Maternidade na advocacia: que apoios oferecem as sociedades?
Ser-se mãe e advogada pode ser missão impossível, quando os apoios da CPAS nesta matéria estão aquém do pleno. A Advocatus foi saber quais as licenças de maternidade que dez sociedades oferecem.
Ser-se mãe e advogada pode parecer missão impossível, especialmente quando os apoios da CPAS nesta matéria estão ainda aquém do pleno. Por isso, propusemos a dez sociedades que explicassem o seu plano de apoio à maternidade e respetivas licenças. Carmina Cardoso, advogada da DLA Piper ABBC e mãe de seis filhos, conta também à Advocatus a sua experiência na primeira pessoa.
“Ainda não sabia bem o que era um advogado quando na minha família já me diziam que era o que eu viria a ser”. Aos 42 anos, Carmina Cardoso, associada sénior da DLA Piper ABBC, onde trabalha desde 2000, e Agente Oficial de Propriedade Industrial, diz-se preenchida. Polivalente por natureza e com um sentido de justiça apurado, o interesse por direitos de autor e publicidade levou-a a especializar-se em Propriedade Industrial, mas a sua experiência passa também por áreas como Contencioso e Arbitragem. A Filosofia ficou para trás, embora ajude nortear o caminho, e Direito acabou por ser o “percurso natural”. Também o Simão, a Miriam, a Lia, a Ester, a Verónica e o Elias.
“Eu sempre quis ser mãe”, conta, confessando, no entanto, que ter seis filhos nunca fora o plano inicial. Mas haverá um momento certo para se ser mãe com uma carreira que ocupa tanto tempo? Carmina Cardoso é categórica: “nunca há, principalmente se quisermos conjugar a vida profissional com a pessoal, queremos esperar e adiamos sempre. Se pensarmos assim nunca vai acontecer, porque o momento nunca nos parece certo, há sempre um projeto em mãos”, esclarece.
Sobre tirar seis licenças, a advogada conta que a primeira foi “um bocado estranha”. “Tenho ideia, pela estrutura da sociedade nessa altura, de que fui a primeira pessoa que tirou uma licença de maternidade “à séria”. Na altura acabei por ficar três meses de licença. O previsto era que ficasse o primeiro mês sem trabalhar e trabalhasse a partir de casa os dois meses seguintes. Na prática, fiquei os três meses em casa sem trabalhar”, revela.
No segundo filho ficou em casa os três meses, mas a acompanhar alguns assuntos durante o tempo da licença. “Só mais tarde é que desliguei do escritório. Com os outros foi diferente. Eu ficava os três meses, e o quarto era o mês de transição, porque sempre senti que era mais fácil voltar assim ao trabalho”, a trabalhar por meio-termo. “A dada altura o meu marido também tirou licença de paternidade, o que foi muito complicado porque não era normal na altura, mas ele ficou com as crianças depois de mim. Tivemos de arranjar alternativas várias vezes”.
Ter tido seis filhos e tirado seis licenças não me prejudicou no sentido de me impedir de chegar onde quer que seja que eu queira chegar. Agora se calhar levo mais tempo a lá chegar porque também tenho outras coisas que para mim são tão ou mais importantes do que a minha vida profissional.
Durante as licenças o contacto com o escritório vai-se mantendo, revela a advogada, inevitavelmente. “Há um período em que desligamos, mas eu nunca o faço a 100%, prefiro estar a acompanhar de alguma maneira. Eu trabalho desta forma e isso permitiu-me de alguma maneira não prejudicar a sociedade”.
Mãe advogada: dois papéis, muita ginástica
A conciliação entre a profissão e a maternidade não é fácil: o tempo escasseia, sai-se tarde do escritório, o telefone toca fora de horas, há reuniões de urgência… Mas Carmina fá-lo parecer fácil, com muita ginástica pelo meio, e porque em última instância “eu sou mãe a tempo inteiro e também sou profissional a tempo inteiro. Há dias em que o volume de trabalho é maior, o que acontece com frequência, levo o trabalho para casa, janto, e depois de deitar os miúdos a seguir vou para o computador e fico a trabalhar”, revela a advogada, que faz o tempo esticar para chegar a tudo, a todos e a todo o lado.
Também defende que uma pessoa não se pode anular em nenhuma circunstância. “Nem porque somos advogadas nem porque somos mães. Faz parte de nós sermos ambas as coisas e outras coisas. Somos advogadas, somos mulheres, somos esposas, somos mães, somos amigas… Cada outra coisa tem que ter o seu espaço. Eu tento ao máximo que a minha vida familiar não entre pelo meu trabalho adentro, apesar de eu ter seis filhos. Conciliar as duas vidas implica muita disciplina. Eu passo a vida a correr”.
Se eu dependesse daquilo que a Caixa me paga durante o período em que estou em casa não conseguia… Aquele valor é convidativo a que as mães fiquem em casa um mês, no máximo dois só. Não é adequado à circunstância de ser uma profissional liberal porque não acautela minimamente a subsistência da mãe durante o tempo em que efetivamente não pode trabalhar.
Sobre se ter sido mãe prejudicou a sua carreira de alguma maneira, a advogada afirma que isso não a impediu de chegar onde quer que fosse: “ter tido seis filhos e tirado seis licenças de maternidade não me prejudicou no sentido de me impedir de chegar onde quer que seja que eu queira chegar. Agora se calhar levo mais tempo a lá chegar, porque também tenho outras coisas que para mim são tão ou mais importantes do que a minha vida profissional. Eu diria que me sinto preenchida dos dois lados. Ser advogada também faz parte da minha natureza e eu não iria prescindir de nenhuma das duas realidades. Acho que ser mãe só me acrescenta, não me diminui em nada”.
CPAS e maternidade: os apoios são suficientes?
Quanto aos apoios que a CPAS providencia na maternidade, a associada da DLA Piper é franca e direta: “acho que o apoio não é suficiente, dá uma ajuda tendo em conta que somos profissionais liberais, mas se eu dependesse daquilo que a Caixa me paga durante o período em que estou em casa não conseguia… Aquele valor é convidativo a que as mães fiquem em casa um mês, no máximo dois só. Não é adequado à circunstância de ser uma profissional liberal porque não acautela minimamente a subsistência da mãe durante o tempo em que efetivamente não pode trabalhar”.
Mas estamos a falar de um valor irrisório? “Diria que o valor é curto, não é irrisório, mas devia ser repensado. A realidade é distinta da de uma trabalhadora por conta de outrem que recebe licença paga e por mais tempo. Temos de aceitar a realidade que temos, a nossa condição de profissional liberal coloca-nos naquilo que eu costumo dizer que é o pior de dois mundos porque para aquilo que interessa somos profissionais liberais, para o que não interessa somos equiparados a trabalhadores por conta de outrem. Há aqui um desequilíbrio, digamos assim”. No caso de a advogada pertencer a uma sociedade, a situação sempre melhora. “Não dependemos só da CPAS, porque se dependêssemos era impossível”, remata a advogada.
Dez sociedades, dez planos
Falámos com dez sociedades de advogados que nos revelaram os seus planos de apoio à maternidade para as advogadas. Na Abreu Advogados existe a possibilidade, como se pode aferir no gráfico e na tabela seguinte, de ausência nos cinco meses anteriores ou posteriores ao parto, a receber 100% da remuneração mensal (honorários) nos primeiros três primeiros meses de ausência, 75% no quarto mês e 50% no quinto mês. Também é possível retomar ao trabalho após os três meses com os mesmos honorários, desde que com um mínimo de horas de prestação de serviços de 25% no 4º mês e de 50% no 5º mês do período de tempo normal. Além disso, oferecem a redução de 40 para 30 horas de trabalho semanal, após o período de cinco meses, e durante um ano, usufruindo de 75% dos honorários.
O quadro de parentalidade da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados inclui uma licença de maternidade de quatro meses para as advogadas, sem perda de retribuição mensal e com possibilidade de trabalhar a partir de casa no quinto mês, recebendo proporcionalmente às horas trabalhadas. Esta política não tem qualquer apoio previdencial, sendo completamente financiada pela sociedade. Os advogados têm direito a dez dias úteis de ausência pelo nascimento, também sem perda de retribuição.
Na Uría Menéndez-Proença de Carvalho o programa de apoio à maternidade incorpora a ausência do escritório e não prestação de serviço, com direito a remuneração, pelo tempo necessário para a realização de exames e aulas de preparação do parto. A título de licença de maternidade, a advogada tem direito a 16 semanas ininterruptas, que se pode prolongar, no caso de parto múltiplo, para duas semanas adicionais por cada filho a partir do segundo. O período de suspensão será distribuído de acordo com a decisão da interessada, sempre que as seis semanas sejam imediatamente posteriores ao parto.
A Cuatrecasas está neste momento a testar em Portugal a flexibilização da prestação de serviços para advogados com filhos até aos 12 anos que permita que os advogados exerçam a sua atividade a partir de casa.
No caso da DLA Piper ABBC a licença por maternidade tem a duração geral de 90 dias, a gozar por altura do nascimento do filho e de forma ininterrupta, mantendo a retribuição integral. Poderá existir um complemento de 30 dias, período em que pode haver direito a retribuição integral com a prestação de alguns serviços à distância. A decisão de gozo da licença complementar é da exclusiva opção da advogada.
Na PLMJ o regime de licenças de maternidade para advogadas é de quatro meses, seguidos de mais um mês de férias, se aplicável, mantendo 100% da remuneração. Períodos mais prolongados serão analisados casuisticamente.
Já na CCA Ontier, as advogadas têm direito a quatro meses de licença, com vencimento pago a 100%, e um quinto mês, com vencimento pago a 80%. A política de maternidade e de paternidade no escritório da Linklaters em Lisboa consagra o regime de licença por 120 dias de calendário para as advogadas, em caso de maternidade. Em função das necessidades da mãe advogada, estes 120 dias de ausência poderão distribuir-se entre o período imediatamente anterior ao nascimento da criança e o período após o nascimento. Todos os advogados pais poderão ausentar-se durante 10 dias úteis imediatamente após o nascimento de um filho. Durante as licenças, continuam a auferir 100% dos seus honorários mensais e bónus fixos.
Na VdA oferecem licença de maternidade paga a 100% durante quatro meses de licença de 15 dias úteis paga a 100% para o pai. Ausência total de impacto da maternidade na progressão de carreira, bónus, remuneração.
No caso das situações de maternidade ou paternidade, a Garrigues permite que as advogadas desfrutem de um período de 120 dias aquando do nascimento da criança, período que é de 15 dias no caso dos pais. O escritório mantém integralmente o pagamento dos honorários.
Por fim, na Cuatrecasas prevê-se que as advogadas suspendam a prestação de serviços durante três meses após o parto, sem que essa suspensão afete os seus honorários. A sociedade está neste momento a testar em Portugal a flexibilização do modo de prestação de serviços para advogados com filhos até aos 12 anos, que permita, nomeadamente, que os advogados exerçam a sua atividade a partir de casa, facilitando a conciliação dos compromissos profissionais e familiares.
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