Advogados em guerra com a Caixa de Previdência. A Segurança Social é melhor?

Advogados querem referendo para que se altere o Estatuto da Ordem para que possam escolher descontar para a CPAS ou para a Segurança Social. Mas afinal, quais as diferenças entre os dois regimes?

Em janeiro cerca de 3.000 advogados e solicitadores juntavam-se à porta da Ordem dos Advogados (OA) em protesto contra as contribuições obrigatórias para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS). Em causa o facto de os valores do sistema contributivo — em vigor desde 2015, com a revisão do Regulamento da CPAS, sob o mandato de Paula Teixeira da Cruz — terem aumentado substancialmente. Outra razão é o facto de o desagravamento das contribuições, proposto pela presidência da CPAS ao Governo em dezembro, não estar ainda em vigor.

Em concreto, a classe queixa-se de que não foram aprovadas as reduções das contribuições que desde o ano passado têm vindo a subir e que, gradualmente, irão continuar a subir. Esta contribuição é paga pelos advogados todos os meses, com um valor mínimo de 243 euros, para que tenham garantia de uma reforma no futuro.

Vieira da Silva, Ministro do Trabalho e da Segurança Social e António Faustino, Presidente da Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores.Fotomontagem: Lídia Leão / ECO

À data da manifestação, fonte do Ministério da Justiça explicava à Advocatus que a CPAS — que conta com mais de 50 mil beneficiários — “é uma instituição de previdência autónoma com personalidade jurídica e gestão privada, com fins previdenciais dos advogados, solicitadores e agentes de execução, únicos profissionais liberais que dispõem de um sistema próprio de previdência”.

Vem fevereiro e as contribuições à CPAS não baixaram para os advogados, conforme o previsto. Foi esta a conclusão de uma reunião entre o Governo, a Ordem dos Advogados, dos Solicitadores e a Caixa de Previdência. Reagindo a esta decisão, um grupo de advogados lançou uma petição pública a pedir uma auditoria às contas da instituição.

O documento, assinado pelos advogados José Miguel Marques, Cristina Vilar dos Santos, Fátima de Leiras, Berta Martins, Isabel de Almeida, Fernanda Almeida Pinheiro, Lara Roque Figueiredo e Carla Pina, pedia uma “auditoria contabilística, financeira, de gestão e legal, externa e independente, à Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, de forma a que possa ser aferida a sua robustez económica e financeira, a sua sustentabilidade a longo prazo e no âmbito da qual se proceda à análise dos exercícios desde o ano de 2008 à atualidade, apurando todas as responsabilidades dos respetivos decisores”.

A petição, dirigida ao primeiro-ministro, presidente do Parlamento, bastonários das respetivas ordens profissionais, ministra da Justiça e do Trabalho e Segurança Social, juntou cerca de 4600 assinaturas numa semana e foi já entregue na Assembleia da República.

Entretanto as contas da Caixa de Previdência relativas ao ano passado foram tornadas públicas na madrugada do dia 9 para o dia 10 de abril: a CPAS gastou em 2017 87,5 milhões de euros de pensões de reforma, 1,7 milhões em subsídios de invalidez, 6,4 milhões em pensões de sobrevivência, 523 mil euros em benefícios de nascimento, 1,1 milhões em subsídio de maternidade e ainda 66 mil euros para benefício de internamento hospitalar na maternidade.

No primeiro relatório apresentado pela direção da CPAS após o pedido da auditoria contabilística para aferir a sua sustentabilidade a longo prazo — a direção da CPAS garante que a saúde financeira da mesma está boa e recomenda-se. A instituição tem agora 119 milhões de euros em dívida (de advogados e solicitadores que não pagam as contribuições para que no futuro tenham direito a uma reforma), menos dois milhões do que no final de 2016.

Não obstante a “boa saúde financeira” da CPAS, está em vista um referendo que pede que se altere o Estatuto da Ordem para que se possa optar pelo regime da CPAS ou pelo regime da Segurança Social. Os advogados pretendem convocar um referendo para que a classe responda se quer poder escolher entre descontar para a CPAS ou para o regime geral de Segurança Social. Isto é, se deve ou não o estatuto da OA ser alterado de forma a que deixe de ser obrigatório descontar para a CPAS. A concretizar-se, este referendo será uma iniciativa inédita na classe dos advogados. Mas, afinal, quais são as diferenças estruturantes entre uma instituição e outra? Pode esta profissão liberal escolher o seu regime de previdência? E o que escolheria um advogado se pudesse, de facto, escolher? A Advocatus foi tentar perceber.

Reforma

Segundo António Faustino, presidente da CPAS, desde 1947 que a CPAS é essencialmente uma Caixa de Reforma. “Não obstante, tem desenvolvido um leque vasto de benefícios que corporizam a sua vertente assistencial”, contou ao ECO em janeiro, concretizando: “subsídio de nascimento, subsídio de maternidade, comparticipação nas despesas de internamento hospitalar (por maternidade e por doença) dos seus beneficiários e do seu agregado familiar, subsídio de assistência (em situações de carência económica dos requerentes), assistência médica e medicamentos e subsídio de funeral”.

Fontes: cpas.org.pt e seg-social.pt.Lídia Leão / ECO

Em declarações à Advocatus, Lara Roque Figueiredo, advogada e uma das assinantes da petição pública a pedir auditoria às contas da CPAS, ajuda a perceber as diferenças entre os dois regimes em temas estruturais como reforma, desemprego, maternidade e doença.

“A reforma é o ponto onde ainda existe alguma convergência nos direitos entre a CPAS e a Segurança Social. O direito à reforma nasce após 15 anos de contribuições, como na Segurança Social. O seu cálculo foi reformulado com o novo regulamento, existindo colegas que viram a sua perspetiva de reforma diminuir na ordem dos 40%”, explica a advogada.

De facto, e como se pode aferir na tabela que compara os dois regimes no direito à reforma, o artigo 40.º da CPAS diz que têm direito a pensão de reforma os contribuintes com pelo menos 65 anos de idade e 15 anos de carreira contributiva na CPAS. A sua situação tem também de estar regularizada, ou seja sem a existência de dívida de contribuições. Caso não esteja, não se prevê nenhuma pensão ao contribuinte, que só volta a ser atribuída após regularizar a sua situação. “Quem não tem a situação regularizada perde os direitos que tem, incluindo a reforma”, conta Lara. A regularização da dívida permite pagar até num máximo de 150 prestações e são contabilizados juros.

Saliente-se ainda que na CPAS, segundo informações no seu site oficial, os reformados têm o dever de dar prova de vida em janeiro de cada ano, através de uma das seguintes modalidades:

  • Certidão narrativa completa de registo de nascimento;
  • Atestado médico, datado de janeiro do ano no qual a prova de vida é efetuada;
  • Atestado da Junta de Freguesia, datado de janeiro do ano no qual a prova de vida é efetuada;
  • Pessoalmente, nos serviços da CPAS, com apresentação do respetivo bilhete de identidade ou cartão do cidadão.

Relativamente à Segurança Social, a realização da chamada operação Prova de Vida pelo Centro Nacional de Pensões ficou suspensa a partir do ano de 1997, no entanto, o Centro Nacional de Pensões poderá solicitar a atualização de dados.

Doença

Relativamente a casos de doença, na CPAS não está previsto qualquer apoio. “Tem um benefício para o internamento hospitalar, mas apenas nos casos em que os advogados suportem efetivamente esses custos. Se estiverem internados no Serviço Nacional de Saúde não podem requerer qualquer subsídio ou benefício”. Na Segurança Social é atribuído subsídio de doença, que consiste numa prestação em dinheiro para compensar a perda de rendimentos do trabalhador que não pode trabalhar temporariamente por estar doente. “Para os trabalhadores independentes tem uma duração máxima de 365 dias”.

Em caso de baixa médica, os advogados, solicitadores e agentes de execução não têm esse direito. “Não temos baixa médica. Ou seja um advogado que por motivo de doença não possa trabalhar não recebe qualquer ajuda por parte de CPAS e ainda mantém a obrigatoriedade de efetuar mensalmente os descontos”.

Existe o benefício para o internamento hospitalar que consiste, como mencionou Lara, apenas em despesas comparticipáveis em despesas com internamento hospitalar, com intervenção cirúrgica (incluindo honorários médicos) e com maternidade. Esta comparticipação deve ser requerida no prazo de 4 meses.

Segundo informações do site oficial da CPAS, “a comparticipação da CPAS é de 15 % das despesas efetivamente pagas pelo beneficiário, depois de deduzidas todas as comparticipações atribuídas por outras entidades”. Desta lista constam: Serviço Nacional de Saúde, ADSE, Seguros, SAMS, Serviços Sociais, ou qualquer outro sistema ou subsistema de saúde, com um limite máximo de perto de 5.000 euros por ano.

Maternidade

No que toca à maternidade, em licenças e apoios, a CPAS providencia benefícios aos advogados. “Um deles é o benefício de nascimento (um ou dois salários mínimos nacionais, conforme seja um ou os dois progenitores advogados), que é pago havendo um ano de contribuições pagas. Depois existe o benefício de maternidade que é concedido apenas às mulheres advogadas, com um limite mínimo de três retribuições mínimas mensais e um máximo de seis. Durante este período a mãe terá que manter o pagamento das suas contribuições e tem que continuar a trabalhar”, explica Lara à Advocatus.

Na Segurança Social o direito à parentalidade está consagrado. “Assim é contrariamente à desigualdade de género que existe na CPAS”, comenta a advogada, pois “tanto homens como mulheres têm direito a vários subsídios, como de risco clínico na gravidez, interrupção da gravidez, riscos específicos, parental, parental alargado, adoção, adoção em caso de licença alargada e assistência a filho doente” (ver tabela).

Fontes: cpas.org.pt e seg-social.pt.Lídia Leão / ECO

A grande diferença aqui, diz a advogada, “é que as mulheres e homens têm direito aos subsídios e deixam de pagar as contribuições, ficando em casa. As advogadas e os advogados não têm esse direito”.

Desemprego

“Na CPAS não há qualquer subsídio de desemprego. Na SS os trabalhadores independentes podem, desde 2015, ter um subsídio por cessação da atividade profissional. Assim aqueles cujos 80% dos rendimentos são provenientes da mesma entidade, tem direito a esse subsídio”.
Lara realça, contudo, que embora a diferença de prestação social existente na CPAS e na SS “seja notória”, na Segurança Social as contribuições são calculadas com base no rendimento real dos beneficiários, “isto é, o rendimento anual é reduzido a 70% e a taxa é aplicada sobre esses 70% sendo indexada ao IAS. Uma vez atribuído o escalão, o beneficiário ainda pode escolher ser taxada dois escalões acima ou abaixo”.
Já na CPAS “o rendimento é presumido e, no mínimo, um advogado após os cinco anos de contribuições ganha dois salários mínimos nacionais. A este valor total de cerca de 1200 euros é aplicada uma taxa de 21%, o que faz com que na CPAS seja possível que quer ganhando 750 euros por mês, quer ganhando 7500 euros por mês, se possa pagar o escalão mínimo, ou seja, a mensalidade de 243,60 euros”.

Afinal, CPAS ou SS?

Quando questionada sobre, se pudesse escolher, qual era o regime que escolhia, Lara é peremptória: “entendo que a CPAS não cumpre atualmente a sua função, ou seja, a Caixa de Previdência foi criada para garantir as reforma e a previdência social dos advogados, mas a verdade é que ficam de fora os principais apoios que são constitucionalmente garantidos aos restantes cidadãos portugueses. Assim, a CPAS deveria ser alvo de uma alteração profunda para se tornar pelo menos similar à SS”, critica.

Entre as propostas da direção da CPAS e o que é aceite pelos ministérios que a tutelam — Ministério da Justiça e Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social — “a CPAS não tem hoje capacidade para garantir aos seus beneficiários os mesmos direitos que a SS. Assim, e caso se demonstre incapaz de garantir esses direitos, eu escolheria se houvesse essa opção, a SS”.

Sobre o fosso entre os dois regimes, que parece estar longe de estreitar, a advogada salienta mais duas notas importantes:

  1. Os advogados que também são trabalhadores por conta de outrem são obrigados a descontar para ambos os sistemas de previdência, “numa situação completamente injusta e muitas vezes economicamente insustentável”.
  2. Nas alterações propostas pela CPAS para a tributação de uma isenção de pagamento de contribuições em caso de gravidez e doença, o beneficiário é obrigado a comprovar que não pode efetivamente pagar as contribuições. “Ou seja, faz depender a isenção de uma prova de pobreza por parte dos advogados, como se de uma esmola se tratasse e não de um efetivo direito”, frisa a advogada.

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