O advogado apanhado no “turbilhão da transformação”
André Azevedo é Diretor Executivo de Tecnologia na Microsoft Portugal. Jurista de formação, cedo divergiu da tradicional carreira na advocacia, e conta à Advocatus como foi.
André Azevedo tem o curso de Direito, mas diverge da maioria dos colegas no percurso: é agora Diretor Executivo de Tecnologia da Microsoft. Na tecnológica, identifica-se com o “ritmo de mudança” e conta os desafios que o levaram ao “turbilhão da transformação”.
“Quando entrei na Microsoft disseram-me que tinha tudo para dar errado: eu não era de tecnologia, não era de gestão e não era de vendas”, recorda André. Mas o atual Diretor Executivo de Tecnologia não temeu as novas funções: “Gosto da ideia do inesperado e de haver espaço para novos desafios, do ritmo acelerado de mudança e de fazermos parte do turbilhão da transformação. É uma coisa que a mim me estimula”.
Atualmente, explica, dedica-se à “evangelização” do mundo digital entre as empresas. Quer apresentar-lhes as oportunidades que a tecnologia lhes traz e capacitá-las nesse sentido. “Nem é só uma questão de as ajudar a acelerar, é impedir que, se não se atualizarem, morram”, defende. Primeiro, concentrou-se no ecossistema das startups, depois em empresas de research and development. “É preciso termos uma agenda que garanta que estamos a concurso com outras geografias”, diz, acrescentando que “o que vemos hoje é que as empresas de maior valor bolsista têm de facto uma componente tecnológica”. Interessa-lhe, sobretudo, a democratização do acesso à tecnologia que novos serviços, como os serviços cloud, permitem – estes que “até há bem pouco tempo só estavam acessíveis a organizações com grande capacidade de investimento”.
Não é possível fazer uma reforma à data de hoje sem uma componente digital forte.
O desafio do momento, contudo, pede um retorno à formação base: é responsável por garantir que a Microsoft cumpre na totalidade as exigências do Novo Regulamento para a Proteção de Dados até ao dia 25 de maio. Dentro da empresa onde trabalha, “o processo está praticamente concluído”, avança, mas noutras casas “ainda há um longo caminho a percorrer”. Um estudo encomendado pela Microsoft nota que apenas 2,5% das empresas em Portugal, num grupo que abrange várias dimensões e áreas de conhecimento, consideram estar preparadas para o novo quadro regulatório. Agora, há que ajudá-las nesta preparação, “sem sacrificarmos aquilo que são objetivos comerciais ou da atividade”, diz.
André já está habituado ao contacto com as empresas. Antes de ser diretor executivo, tinha funções de gestão comercial no Setor Público e dedicou-se à “modernização e transformação de organizações públicas” como o Banco de Portugal, o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Ministério de Economia e, só mais tarde, o Ministério da Saúde.
São Bento e Macau: as outras paragens
Na Microsoft, a Saúde teve de ficar para último porque havia sido, durante cerca de três anos, a prioridade de André. Foi Chefe do Gabinete do Secretário de Estado da Saúde em 2008, a convite de Manuel Pizarro. Sendo este o gabinete que tutelava a área dos sistemas de informação, ofereceu-lhe também o primeiro contacto com a tecnologia. “Não é possível fazer uma reforma à data de hoje sem uma componente digital forte”, defende, desde então. Sobretudo, “num contexto de escassez de recursos e limitações orçamentais”, afirma.
Antes da secretaria de Estado, assumiu o papel de assessor parlamentar, no qual acumulou várias pastas: primeiro a de Assuntos Constitucionais – por onde, assinala, passa cerca de 70% do trabalho legislativo parlamentar — depois a área de Negócios Estrangeiros e, finalmente, a Ética. Apesar de não ser militante de nenhum partido, serviu ao lado dos deputados do PS, e diz que, aqui, a formação em direito foi particularmente útil. “Dominar o quadro legal é claramente eliminar um handicap que muitos decisores ou responsáveis têm”.
"A ideia de não ficar confinado a uma área muito especifica interessou-me sempre”
André só adotou o rótulo de advogado no início da vida profissional, que começou em Macau. Lá, esperava outro tipo de oportunidades e maturidade técnica. “Uma vez que estavam disponíveis menos recursos ao nível de advogados Macau oferecia boas oportunidades mesmo para quem está a iniciar a carreira com 23 anos”, conta. Para além disto, agradava-lhe a possibilidade de “assistir ao vivo a um quadro que eu só conhecia dos livros de história”, relembra André. A cidade asiática recebeu-o para o estágio, durante o qual se focou na área bancária e negocial. Mas o escritório permitiu-lhe oscilar entre crime, civil, divórcios e, finalmente, administração pública, área na qual trabalhou desde turismo e aviação até ação social. “A ideia de não ficar confinado a uma área muito especifica interessou-me sempre”, assegura.
Mas o momento que mais o marcou foi, precisamente, um momento histórico. “Candidatei-me a jurista do gabinete de transição e trabalhei no próprio evento”, relata. Esteve presente na noite do arrear da bandeira que assinalou o fim do império colonial português. “Foi um momento muito intenso do ponto de vista cultural e pessoal. Foi o encerrar de um ciclo”, diz André, referindo-se não só ao momento célebre, mas também à vida que construiu em Macau: era hora de voltar ao país de origem. “Ou regressava naquela altura ou, não tendo nenhum percurso profissional em Portugal, seria mais difícil e a readaptação”, justifica.
Pronto para outros destinos
Da Ásia trouxe as recordações, a experiência profissional e o gosto por explorar o globo. “Continuo a viajar muito, com muita frequência, tanto por motivos profissionais como pessoais”, conta. Nos entretantos, faz vários registos através da objetiva, pois não dispensa a máquina fotográfica como companheira de viagem. Tem, inclusivamente, investido em formação nesta área. O interesse pelas artes herdou-o da mãe, e outro dos passatempos de André é o comércio de arte.
Entre a dedicação às peças de coleção, que reserva aos tempos livres, e a tecnologia de ponta que lhe ocupa os dias, André não vê qualquer conflito: “as coisas estão mais ligadas do que parecem, porque o próprio mercado de arte se está a transformar do ponto de vista tecnológico. Hoje em dia negoceia-se sobretudo em leilões online. Nada, nenhuma área ficou indiferente”, comenta.
O futuro, lida com ele todos os dias, mas admite sem receios que a nível pessoal, o próximo passo não está definido. “Não sei se vou ficar aqui para sempre, mas acho que não. Como ate aqui o meu padrão não foi esse…”, diz, entre risos. O Direito deixa-lhe em aberto um leque muito alargado de opções profissionais, sobretudo dentro de uma “lógica de intervenção social e sentido de justiça” que lhe interessaram e que se tem esforçado por cumprir no desempenho das várias funções. Entre o setor público ou o privado? “Não consigo fazer essa escolha, em momentos diferentes da minha vida fez sentido uma coisa e outra. Agora, faz claramente sentido esta aposta. Estou muito entusiasmado e motivado”, conclui.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
O advogado apanhado no “turbilhão da transformação”
{{ noCommentsLabel }}