Coletes amarelos alastram. Fenómeno chega a Londres
Movimento nascido em França chegou a mais cinco países europeus. Governo italiano diz apoiar o movimento francês. Este sábado está marcada uma manifestação em Londres a exigir eleições antecipadas.
O movimento dos coletes amarelos continua a alastrar pela Europa e o Reino Unido vai ser o palco mais recente de protestos, com manifestações agendadas para este sábado. Mas ninguém sabe se o número de manifestantes está a aumentar. Certo é que são cada vez mais as cidades e os países europeus que querem replicar o fenómeno antissistema nascido em França. Ao todo são já cinco os países onde os protestos marcam presença: Reino Unido, Bélgica, Itália, Holanda e Portugal.
No Reino Unido é o movimento anti-austeridade britânico People’s Assembly que promete tomar as rédeas do descontentamento. É associado ao populismo de esquerda e apela aos insatisfeitos com os governos do Partido Conservador, que se mantém no poder desde 2010, para saírem às ruas de Londres e exigirem eleições legislativas antecipadas. Querem “pôr fim à austeridade” e à “falta de habitação”, mas querem ver também os “serviços que foram privatizados de volta à propriedade pública”, pode ler-se na convocatória da página de Facebook do movimento.
O ‘numero dois’ do Partido Trabalhista britânico, John McDonnell, liderou a manifestação, com muitos manifestantes a envergarem coletes amarelos em solidariedade com os franceses. No final do desfile, em Trafalgar Square, McDonnell leu perante a multidão uma mensagem do líder trabalhista, Jeremy Corbyn, na qual pediu eleições antecipadas para criar uma “sociedade mais justa e igualitária”. Corbyn disse que o seu partido “está preparado para assumir o poder” se o executivo ‘tory’ da primeira-ministra Theresa May perder na próxima terça-feira a votação relativa ao acordo de saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit).
Para a politóloga e professora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP-UL), Maria Militão Ferreira, o fenómeno chegou ao Reino Unido “muito devido às condicionantes da política britânica“. Trata-se de uma forma de “dar fôlego àqueles que concordam com a saída do país da União Europeia”, porque entendem que o bloco europeu é o culpado pela progressiva perda de rendimentos. No entanto, as reivindicação do fenómeno nascido no pós-crise económico-financeira são transversais aos diversos países europeus: “querem defender uma agenda que tem a ver sobretudo com condições materiais”.
Querem defender uma agenda que tem a ver sobretudo com condições materiais.
Há o sentimento de que a “União Europeia não tem uma política social que ampare os cidadãos”. Na Bélgica, por exemplo, o movimento dos Coletes Amarelos manifestou, logo depois de algumas ações de protesto, que quer avançar para um partido político para dar “voz aos cidadãos nas próximas eleições”. Quem o disse foi Claude Gilles, um dos organizadores e antigo membro do Partido Popular belga, marcadamente eurocético e de extrema-direita.
Em Itália, país liderado por um Executivo populista, os governantes já se colocaram do lado dos coletes amarelos franceses. O vice-primeiro-ministro e líder do Movimento 5 Estrelas (M5S), Luigi di Maio, escreveu no blogue do partido palavras de apoio: “Coletes amarelos, não desistam!”. O outro vice-primeiro-ministro italiano, o líder da Liga (nacionalista), Matteo Salvini, afirmou numa nota: “Apoio os cidadãos honestos que protestam contra um Presidente que governa contra o seu povo”. No entanto, condenou a violência.
Já o chefe de delegação do Movimento 5 Estrelas no Parlamento Europeu (PE), Ignazio Corrao, manifestou ainda esta quinta-feira a intenção de encabeçar um grupo político antissistema que integre o movimento de contestação social francês dos coletes amarelos.
A professora do ISCSP-UL olha para o alastrar do movimento com alguma preocupação e alerta, em declarações ao ECO, que, num cenário hipotético de maioria de eurocéticos no Parlamento Europeu, a União Europeia poderá mesmo ficar em perigo e acabar. Maria Militão Ferreira lembra que o bloco não está apenas assente em países ocidentais como a França, Bélgica ou Itália. Tem graves problemas a leste, nas antigas repúblicas soviéticas que esperavam que adesão à UE e à economia de mercado representasse um aumento mais rápido dos rendimentos.
Os movimentos populistas alastraram a países como a Itália e a Eslovénia. “Temos aqui a União Europeia de certa forma dividida e empurrada quer do lado ocidental, quer do lado oriental. Temos a chanceler, Ângela Merkel, de saída, ela que era no fundo um baluarte de união. Temos o Presidente Macron que não tem força suficiente para proteger a União Europeia e o Reino Unido vai sair”, explica Maria Militão Ferreira. Acrescenta ainda que há cada vez menos pessoas com memória da II Guerra Mundial, pelo que veem cada vez menos legitimidade na União Europeia e “são mais volúveis a estes apelos populistas de regresso do Estado”.
Temos aqui a União Europeia de certa forma dividida e empurrada quer do lado ocidental, quer do lado oriental.
Para a politóloga o crescimento do movimento vai depender da reposta dos Estados às reivindicações dos manifestantes. Em França, o Presidente Emmanuel Macron, respondeu aos protestos com algumas medidas, como aumentar em 100 euros por mês o salário mínimo (que o ano passado era de quase 1500 euros) ou não cobrar impostos sobre as horas extra dos trabalhadores a partir deste mês (a medida era prevista só em setembro). Mas também anular o aumento da contribuição social dos reformados que ganham menos de dois mil euros por mês ou dar a indicação para o pagamento de um “prémio” aos trabalhadores no final de ano, embora caiba aos patrões decidir se o pagam.
A força do movimento perdeu gás. No entanto, persiste. Maria Militão Ferreira considera que, o que no início, era um “movimento social coordenado” foi tomado por “movimento criminoso, que nada tem a ver com as reivindicações da sociedade civil”.
Este sábado, por exemplo, segundo dados do Ministério do Interior francês citados pela Lusa, terão estado nas ruas francesas cerca de 32 mil pessoas do movimento “coletes amarelos”, dos quais oito mil em Paris.
Já no caso português, apesar dos encontros marcados em várias cidades, reuniu apenas um número residual de manifestantes que depressa desmobilizaram. A justificação para a politóloga é de que um movimento necessita de uma base coordenada e de uma agenda reivindicativa, que em Portugal não existia. “Deu-me a ideia que as pessoas que participavam nas várias manifestações não tinham agenda plenamente formada na sua mente e não tendo essa agenda de reivindicações, não têm causa para se manifestar”, considera. Lembra ainda o caso que se passou em Braga em que os membros da manifestação não chegaram a acordo sequer se se deveriam reunir com o presidente da autarquia. “Estavam esvaziados de sentido. Era uma mera cópia de um movimento que nasceu noutro sítio, com reivindicações específicas para aquele país, com uma insatisfação em relação a um presidente específico”, enfatiza.
(Notícia atualizada com a participação do ‘numero dois’ do Partido Trabalhista britânico, nas manifestações em Londres)
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