“Alguém mentiu” sobre a Caixa, diz o relator da primeira comissão de inquérito
Carlos Pereira, deputado socialista que foi relator da primeira comissão de inquérito à Caixa, aponta contradições entre os depoimentos dos antigos administradores e as conclusões da auditoria da EY.
Vários dos antigos administradores da Caixa Geral de Depósitos (CGD) que prestaram depoimentos na comissão parlamentar de inquérito à gestão do banco, que decorreu entre 2016 e 2017, garantiram, quase sempre, que “todas as decisões que tomaram nos projetos de crédito foram baseadas em pareceres da gestão de risco do banco”. Uma versão preliminar da auditoria feita pela EY à gestão da Caixa nos anos de 2000 a 2015 mostra, contudo, que, em alguns casos, a decisão de conceder crédito aos grandes clientes foi tomada pela administração do banco público apesar do parecer desfavorável da análise de risco e sem que tenham sido dadas justificações para isso mesmo. “Alguém mentiu”.
A conclusão é de Carlos Pereira, o deputado socialista que foi o relator dessa comissão de inquérito e que considera que, a ser esse o caso, tem de “ser clarificado” quem terá mentido. O deputado abre, por isso, a porta a uma nova comissão de inquérito, caso o Parlamento consiga ter acesso ao relatório final desta auditoria.
“A alguns dos senhores administradores que foram àquela comissão de inquérito, foi-lhes perguntado diretamente se houve créditos de favores. Lembro-me perfeitamente, e isso está no relatório final da comissão, de a maior parte, ou mesmo a totalidade, ter dito, de forma muito clara, que todas as decisões que tomaram nestes projetos de crédito foram baseadas em pareceres da gestão de risco do banco“, diz o deputado, em declarações ao ECO.
“Se, neste momento, há um relatório, ao qual o Parlamento deve ter acesso, que determine, que justifique e que demonstre que alguns daqueles créditos, afinal, foram dados com o parecer contrário da gestão de risco, alguém mentiu. Isso é algo que merece ser clarificado”, acrescenta.
Se há um relatório que determine, que justifique e que demonstre que alguns daqueles créditos, afinal, foram dados com o parecer contrário da gestão de risco, alguém mentiu. Isso é algo que merece ser clarificado.
As declarações são feitas numa altura em que se discute a constituição de uma nova comissão de inquérito à gestão da Caixa, depois de ter sido divulgada uma versão preliminar da auditoria feita pela EY, que conclui que a CGD registava imparidades no valor de 1.200 milhões de euros, no final de 2015, só com os créditos de risco elevado que tinha concedido aos grandes clientes.
Rui Rio foi o primeiro a admitir a hipótese de se avançar com uma nova comissão, lembrando que a última foi “abruptamente cortada” por PS, PCP e Bloco de Esquerda, que “encerraram a comissão antes que doesse a alguém”. O líder do PSD refere-se ao facto de esta última comissão ter chegado ao fim, apesar do requerimento do PSD (chumbado pela esquerda) para que fosse prolongada, sem que os deputados chegassem a receber os documentos solicitados à CGD, Banco de Portugal e Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). Isto apesar de o Tribunal da Relação de Lisboa ter decretado, na altura, que estas entidades teriam mesmo de enviar a documentação pedida, pelo que o Parlamento ainda poderia tê-la recebido, se a comissão de inquérito não tivesse sido encerrada.
Esta ideia é agora rejeita por Carlos Pereira, cuja versão inicial do relatório da comissão chegou a a ser criticada, por afirmar não ter havido quaisquer pressões por parte de governos sobre a política de crédito do banco público — uma versão que veio a ser alterada, com a introdução das alterações feitas pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda.
“A comissão de inquérito, contrariamente ao que ouvi o presidente do PSD, não acabou abruptamente. Esteve um ano em funcionamento, houve quatro suspensões e duas prorrogações. A razão pela qual não continuou é porque continuava a não haver a documentação necessária, por decorrência do sigilo bancário e do segredo profissional. Não havia sequer perspetivas do acesso que poderia existir a esses mesmos documentos“, considera agora.
[Encerrar a comissão de inquérito] foi uma decisão difícil, a bem da Caixa Geral de Depósitos. Caso contrário, a perda para os contribuintes ainda poderia ser maior do que aquela que estava a discutir-se.
Por outro lado, aponta, “a Caixa estava num processo de recapitalização e tinha duas comissões de inquérito em funcionamento”, dois fatores que tinham impacto sobre a imagem do banco. “Era um dano de reputação grande e, como é do conhecimento de todos, a reputação da Caixa, na altura, estava em queda. Não diria que por causa das comissões de inquérito, mas elas não ajudaram nesse processo”. Assim, o deputado defende a decisão de encerrar a comissão sem que os documentos pedidos lhe tivessem chegado. “Foi uma decisão difícil, a bem da Caixa Geral de Depósitos. Caso contrário, a perda para os contribuintes ainda poderia ser maior do que aquela que estava a discutir-se”.
Riscos de escrutinar a Caixa desapareceram? “Situação é diferente”
Com a existência de novos dados, que deverão constar do relatório da auditoria, o PS mostra-se, agora, aberto a uma nova comissão de inquérito. Entretanto, o CDS antecipou-se e decidiu mesmo propor uma nova comissão. Os riscos da realização de uma comissão de inquérito para a reputação de um banco em funcionamento não se mantêm? Podem existir, mas a Caixa está agora mais sólida e, portanto, “o escrutínio deve ser feito”.
“O processo de recapitalização está numa fase final. A Caixa já regressou aos lucros, o que é um dado muito relevante. Estamos num processo muito diferente. O mercado já tomou consciência de que a Caixa está num registo de competitividade face à restante concorrência e, portanto, a situação é bastante diferente do que aquela que existia há quatro anos, em que não só a Caixa estava em situação difícil com necessidades de capital, como estava a ter prejuízos”, aponta o deputado.
Assim, considera, quando o Parlamento tiver acesso aos documentos de que necessita para analisar algumas das decisões tomadas pelas sucessivas administrações do banco público, deverá cumprir com a sua “responsabilidade política”. “Os portugueses querem perceber por que razão houve cidadãos que tiveram acesso a crédito sem garantias e que não tiveram consequências por não terem pago”, conclui.
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