Nova tabela de retenção na fonte de IRS é eleitoralista? Maioria dos fiscalistas diz que sim
Ter mais receita fiscal em 2018 para ajudar a cumprir as metas do défice é um dos objetivos do Executivo para não baixar tanto das taxas de retenção na fonte. Mas a medida é também eleitoralista.
As tabelas de retenção na fonte não refletem na totalidade a descida de impostos prevista para este ano. A opção é do Executivo. Mas o que está subjacente à decisão? Questões fiscais, de tesouraria, orçamentais ou eleitorais? O ECO perguntou a vários fiscalistas o que motiva o Governo. A maioria aponta para as eleições legislativas de outubro de 2019.
“A política fiscal também é política”, lembra o fiscalista Américo Brás Carlos. “É um instrumento de política e uma opção dos governos determinar um maior ou menor rendimento disponível ao longo do ano e um reembolso maior no ano seguinte, colocando o eleitorado mais bem disposto”, acrescenta o professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG).
É que, segundo os fiscalistas, o eleitorado tem memória curta e em ano de eleições poderá já não recordar a menor redução de impostos do ano anterior. “A memória do contribuinte é muito curta”, diz João Espanha. “Normalmente dura apenas um mês”, frisa o fiscalista, sublinhando que com este nível de retenções na fonte, o Governo “matou dois coelhos com uma cajadada só: garante um encaixe financeiro mais elevado no exercício de 2018, antecipando receita que melhora o défice, e permite um reembolso mais generoso” no ano seguinte.
Recorde-se que o Executivo tem por previsão um défice de 1,1% em 2018— uma décima mais do que o inicialmente previsto no Orçamento do Estado, por causa dos impactos dos incêndios florestais — depois de fechar 2017 igual ou abaixo de 1,3%.
Samuel Fernandes de Almeida partilha das duas leituras: “menorizar o impacto do ponto de vista orçamental no exercício de 2018 e ter um efeito coincidente com as eleições legislativas em outubro de 2019, em que as pessoas vão receber um cheque generoso de IRS, que do ponto de vista eleitoral não deixa de ser positivo para o Governo”. Em declarações à RTP3, o fiscalista frisa que “a generalidade dos governos recorre a este mecanismo”.
De acordo com as simulações da PwC para o ECO, a folga financeira decorrente do alargamento do número de escalões de cinco para sete, o aumento do mínimo de existência e o fim da sobretaxa não é totalmente refletida nos salários todos os meses. Para isso, as taxas de retenção na fonte teriam de ser ainda mais baixas. “Ainda que as taxas de retenção na fonte tenham descido face ao ano anterior, o valor do reembolso decorrente da entrega da declaração de IRS de 2018 deverá ser superior ao reembolso referente ao ano de 2017”, explicou ao ECO Ana Duarte, a fiscalista da PwC especialista em IRS. “Este efeito ocorre porque apenas parte da redução do imposto anual se encontra refletido na redução das taxas de retenção na fonte mensal”, acrescenta.
Uma opção anunciada
As simulações apenas vêm confirmar aquilo que o ministro das Finanças já tinha dado a entender aquando da apresentação do Orçamento do Estado para 2018. Mário Centeno anunciou que o impacto da descida do IRS seria apenas de 230 milhões de euros em 2018 e que o restante (155 milhões) seria “chutado” para 2019.
“Esta foi a forma de repartir os efeitos da descida e assim satisfazer as exigências do PCP e do Bloco de Esquerda”, lembra Luís Leon. O fiscalista da Deloitte frisa ainda que esta decisão “não foi um segredo, nem passou entre os pingos da chuva”. “Era um dado adquirido, as nossas simulações revelam o que o ministro tinha anunciado”.
O fiscalista recusa retirar ilações políticas desta opção, mas garante que, tecnicamente, o desejável seria que as taxas baixassem muito mais para refletirem a descida de imposto. Ainda assim reconhece que “a estratégia do atual Governo tem sido sempre repartir o impacto das medidas por dois orçamentos”, e cita os exemplo do aumento regular e extraordinário das pensões, o fim dos duodécimos e agora a descida dos impostos.
O antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Carlos Santos, entende que a opção do Executivo pode ter mais a ver com o “cumprimento de metas ao longo do ano”, “uma questão de precaução”, acrescentou. Apesar de não ter feito uma comparação entre as tabelas deste ano e de 2017, o antigo responsável do Governo socialista de António Guterres entre 1995 e 1999 frisa que “o ideal é que as tabelas fossem neutras e que no final não houvesse acertos, nem a favor nem contra, mas é difícil prever as deduções à coleta que as pessoas vão fazer”, sublinha.
Uma retenção na fonte mais próxima do imposto final a pagar também “poderia dar maior rendimento disponível às famílias este ano e assim ajudar a alavancar o crescimento por via do consumo”, sublinha Américo Brás Carlos. Um efeito que poderia também compensar a nova regra no pagamento dos subsídios de Natal e de férias que deixam de ser pagos em duodécimos.
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