechar a fronteira, mas manter um acordo de mercado livre, saindo, no entanto, do mercado único que foi uma das grandes bandeiras de Margaret Thatcher.

O Brexit de Jeremy Corbyn é um pouco diferente, embora os Trabalhistas também se tenham posicionado a favor de uma saída após o referendo. Também pretendem terminar com o movimento livre de pessoas através das fronteiras, mas é um partido mais descontraído em relação à migração.

Corbyn também prometeu, numa entrevista ao The Guardian, criar um tom mais construtivo com as autoridades europeias do que o que May tem feito, prometendo, por exemplo, o que a atual primeira-ministra ainda não foi capaz de garantir: “Vamos garantir imediatamente os direitos dos europeus que vivem no Reino Unido, unilateralmente”. Essa é a prioridade de Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, e dos restantes 27.

Quem está à frente?

Jeremy Corbyn passou o período de campanha a aproximar-se cada vez mais de Theresa May. A 18 de abril, quando a primeira-ministra iniciou a campanha, estava mais de 16 pontos percentuais à frente de Jeremy Corbyn, que tinha perdido prestígio e importância no panorama mediático britânico e enfrentado problemas internos no partido Trabalhista. No entanto, esta segunda-feira, o agregador de sondagens BritainElects já revelava um corte para metade no avanço inicial de May.

Os atentados em solo britânico, três apenas em período eleitoral, podem ter afetado a perspetiva dos potenciais eleitores. Embora os atentados costumem favorecer partidos de direita e extrema-direita, May foi também castigada por ter sido ministra da Administração Interna durante vários anos e ter cortado efectivos na polícia e nas prisões. Jeremy Corbyn foi uma das vozes que pediu a demissão da primeira-ministra após os atentados de Londres e Manchester.

No entanto, os últimos dias podem ter ajudado Theresa May a dar a volta e aumentar a sua maioria no Parlamento. De acordo com duas sondagens de último minuto no final desta quarta-feira, citadas pela agência Reuters, May poderá vencer com uma liderança maior do que a de David Cameron nas últimas eleições. Enquanto neste momento May tem uma maioria parlamentar com uma diferença de 17 assentos para os restantes partidos, as sondagens mais recentes mostram que se poderá posicionar com um avanço de 96 assentos após a eleição desta quinta-feira.

Outro cenário possível é que nem Corbyn nem May tenham uma maioria clara. Nesse caso, poderá ser necessário criar coligações para um Parlamento funcional. Mas com que partidos?

Mas há outros partidos no Reino Unido?

Há dois outros partidos principais no país. O terceiro maior é o dos Democratas Liberais, atualmente liderado por Tim Farron, e o que mais se tem ocupado em criar um espaço central entre os Trabalhistas e os Conservadores. Também é o único partido que admite reverter a decisão do Brexit — por exemplo, através da realização de um novo referendo para dar ao povo britânico a oportunidade de tomar uma decisão diferente — e são os mais pró-europeus.

Outro partido significativo é a UKIP. O partido nacionalista de extrema-direita tem, no entanto, perdido a força desde que o Reino Unido decidiu sair da União Europeia e, assim, o seu principal objetivo foi adotado pelos partidos maiores. O atual líder, Paul Nuttall, após a demissão do mais conhecido Nigel Farage, não tem o mesmo carisma do seu antecessor, e não se espera que a UKIP obtenha assentos estas eleições.

Em parte, a menor representação esperada destes partidos deve-se ao sistema eleitoral britânico, que não é proporcional como o de muitos países europeus, favorecendo em vez disso maiorias mais fortes por apenas dois grandes partidos. Assim, havendo necessidade de uma coligação, é possível que os Trabalhistas ou os Conservadores tenham de olhar para grupos ainda mais pequenos, como por exemplo o Partido da Independência Escocesa (SNP).

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