Parlamento adia votação de três nomes polémicos da Anacom
Incompatibilidades e falta de competências chumbam três dos quatro nomes escolhidos pelo Governo para a Anacom. Deputados só aprovaram o nome do presidente e adiaram a votação dos mais polémicos.
É uma razia do Parlamento aos nomes propostos pelo Governo para a nova administração da Anacom. Três dos quatro escolhidos não reúnem as condições para desempenharem os cargos para os quais foram nomeados, de acordo com documentos da Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas, a que o ECO teve acesso. Só escapa João Cadete e Matos, escolhido para a presidência do regulador, que merece uma avaliação “muito positiva” por parte da comissão.
Os relatórios preliminares são assinados pelo social-democrata Joel Sá e estiveram em cima da mesa da Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas esta quarta-feira. No entanto, só o documento respeitante ao novo presidente da Anacom foi aprovado por unanimidade pelos deputados. A votação dos restantes três, os nomes mais polémicos, foi adiada para o próximo dia 27 de julho. Assim, ficou por saber se os restantes deputados subscrevem as restantes três conclusões de Joel Sá e se o Governo acatará as recomendações emanadas do Parlamento relativamente aos três.
Segundo os relatórios preliminares que vão a discussão na semana que vem, dois dos nomes são chumbados por questões de incompatibilidades “não ultrapassáveis” devido a ligações à PT, enquanto um é chumbado por falta de competências e conhecimentos. A recomendação é a de que o Governo deve reponderar, chocando contra os pareceres da CReSAP, que considerou adequados todos os quatro nomes escolhidos pelo primeiro-ministro António Costa.
Margarida Sá Costa
O nome de Margarida Sá Costa, indigitada para vogal, é um dos que mais reservas inspira à comissão. Em causa está um vínculo contratual com a PT/Meo, uma das principais reguladas, o que já tinha provocado desconforto às operadoras concorrentes, a Nos e a Vodafone. A ligação clara e direta à PT nunca foi escondida, mas existem outros impedimentos assumidos pela própria.
Aliás, Margarida Sá Costa teve uma carreira que passou maioritariamente pela empresa agora detida pela Altice. Entrou como conselheira e chegou a assessora dos antigos presidentes da PT, Miguel Horta e Costa e Francisco Murteira Nabo. Atualmente, faz também parte do conselho consultivo do Instituto Jurídico de Corporate Governance, é secretária da mesa da assembleia geral do Fórum de Administradores e Gestores de Empresas, preside o LIDE Mulher de Portugal e colabora com o jornal Link To Leaders.
No Parlamento, Margarida Sá Costa assumiu um compromisso de isenção e de que todas as incompatibilidades estariam ultrapassadas à data da confirmação da indigitação. Mas isso não terá confortado os deputados. “Face ao exposto, só resta concluir que a Dr.ª Maria Margarida Moura e Sá Costa não parece reunir as condições para ser nomeada para o cargo para o qual se encontra indigitada, em razão das incompatibilidades e impedimentos apontados e não ultrapassáveis, devendo o Governo ponderar seriamente a sua substituição como indigitado para o cargo de vogal da Anacom”.
“Na opinião do relator [Joel Sá, do PSD], a audição da candidata indigitada Dr.ª Maria Margarida Moura e Sá Costa merece reparos, decorrentes de eventuais impedimentos ou incompatibilidades para o exercício das funções para as quais se encontra indigitada”, salienta um de quatro relatórios preliminares a que o ECO teve acesso.
"Resta concluir que a Dr.ª Maria Margarida Moura e Sá Costa não parece reunir as condições para ser nomeada para o cargo para o qual se encontra indigitada, em razão das incompatibilidades e impedimentos apontados e não ultrapassáveis.”
Dalila Araújo
Em situação semelhante está Dalila Araújo, ex-secretária de Estado do segundo Governo de José Sócrates e escolhida para vogal, que também tem hoje ligações à PT/Meo. É consultora sénior da PT, um cargo de topo na empresa e “com responsabilidades essencialmente ligadas às autarquias”, pelo que se levantaram “dúvidas quanto às garantias de isenção” dadas pela própria. Os deputados não puderam também verificar se o cargo pode ser equiparado ao de chefia “por ausência de resposta da PT/Altice”, o que automaticamente impediria Dalila Araújo de assumir as funções tendo em conta os estatutos da Anacom.
A comissão “desaconselha” assim “a confirmação da indigitação da candidata para função em causa”, com dois dos candidatos a “provirem da mesma operadora à qual têm à data vínculo” e “pondo em causa de forma significativa as garantias de isenção e independência do regulador no seu todo”, lê-se noutro documento preliminar da autoria do deputado Joel Sá.
No Parlamento, quando Dalila Araújo foi ouvida, João Cadete de Matos já tinha garantido que os administradores seriam impedidos de participar em decisões quando estivessem em causa “incompatibilidades”. Sobre isso, o relatório preliminar da comissão aponta que tal iria, “na melhor das hipóteses”, impedir que “metade do conselho de administração” participasse “num conjunto significativo de decisões” quanto estivessem em causa questões que opusessem “os vários operadores”.
“Face ao exposto, conclui-se que Dr.ª Maria Dalila Correia de Araújo Teixeira não parece reunir as condições para ser nomeada para o cargo para o qual se encontra indigitada”, lê-se no documento.
"É entendimento [da comissão] que a Dr.ª Maria Dalila Correia de Araújo Teixeira não reúne as condições para o exercício do cargo para que se encontra indigitada.”
Francisco Cal
O terceiro nome em vias de ser chumbado na especialidade pelo Parlamento é o de Francisco Cal, escolhido para vogal. Aqui, não estão em causa incompatibilidades, mas sim falta de competências.
“As suas respostas sobre a matéria inquirida foram algo titubeantes e vagas centradas em alguns chavões como o Serviço Universal, revelando um fraco domínio sobre a matéria sujeita a regulação e setor, embora evidenciasse um claro enfoque prioritário na figura do consumidor e defendesse a existência de um regulador atuante”, surge num dos relatórios consultados pelo ECO.
Francisco Cal tem sido apontado como tendo ligações ao PS, um tema que não esteve em cima da mesa na sua audição no Parlamento. Ainda assim, o relatório chumba o seu nome.
“Conclui-se que Dr. Francisco António Lobo Brandão Rodrigues Cal apresenta algumas limitações claras em termos de perceção do setor das comunicações — que de forma alguma se pode reduzir à prestação do Serviço Universal — e do seu enquadramento, que não compensou com a possibilidade de evidenciar características pessoais e profissionais que o valorizem e qualifiquem para o exercício do cargo, devendo o Governo ponderar a sua substituição como indigitado para o cargo de vogal da Anacom”, escreve o social-democrata Joel Sá, num terceiro documento a que o ECO teve acesso.
"As respostas [de Francisco Cal] sobre a matéria inquirida foram algo titubeantes e vagas centradas em alguns chavões como o Serviço Universal, revelando um fraco domínio sobre a matéria sujeita a regulação e setor.”
João Cadete de Matos
É o único nome a ter luz verde na Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas. João Cadete de Matos foi nomeado para a presidência da Anacom, devendo substituir Fátima Barros. Para a comissão, o gestor “revela um conhecimento importante sobre o atual panorama do setor das comunicações”.
“Conclui-se das respostas dadas às perguntas formuladas bem como da análise e escrutínio do seu currículo que se está perante alguém com um significativo percurso e experiência profissional, parte dos quais obtidos no exercício de funções em entidade reguladora do setor financeiro onde ingressou em 1985″, lê-se num quarto documento obtido pelo ECO.
“Em suma, e face ao exposto, o Dr. João Cadete de Matos foi merecedor de uma avaliação muito positiva em sede de audição na Comissão de Economia e Obras Públicas da Assembleia da República revelando uma experiência profissional consistente e adequada às funções a desempenhar”, conclui o documento.
"O Dr. João Cadete de Matos foi merecedor de uma avaliação muito positiva em sede de audição na Comissão de Economia e Obras Públicas da Assembleia da República.”
Uma reunião atribulada
Os quatro relatórios deveriam ter sido todos votados esta quarta-feira pelos deputados, mas a reunião arrancou logo sem consenso. Heitor de Sousa, do Bloco de Esquerda, foi o primeiro a solicitar o adiamento da votação para a parte da tarde, numa reunião extraordinária que se realizaria após a sessão plenária (que vai discutir precisamente a PT). No entanto, o PSD e o CDS descartaram logo essa hipótese e o que se seguiu foi uma acesa discussão que durou aproximadamente 20 minutos. No final, houve acordo para discutir e votar os três relatórios mais polémicos no próximo dia 27 de julho.
Na base do adiamento terá estado a falta de oportunidade e de tempo para a leitura e análise da totalidade dos relatórios. “Creio que não vai haver hoje condições para os discutir. Só tive oportunidade de ler o relatório do Dr. João Cadete de Matos, do qual estou genericamente de acordo. Sugiro que seja adiado o pronunciamento sobre isso”, disse o deputado bloquista. Hélder Amaral, do CDS, presidente da comissão, rematou logo: “A nossa atividade parlamentar é feita disto mesmo. Peço imensa desculpa. Temos prazos, temos caráter de urgência. Sabíamos à partida que as condições eram estas.”
(Notícia atualizada às 11h54 com a votação final de um dos relatórios e o adiamento dos restantes três)
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