Subida da derrama estadual pode afetar 76 empresas
PS, BE e PCP deverão aprovar na especialidade a subida da derrama estadual. Mas que empresas vão ser afetadas? O ECO foi tentar descobrir e perceber qual será o impacto.
O Governo decidiu não incluir na proposta do Orçamento do Estado para 2018 a subida da derrama estadual para empresas com lucros superiores a 35 milhões. Contudo, isso não quer dizer que a medida não avance: tanto BE como PCP estão confiantes de que a subida vai ser aprovada na especialidade. A concretizar-se, a alteração pode afetar um total de 76 empresas em Portugal, segundo uma lista da Iberinform Portugal cedida ao ECO. Olhando apenas para o universo das empresas listadas no PSI-20, dois terços das cotadas podem ser afetadas por este agravamento fiscal.
A alteração reivindicada pela esquerda passa pela subida do terceiro escalão em dois pontos percentuais — de 7% para 9% –, afetando as empresas com lucros acima de 35 milhões de euros. Confrontado com a possibilidade de vir a subir a derrama, o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, respondeu com estabilidade fiscal para as empresas. “É nesse sentido [da estabilidade fiscal] que estamos a trabalhar e é um enorme contraste com o que aconteceu no período anterior”, afirmou.
Contudo, ainda esta terça-feira, em declarações ao ECO, os partidos à esquerda confirmam a subida. O deputado do PCP, Paulo Sá, garante que “há um compromisso do Governo em aprovar a subida, não vale a pena especular”. Fonte do Bloco de Esquerda confirma que existe essa expectativa.
A confirmar-se, 76 empresas podem vir a ser afetadas pela subida, segundo uma lista da Iberinform que considera as empresas com lucros superiores a 35 milhões de euros. Entre essas estão várias cotadas em bolsa: é o caso de empresas como a EDP, a Jerónimo Martins, o BPI, a Navigator ou a Sonae. Contudo, fora da bolsa também existem muitas empresas com esse nível de lucros. É o caso, por exemplo, da Continental Mabor ou da Brisa — pode consultar a lista completa no final do artigo.
Para esta contabilização, o ECO considerou o resultado líquido, o que desconta já os impostos pagos pelas empresas. Por isso, podem estar fora desta lista, por exemplo, empresas que, após terem sido tributadas, registaram lucros inferiores a 35 milhões de euros, mas que na realidade ainda pagaram derrama estadual.
Existem ainda outras nuances: as empresas podem registar os seus lucros numa sede fiscal de outro país e, por isso, não serem tributadas em Portugal. No caso de estarem sedeadas na Zona Franca da Madeira, as empresas não estão isentas da derrama estadual, pelo que também serão afetadas, esclareceu ao ECO a associada da Telles, Joana Ribeiro Pacheco.
As cotadas em bolsa serão afetadas?
Do total de 18 cotadas abrangidas, segundo os dados da Bloomberg, existem treze cotadas do PSI-20 que podem, potencialmente, vir a ser afetadas por este aumento da derrama estadual. A contabilização feita pelo ECO considera as empresas que, em 2016, tiveram lucros superiores a 35 milhões de euros. Eis a lista com os lucros registado no ano passado:
- EDP: 960 milhões de euros;
- Jerónimo Martins: 593 milhões de euros;
- BPI: 313 milhões de euros [fora do PSI-20];
- Navigator: 217 milhões de euros;
- Sonae: 215 milhões de euros;
- Galp: 179 milhões de euros;
- Semapa: 114 milhões de euros;
- Corticeira: 102 milhões de euros;
- REN: 100 milhões de euros;
- NOS: 90 milhões de euros;
- Altri: 76 milhões de euros;
- CTT: 62 milhões de euros;
- EDP Renováveis: 56 milhões de euros;
- Mota-Engil: 50 milhões de euros;
- Sonaecom: 48 milhões de euros [fora do PSI-20];
Haitong: Impacto não será “significativo”
Na semana passada, quando o líder parlamentar do PCP deu como “quase certo” o aumento da derrama estadual, a equipa de research do Haitong fez as contas e estimou que o impacto, em termos gerais, não será “significativo” para as empresas afetadas. A nota de research assinalava que os impactos mais significativos vão sentir-se nas cotadas com maior grau de exposição a Portugal.
Segundo uma apresentação da Deloitte, de acordo com dados do Portal das Finanças, em 2015, a derrama estadual rendeu ao Estado 501 milhões de euros. Contudo, o ECO não conseguiu apurar quanto desse montante corresponde aos pagamentos efetuados no terceiro escalão, aquele que deverá ser agravado.
Ao ECO, a associada da Telles, Joana Ribeiro Pacheco, constata que a medida “irá incidir sobre uma reduzida franja do tecido empresarial em Portugal, ainda que seja esta a maior contribuidora para a receita fiscal do Estado em matéria de IRC”. Ou seja, o aumento da derrama estadual no terceiro escalão deverá incidir nas empresas que suportam a maior carga fiscal. De facto, as 76 entidades potencialmente afetadas representam cerca de 0,02% do total de empresas que existem em Portugal — cerca de 300 mil, de acordo com a Iberinform.
Esta medida “poderá ser extremamente lesiva”, aponta Joana Ribeiro Pacheco. A especialista em direito fiscal vai mais longe, referindo que, “eventualmente”, a medida pode “vir a revelar-se como um fator adicional de desencorajamento à escolha de Portugal como jurisdição para o exercício da atividade por parte de grandes grupos empresariais”.
Quem critica?
A medida já foi criticada por várias entidades, nomeadamente pela CIP. Ao ECO, António Saraiva criticou esta segunda-feira a alteração porque Portugal ficaria com a taxa de IRC mais elevada da Europa. Para o presidente da CIP, esta medida seria nefasta já que afastaria investimento. Uma opinião partilhada pelo presidente da Associação Industrial Portuguesa, José Eduardo Carvalho, que, em declarações ao ECO, argumenta que a medida não é “razoável nem aconselhável”.
À direita, a ex-ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite, criticou a medida no seu comentário da TVI. A ex-presidente do PSD considerou “não há nenhum sinal [de apoio às empresas], pelo contrário, há um sinal negativo que é a ideia de certas empresas com um determinado nível de lucros devam pagar mais derrama“. “Há uma aposta de tal forma cega na ideia de que o aumento do consumo é o motor do crescimento, pondo absolutamente de lado o problema das empresas”, criticou Ferreira Leite.
No comentário após a proposta do OE2018 ter sido entregue, o PSD especulou que o dano pode já estar feito: “O aumento da tributação das empresas mesmo que não aconteça de imediato fica a pairar a ameaça de que possa acontecer um futuro próximo e o dano está causado”, afirmou Maria Luís Albuquerque. A ex-ministra das Finanças considerou no passado sábado que “Portugal continua a precisar muito de investimento e no Orçamento não há medidas para o incentivar”.
Numa opinião publicada no Expresso, o economista Daniel Bessa criticou também esta possibilidade, recordando que a fiscalidade sobre as empresas era um dos fatores que prejudica a competitividade de Portugal. Bessa classifica a medida de “machadada na atratividade do país como destino de um investimento que todos dizemos ser tão necessário”.
Quem apoia?
O Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português têm pressionado o atual Governo para aumentar a derrama estadual — o próprio primeiro-ministro demonstrou abertura para discutir o assunto. Esta medida constava do acordo firmado entre Pedro Passos Coelho e António José Seguro. Contudo, essa subida da derrama estadual prevista no acordo era acompanhada por uma descida do IRC, o que iria aliviar os impostos de empresas com lucros mais pequenos. Não é isso que se prevê que aconteça neste momento.
Foi este mesmo pormenor que Catarina Martins recordou quando defendeu a subida da derrama estadual em maio deste ano. “No acordo que fizeram, diziam – um pouco para disfarçar, talvez, o assalto inenarrável que fizeram ao país – que por cada ponto que a taxa de IRC descesse, ia subir a taxa de derrama estadual do IRC (Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas), que é um imposto que é pago só por empresas que têm muitos lucros. Sabem o que fizeram: baixaram o IRC, em dois pontos, e a derrama estadual do IRC ficou na mesma”, disse na altura.
Já o PCP tem vindo a insistir nesta medida para corrigir aquilo que Jerónimo de Sousa considerou ser “a injustiça resultante do benefício fiscal usufruído por estas grandes empresas no âmbito da reavaliação de ativos e PERES [Plano Especial de Redução do Endividamento ao Estado]”.
O que é a derrama estadual?
Este imposto, criado em 2010 quando a crise começava a fazer-se sentir, visa conferir um caráter de progressividade ao IRC. E, por isso, tal como acontece no IRS, os tais 9% serão aplicadas sobre a parte do lucro tributável que excede os 35 milhões de euros. Segundo a lei, a derrama estadual incide sobre as empresas com “atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português”.
- Primeiro escalão: 1,5 milhões de euros a 7,5 milhões de euros de lucro tributável taxado a 3%;
- Segundo escalão: 7,5 milhões de euros e 35 milhões de euros de lucro tributável taxado a 5%;
- Terceiro escalão: acima de 35 milhões de euros de lucro tributável taxado a 7%.
O PCP e o BE já anunciaram que vão levar esta alteração ao terceiro escalão à discussão do Orçamento do Estado para 2018 na especialidade. Contudo, até à votação final global ainda vai haver muita negociação. Só no dia 27 de novembro é que a versão final do OE será votada.
Eis a lista completa, segundo a Iberinform Portugal
- Sonaecom – 35 milhões de euros;
- Barbosa & Almeida – 35,2 milhões de euros;
- Farminveste – 35,5 milhõesde euros;
- Alves Ribeiro – 35,8 milhões de euros;
- Vila Galé – 36,1 milhões de euros;
- AFA – 36,1 milhões de euros;
- Vértice – 36,1 milhões de euros;
- Centro Comercial Colombo – 36,4 milhões de euros;
- Navigator Pulp Figueira – 36,7 milhões de euros;
- Sonae Modelo Continente – 37,1 milhões de euros;
- TALTA – Trading e Marketing (Zona Franca da Madeira) – 38,2 milhões de euros;
- Elevolutio, Engenharia – 38,3 milhões de euros;
- ZOPT – 39,4 milhões de euros;
- Navigator Tissue Ródão – 40,5 milhões de euros;
- Cimigest – 43,6 milhões de euros;
- Fim do dia – 43,8 milhões de euros;
- Faurecia, Assentos de automóvel – 43,8 milhões de euros;
- NUVI (Zona Franca da Madeira) – 44,1 milhões de euros;
- Somincor, Sociedade Mineira de Neves-Corvo – 44,3 milhões de euros;
- Sonaerp, Retail Properties – 46,2 milhões de euros;
- SIBS – 46,3 milhões de euros;
- EPAL, Empresa Portuguesa das Águas Livres – 49,7 milhões de euros;
- Corticeira Amorim – 51,3 milhões de euros;
- Repsol – 52,4 milhões de euros;
- Navigator Paper Figueira – 52,9 milhões de euros;
- Elevolution Group – 54,7 milhões de euros;
- REN, Rede Elétrica Nacional – 56,1 milhões de euros;
- PT Portugal – 56,3 milhões de euros;
- Altri – 59,5 milhões de euros;
- EDP Renováveis – 59,7 milhões de euros;
- Turbogás, Produtora Energética – 59,8 milhões de euros;
- Recheio – 60,1 milhões de euros;
- Sonae – 61,3 milhões de euros;
- Tabaqueira II – 61,6 milhões de euros;
- CTT, Correios de Portugal – 62,1 milhões de euros;
- Mota-Engil – 64,6 milhões de euros;
- Galp Gás Natural Distribuição – 65,2 milhões de euros;
- Amorim, Sociedade Gestora de Participações Sociais – 68,4 milhões de euros;
- PMM – 70,3 milhões de euros;
- Continente Hipermercados – 72,4 milhões de euros;
- Navigator Pulp Holding – 73,6 milhões de euros;
- Pingo Doce, Distribuição Alimentar – 75,3 milhões de euros;
- EDP Renewables – 75,5 milhões de euros;
- Brisa, Concessão Rodoviária – 77 milhões de euros;
- Sonae Investimento – 78 milhões de euros;
- NOS – 80 milhões de euros;
- Eloaliança, Serviços Internacionais (Zona Franca da Madeira) – 83,4 milhões de euros;
- BA Glass I, Serviços de gestão e investimentos – 85,1 milhões de euros;
- BA Glass Portugal – 85,8 milhões de euros;
- Semapa – 89,5 milhões de euros;
- Brisa, Concessão Rodoviária – 91 milhões de euros;
- Celulose Beira Industrial – 92,7 milhões de euros;
- REN, Redes Energéticas Nacionais – 93,8 milhões de euros;
- Parpública, Participações Públicas – 94,2 milhões de euros;
- Repsol Polímeros – 108,3 milhões de euros;
- José de Mello – 109,3 milhões de euros;
- SOGEFI (Zona Franca da Madeira) – 111,1 milhões de euros;
- José de Mello, Investimentos – 115,4 milhões de euros;
- Lumiso – 116,2 milhões de euros;
- Mediterranean Shipping Company Rail – 118,3 milhões de euros;
- EDF EN Portugal – 127,3 milhões de euros;
- Sodim – 140,4 milhões de euros;
- EDPR PT, Parques Eólicos – 144 milhões de euros;
- Galp, Gás Natural – 147,2 milhões de euros;
- ANA, Aeroportos de Portugal – 168,4 milhões de euros;
- Sociedade Francisco Manuel dos Santos – 191,6 milhões de euros;
- The Navigator Company – 201,6 milhões de euros;
- Continental Mabor, Indústria de Pneus – 225,8 milhões de euros;
- Brisa Internacional – 239,7 milhões de euros;
- Galp Gás & Power – 265,6 milhões de euros;
- EDP, Gestão da Produção de Energia – 284,3 milhões de euros;
- EDP Distribuição – 303 milhões de euros;
- Jerónimo Martins – 350 milhões de euros;
- Brisa, Auto Estradas de Portugal – 411 milhões de euros;
- Galp Energia – 413 milhões de euros;
- EDP – 758 milhões de euros.
Esta lista não inclui o setor financeiro, excluindo assim a banca e os seguros. Além disso, o ECO excluiu a Câmara de Lisboa desta lista uma vez que não paga este tipo de impostos que incidem sobre as empresas.
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