Morreu o homem com “fama de rico, comportamento de pobre”
O líder da Sonae morreu esta quarta-feira. Era um dos homens mais ricos do país e, desde a década de 1970, alargou o império da Sonae do retalho às telecomunicações.
Belmiro Mendes de Azevedo, empresário que liderou o grupo Sonae e um dos homens mais ricos do país, morreu esta quarta-feira, aos 79 anos. Faleceu no Hospital da CUF, no Porto, onde estava internado desde segunda-feira. Nasceu a 17 de fevereiro de 1938, em Tuías, Marco de Canaveses.
Licenciado em Engenharia Química, a primeira experiência profissional do empresário natural de Marco de Canaveses foi na Efanor (Empresa Fabril do Norte). Entrou para a Sonae no final da década de 1960, assumindo o controlo da empresa em 1974. Era, como veio a descrever-se na sua biografia, uma “pequena empresa em dificuldades económicas e financeiras, que fabricava laminados decorativos”. Por isso, como lembrou o próprio, no discurso da cerimónia dos seus 50 anos na Sonae, a sua primeira tarefa na empresa foi “destruir para voltar a construir”.
Foi a chamada “destruição criativa”. Sob a sua liderança, o grupo Sonae transformou-se num império, com investimentos em várias áreas: do retalho, com a criação de marcas como o Continente, Modelo, Worten, Sport Zone e vários centros comerciais por todo o país, à comunicação social, através da fundação do jornal Público, passando pelas telecomunicações, com o investimento na Optimus (agora Nos), e pelo turismo, com o investimento mais marcante no Troia Resort.
Em 1983, levou a Sonae para o mercado de capitais, com uma capitalização bolsista de 500.000 contos (o equivalente, à cotação de hoje, a mais de 2 mil milhões de euros). Nessa altura, tornou-se também no principal acionista.
Durante anos, Belmiro de Azevedo liderou a lista dos mais ricos de Portugal, mas viu a sua fortuna cair com a redução da capitalização bolsista da Sonae. Em 2017, o ranking da Forbes colocou Belmiro de Azevedo no terceiro lugar dos mais ricos de Portugal, com um fortuna avaliada em 1,4 mil milhões de euros, figurando também na lista dos mais ricos do mundo.
Retirou-se da presidência executiva da Sonae em 2007, mas foi só aos 77 anos, em abril de 2015, que abandonou por completo a administração do grupo, precisamente no aniversário de 50 anos após a sua entrada na empresa. Deixou o grupo a cargo dos seus filhos, Paulo Azevedo e Cláudia Azevedo. Na altura, o empresário garantiu que não iria ficar quieto.
Belmiro, o empresário do Norte
Ao lado de Américo Amorim, também falecido este ano, Belmiro de Azevedo simbolizava a figura de empresário do Norte. Filho de um carpinteiro e de uma costureira, subiu no mundo empresarial a pulso. Com a diversificação das áreas de negócio, conseguiu recuperar a Sonae quando esta estava longe de se tornar no império que é hoje e estava, aliás, à beira da falência. Em três anos, pôs a empresa quase falida a dar lucro.
Entrou para a Sonae como diretor de investigação e de desenvolvimento, com um ordenado de 7.500 escudos (o equivalente a 37,5 euros). A empresa internacionalizou-se, fez aquisições de outras empresas e entrou para a bolsa, mas o grande momento de viragem acontece quando Belmiro de Azevedo aposta no retalho. Em 1985, a Sonae abre o primeiro hipermercado em Portugal, o Continente de Matosinhos. “Este momento marca o início da atividade da Sonae Distribuição, resultado da joint-venture entre a Sonae e a Promodés”, pode ler-se no site da Sonae.
Subiu na vida e chegou ao pódio dos mais ricos do país — e mesmo à lista dos mais ricos do mundo –, mas a postura foi sempre de sobriedade e de frugalidade. Chegava a ser apelidado de sovina. “Tenho fama de rico, comportamento de pobre”, chegou a dizer numa entrevista à Visão em 2010. “Estou bem assim”, garantiu.
Belmiro, o homem que dizia o que pensava
Belmiro de Azevedo não mediu as palavras para dizer o que pensava. Uma grande entrevista à Visão, em 2010, é bem exemplo disso. Nessa entrevista, classificou Cavaco Silva, então Presidente da República, de ditador. “Cavaco é um ditador. Mandou quatro amigos meus, dos melhores ministros, para a rua, assim, com vermelho direto”.
Também não poupou outras cores políticas. Nesse mesmo ano, o socialista Manuel Alegre candidatava-se às eleições presidenciais e Belmiro de Azevedo condenava a sua candidatura com apenas cinco palavras: “O Alegre devia ter juízo”. Isto porque, no final do mandato, já teria 80 anos. “Não é muito sensato”.
Já sobre José Sócrates, na altura primeiro-ministro, também não faltavam acusações. “O primeiro-ministro telefona ou manda telefonar com muita frequência“, admitiu, sobre a pressão que era feita ao Público, jornal detido pela Sonae.
Belmiro, o empreendedor que arriscou
Não só disse o que pensava, como fez aquilo em que acreditava, mesmo quando o aconselharam a não o fazer. No meio do sucesso, os falhanços foram muitos: dos supermercados no Brasil, uma aposta que nunca vingou, à perda de posição na Portucel. O episódio mais emblemático dessa vontade de arriscar é o da oferta pública de aquisição (OPA) lançada sobre a Portugal Telecom (PT).
O comunicado foi enviado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) a 6 de fevereiro de 2006: a Sonaecom lançava uma OPA hostil sobre a PT, no valor de 11,1 mil milhões de euros, na altura em que a operadora nacional era presidida por Miguel Horta e Costa. Um ano depois, subiu a contrapartida para 11,8 mil milhões de euros. Em março desse mesmo ano, a OPA caiu — caía assim o maior negócio de sempre em Portugal, chumbado em Assembleia Geral da PT.
O próprio Belmiro de Azevedo admitia a dimensão ambiciosa desta operação. “Foi a única vez que, com o meu filho Paulo, e pela dimensão do projeto, decidi ir falar com o primeiro-ministro, por uma razão simples: era uma OPA hostil e um dos acionistas era o Estado, com uma golden-share. Se o Governo nos tivesse dito nessa altura que não, que seria contra a venda da PT, nós não teríamos lançado a operação. [Sócrates] ficou muito espantado e elogiou imenso a ousadia da Sonae. Por isso, avançamos”, lembrou o empresário, pouco tempo depois de a OPA ter falhado.
O que falhou? Belmiro de Azevedo nunca poupou críticas a José Sócrates. “Quando mandou votar, [Sócrates] deu ordens [à Caixa Geral de Depósitos] contra a proposta da Sonae. Votou contra via Caixa Geral de Depósitos. Perguntei a cinco antigos presidentes da CGD quem mandava em situações como aquela e todos me disseram o mesmo: a independência da administração é total, exceto relativamente à EDP, Galp e PT. Não tenho, pois, dúvidas de que o voto contra da Caixa, na Assembleia Geral que chumbou a OPA, foi ditado pelo Governo. Todos o sabem. E estou convencido que ainda vou ter vida suficiente para saber exatamente como tudo se passou nos bastidores”.
O empresário não se enganou e viveu, de facto, o suficiente para conhecer pelo menos parte da verdadeira história. Em 2015, os investigadores do Ministério Público começaram a investigar o falhanço desta OPA. Este ano, quando foi conhecida a acusação da Operação Marquês, soube-se que José Sócrates é suspeito de ter recebido, de Ricardo Salgado, seis milhões de euros para que o então primeiro-ministro travasse a OPA à PT.
Belmiro, o mecenas
Juntamente com a atividade empresarial, Belmiro de Azevedo dedicou-se também ao mecenato, sobretudo depois de se afastar da liderança da Sonae. Foi em 1991 que criou a Fundação Belmiro de Azevedo, dedicada ao mecenato nas áreas da Educação, das Artes, da Cultura e da Solidariedade. Através desta fundação, financiou projetos como o Edulog, um think tank de educação que atribuiu bolsas para projetos de investigação, por exemplo.
A educação foi uma das principais áreas a que se dedicou quando se retirou da administração da Sonae, em 2015. “Dedicarei parte substancial do meu tempo futuro” ao Edulog, disse na cerimónia dos seus 50 anos no grupo.
A agricultura foi outra das áreas a que se dedicou nos últimos tempos. “Continuarei, também, a dedicar-me ao setor primário em Portugal, incluindo a primeira e segunda transformação de produtos naturais, que considero, como tenho dito muitas vezes, absolutamente crítico para o sucesso do nosso país” explicou na mesma altura.
Mas nunca deixou de intervir na Sonae. “Continuarei a zelar pelos nossos valores enquanto acionista e no âmbito do global advisory board que a Sonae está a equacionar criar e que deverá apoiar decisões estratégicas do grupo em busca de novos negócios e novas tecnologias, com particular ênfase em outras geografias”.
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