Já pagou coima do Via CTT? Não vai ter direito a reembolso, alertam os fiscalistas
As coimas atribuídas por falta de inscrição no Via CTT foram suspensas, mas resta uma dúvida: quem já pagou, vai ser reembolsado? Ao ECO, os fiscalistas dizem que não há base legal para a devolução.
Depois da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) ter mandado suspender “todos os processos de contraordenação instaurados” pela falta de inscrição no Via CTT, fica a dúvida: vão ou não os contribuintes que já tinham pago as coimas ser reembolsados? Os fiscalistas ouvidos pelo ECO avisam que não há base legal para que tal aconteça e adiantam que, por isso, a resposta a esta questão é provavelmente um redondo “não”.
“O processo de contraordenação é extinto assim que a coima é paga”, explica Luís Leon, partner da Deloitte, salientando que, portanto, qualquer processo de reembolso não teria base legal. O fiscalista Manuel Faustino acrescenta: “Pagar a coima é reconhecer a prática de infração. Quando é paga, acaba-se o processo. Não é possível o reembolso”.
Segundo o especialista, os contribuintes nestas situações nem sequer podem ir a Tribunal reclamar a devolução do seu dinheiro, uma vez que os processos desaparecem com o pagamento das multas. “Uma vez pago voluntariamente, não há nada a fazer. O assunto fica encerrado”, concorda João Espanha. O fiscalista sublinha que, a acontecer o reembolso em causa, estaria em causa “uma medida muito extraordinária”.
Havendo vontade política, tudo pode ser feito. Agora, se há algum mecanismo legal que o permita e se alguma vez foi feito, não.
“O Estado e a Autoridade Tributária têm sempre forma de corrigir”, reforça Leon. O sócio da Deloitte defende que, “havendo vontade política, tudo pode ser feito”, ainda que legalmente “não exista nenhum mecanismo que o permita”.
“Essa eventual restituição terá de passar, necessariamente, por uma alteração legislativa, que contemple a criação de um regime legal transitório“, esclarece, por sua vez, Rogério Fernandes Ferreira. O fiscalista lembra que tal teria como precedente a aprovação, realizada em 2015, do regime excecional de regularização das taxas de portagem e das coimas associadas à sua falta de pagamento.
“Teria de haver uma medida administrativa”, sugere, por outro lado, Manuel Faustino. O especialista faz questão de notar que, nesse caso, só o Ministério Público teria legitimidade para questionar a opção da Autoridade Tributária.
De acordo com o fiscalista Samuel Fernandes de Almeida, essa medida só poderia, no entanto, ser tomada perante o reconhecimento de que a Autoridade Tributária não cumpriu com uma “determinada obrigação” e de que tal terá levado ao próprio incumprimento dos contribuintes. A falta de notificações para a obrigatoriedade da inscrição no Via CTT não pode, contudo, ser usada para esse fim, diz o fiscalista sócio da VdA. “Não me parece que seja necessária uma notificação expressa para aderir à caixa de correio eletrónica”, determina Fernandes de Almeida.
Não vislumbro na lei nenhum mecanismo para o reembolso.
“Não vislumbro na lei nenhum mecanismo para o reembolso”, ressalva, indicando o processo de dispensa das coimas como única forma legal de afastar o pagamento em causa. É que, depois de pagar a multa, o processo muda de figura e já nada pode ser feito, concluem os fiscalistas.
Questionado pelo ECO sobre a sua intenção de reembolsar os contribuintes em causa, o Ministério das Finanças não emitiu, até ao momento, qualquer esclarecimento.
Já o Bloco de Esquerda, em declarações ao ECO, deixou claro que “há sempre, de uma forma ou de outra, mecanismos” para corrigir situação em causa. “Não creio que seja impossível”, sublinhou o deputado José Soeiro, referindo que não basta suspender as coimas que não foram pagas, é preciso devolver o dinheiro a quem já efetuou esse pagamento. Esse foi, aliás, um dos pontos da pergunta enviada pelos bloquistas ao Ministério das Finanças, no âmbito da polémica em torno do Via CTT. “Não faz sentido o contribuinte ter uma conta numa empresa privada”, acrescenta o parlamentar.
O Via CTT é uma caixa de correio eletrónico gratuita que pretende complementar o correio físico na comunicação entre a AT e os contribuintes. Concessionado à Correios de Portugal, este serviço é de inscrição obrigatória, desde 2012, para os contribuintes sujeitos passivos de IRC ou sujeitos passivos de IVA enquadrados no regime normal, ou seja, trabalhadores independentes, que passam os recibos verdes.
Apesar de estarem previstas sanções para quem não aderir ao Via CTT, nos últimos seis anos, os contribuintes que não o fizeram não receberam qualquer notificação para o fazerem, nem lhes foi aplicada qualquer coima. Daí a surpresa de milhares de portugueses perante as notificações que receberam agora para efetuarem o pagamento de multas entre 50 e 250 euros por não se terem inscrito no portal.
Entretanto, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais tinha adiantado que os contribuintes visados podiam pedir a dispensa das coimas, alegando que a prática não provocou prejuízos à receita tributária, que a inscrição na Via CTT foi entretanto regularizada e que houve um “diminuto grau de culpa” (ou seja, não sabia da obrigatoriedade da adesão ao portal). Em declarações à RTP 3, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos garantiu, no entanto, que esse “afastamento excecional” das multas não estava a ser aplicado de “forma igual em todo o país”, o que terá levado a Autoridade Tributária a decidir suspender todos os processos de contraordenação em curso.
Segundo o Ministério das Finanças, “até que esteja concluída uma avaliação da situação e sejam emitidas novas orientações”, o processo está parado.
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