Dijsselbloem e Centeno: o que os une e o que os separa
Jeroen Dijsselbloem passa esta sexta-feira a pasta de presidente do Eurogrupo a Mário Centeno. O ECO recuperou o percurso dos dois líderes até ao aperto de mão que é esperado para hoje.
Uma vez eleito pelos pares, demorou até chegar a sua vez de usar palavra, na primeira conferência de imprensa como presidente do Eurogrupo. Primeiro limitou-se a sorrir. A pasta tinha sido entregue a um “novato” e questionavam-se as ideias que tinha para o futuro da zona euro. A diferença entre a confiança do presidente cessante e a inexperiência do recém-escolhido era evidente. A descrição não é de Mário Centeno naquela tarde de 4 de dezembro de 2017, quando foi escolhido para liderar os ministros das Finanças do euro, mas sim de Jeroen Dijsselbloem, a 21 de janeiro de 2013.
Hoje ninguém diria, mas foi assim que os jornais mostraram o holandês, quando foi eleito pela primeira vez para liderar o grupo dos ministros das Finanças do euro. “Um novo, menos poderoso, líder do euro”, publicou o Spiegel, no dia seguinte. E justificava: “A mudança geracional da segunda-feira foi óbvia para todos, com Juncker e Dijsselbloem, o velho e o novo, lado a lado. O primeiro, um veterano confiante da cena política de Bruxelas que testemunhou o nascimento do euro (…). O outro, um desconhecido novato que só se tornou ministro das Finanças no seu país há três meses”.
Na tarde de 4 de dezembro de 2017, Mário Centeno também não foi capaz de esconder o nervosismo. “Obrigada Jeroen, obrigada… É uma honra ser o próximo presidente do Eurogrupo. Também gostava de agradecer aos meus antigos colegas do grupo, especialmente àqueles que estiveram presentes na corrida…”, disse o ministro das Finanças português, hesitante.
Mas Centeno parte com uma vantagem: é verdade que provém de uma economia pequena, mas é um ministro conhecido. É certo que a imprensa internacional escreveu que Centeno toma poucas vezes a liderança nos debates das reuniões do Eurogrupo, mas o ministro português é a personificação da “história tremenda de sucesso”, nas palavras do comissário Pierre Moscovici, que Europa precisa de contar.
Esta sexta-feira, Jeroen Dijsselbloem e Mário Centeno, ambos com 51 anos, encontram-se às 12 horas de Paris (11h em Lisboa) para a transição de pastas. A partir de sábado, o português será o novo presidente do Eurogrupo, responsável por conduzir as discussões dos ministros das Finanças do euro e por representar a posição do bloco perante as restantes instâncias internacionais. Mas os seus percursos são manifestamente diferentes.
O académico e o político
Na bagagem, Mário Centeno traz já dois anos de experiência num Governo socialista minoritário, que chegou ao poder através de um entendimento inédito na cena política portuguesa entre as esquerdas. Até agora, Centeno tem conseguido a missão, que parecia impossível, de agradar às esquerdas nacionais, e às regras europeias, em simultâneo.
Já quando Dijsselbloem agarrou o Eurogrupo, a poucos meses de completar 47 anos e com apenas três meses de experiência como ministro das Finanças, tinha ainda quase tudo por provar.
Antes de chegar ao Governo, o holandês era deputado, formado em 1991 em economia agrícola, pela Wageningen University. Tinha também um diploma em gestão, pela University College de Cork, na Irlanda. Mas o seu currículo académico era visto como magro — o oposto do que acontece agora a Centeno.
A reputação de Dijsselbloem era, sobretudo, de estratega, nos bastidores da política holandesa. Entre 1993 e 1996 tinha sido consultor do Partido Trabalhista no Parlamento holandês, tendo acumulado durante dois daqueles anos funções como membro da câmara municipal de Wageningen. Enquanto Dijsselbloem ganhava experiência política, nos anos 90 Mário Centeno esteve dedicado à academia.
Harvard foi uma revolução na minha forma de ver a economia em quase tudo. Tornei-me muito mais sensível à relação entre a economia e as pessoas.
O português concluiu a licenciatura em Economia, pelo ISEG, em 1990, e em 1993 obteve o grau de mestre em matemática aplicada. Foi depois que partiu para Harvard, nos Estados Unidos, onde se tornou mestre em 1998 e dois anos depois doutor em Economia. À revista Visão contou que Harvard foi “uma revolução” na sua “forma de ver a economia em quase tudo”. Diz o ministro das Finanças que se tornou “muito mais sensível à relação entre a economia e as pessoas”.
Já Dijsselbloem tinha as mãos na massa no que toca à gestão de recursos humanos. Nesse mesmo ano, em 2000, o holandês cumpria o último de um período de quatro anos à frente do departamento de pessoal do Ministério da Agricultura, Natureza, Gestão e Pescas.
Foi em 2002 que Dijsselbloem chegou ao Parlamento — estava Mário Centeno no recato do departamento de estudos económicos do Banco de Portugal. Entre 2007 e 2008 o holandês destacou-se como presidente da comissão parlamentar para a reforma da Educação. Nessa altura, tinha já Centeno conquistado o lugar de diretor-adjunto do seu departamento.
Dijsselbloem em provas de fogo, Centeno em aquecimento
Dois meses depois de Dijsselbloem chegar à liderança do Eurogrupo, a Business Insider escrevia que o novo presidente tinha assustado os mercados. O Spiegel ia mais longe: dizia que o ministro holandês tinha tido um “falso arranque” e questionava-se sobre se estaria à altura do desafio. Tinha chegado a primeira prova de fogo para Dijsselbloem: o Chipre.
Na noite de 24 de março de 2013, o Chipre fechou um acordo com as instituições europeias para resgatar o seu sistema financeiro. No dia seguinte, Dijsselbloem disse o que não podia ter dito: “O que fizemos na noite passada é aquilo a que chamo afastar os riscos. Se há um risco num banco, a nossa primeira questão deveria ser ‘Ok, o que é que vocês vão fazer em relação a isso? O que podem fazer para se recapitalizar?’ Se o banco não o conseguir, então falamos com os acionistas e os obrigacionistas, vamos pedir-lhes que contribuam para a recapitalização do banco, e se necessário os depositantes sem seguro”.
Os mercados leram nas palavras de Dijsselbloem um novo modus operandi para a Europa e, apesar de um dos objetivos ter sido proteger o Estado cipriota e evitar acentuar a crise de dívidas soberanas, entraram em stress. A competência de Dijsselbloem foi posta em causa.
Entretanto, em Portugal, Mário Centeno testemunhava a crise a partir do banco central nacional, de onde via o mercado de trabalho degradar-se para níveis históricos. Em janeiro tinha publicado o ensaio “O Trabalho, uma visão de mercado”, onde propunha a criação de um contrato único de emprego, “com períodos experimentais longos, mas com mecanismos de pré-aviso de despedimento que facilitem a procura de um novo emprego”, entre outras ideias. A taxa de desemprego atingiria os 17,5% no primeiro trimestre de 2013 em Portugal.
Mas a bota mais difícil de descalçar para as instituições europeias não era Portugal — era a Grécia. A 26 de janeiro de 2015 Dijsselbloem dá um aperto de mão a Yanis Varoufakis e diz que está pronto para trabalhar com o recém-eleito Governo de extrema-esquerda do Syriza.
Bastariam dois meses para a imprensa internacional dar conta da tensa relação entre os dois ministros das Finanças. Varoufakis negou, mas a Business Insider chegou a noticiar que os dois líderes quase chegaram a vias de facto. Não foi a única: o Libération citou uma fonte que presenciou a cena: “Foi inacreditável. Acreditámos verdadeiramente que iam andar à briga.”
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No verão de 2015 Varoufakis chega a um beco sem saída. Perante o incumprimento das exigências e da austeridade da Comissão Europeia (uma atuação que viria, anos depois, a ser criticada pelo Tribunal de Contas Europeu), a 30 de junho a Grécia entra em default e falha um pagamento de 1,6 mil milhões de euros ao Fundo Monetário Internacional. A 1 de julho, Dijsselbloem confirma que não havia acordo para estender o financiamento aos gregos e que o programa que estava em curso expirou.
Nesse verão, Centeno estava em estágio para o Governo. A 21 de abril era a estrela do grupo de “12 sábios” que prepararam o cenário macroeconómico que serviria de base ao programa eleitoral com que os socialistas se queriam apresentar nas legislativas, marcadas para outubro. Centeno era visto como um reputado economista do Banco de Portugal e a mensagem que os socialistas queriam passar era a de uma alternativa, credível, às medidas de austeridade de Passos Coelho e Paulo Portas.
Os resultados eleitorais e a formação de um Governo minoritário, em outubro de 2015, foi a primeira verdadeira provação política com que Centeno se confrontou. Sem votos para formar Governo sozinho, António Costa conseguiu o apoio do Bloco de Esquerda, PCP e os Verdes, consagrado em três acordos, mas num formato inédito em Portugal. Não era um Governo de coligação, nem o entendimento configura o clássico acordo de incidência parlamentar. Para além de ser a primeira vez que a esquerda se uniu para apoiar um Executivo socialista minoritário.
A inovação deixou tanto os mercados, como a Comissão Europeia desconfortáveis. E Centeno chega a ministro das Finanças sob uma desconfiança evidente, com um sistema financeiro ainda por estabilizar — o Banif estava a estourar, a Caixa ainda não estava recapitalizada, o Novo Banco não estava vendido.
Ao longo de 2016 Centeno enfrentaria a promessa de sanções ao país, por não ter colocado o défice abaixo de 3% em 2015. Os reparos do então ministro das Finanças alemão sobre o percurso português eram frequentes. “Portugal foi muito bem-sucedido até ao novo Governo”, disse Wolfgang Schauble, em outubro de 2016.
Em março de 2017 o Banco Central Europeu criticou a falta de ação de Portugal para atacar os seus desequilíbrios macroeconómicos. No dia seguinte, Dijsselbloem deu o pontapé de saída para os primeiros rumores que viriam a dar Mário Centeno como o seu possível substituto no cargo de presidente do Eurogrupo: juntou na mesma frase uma distinção entre países do norte e do sul, bebidas, mulheres e pedidos de ajuda.
"Durante a crise do euro, os países do Norte mostraram solidariedade com os países afetados pela crise. Como social-democrata, atribuo especial importância à solidariedade. [Mas] os países também têm as suas obrigações. Não podem gastar todo o dinheiro em bebidas e mulheres e depois pedirem ajuda.”
Em Portugal, a retoma económica ajudava o ministro das Finanças. Mário Centeno acabou por conseguir agradar a gregos e a troianos: implementou as medidas de devolução faseada de rendimentos e ainda superou as metas orçamentais.
Capítulo a capítulo, Portugal foi superando as barreiras suficientes para escrever a tal “história tremenda de sucesso”. A economia voltou a crescer, o desemprego regressou a menos de dois dígitos, o défice foi cumprido, o Procedimento por Défice Excessivo foi encerrado. Embora o apuramento de contas ainda não esteja fechado, o primeiro-ministro já disse que o défice seria de 1,2% em 2017, um valor que supera todas as metas.
Naquela tarde de 4 de dezembro, Dijsselbloem foi, ironicamente, o primeiro a dar Centeno como o vencedor, ainda antes de a eleição ter acontecido. Questionado pelos jornalistas sobre um possível período de transição entre líderes, Dijsselbloem respondeu: “Não, porque eu termino o mandato no dia 12 e Centeno começa no dia 13”. Perante gargalhadas dos jornalistas, mostrou-se atrapalhado e corrigiu-se: “Eu não sei disto, claro. Por favor não me cite”.
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