São os próximos a entrar no mercado laboral. A geração Z vai trazer de volta o culto do trabalho
A geração Z é mais cautelosa e realista. Se, por um lado, está mais longe dos millennials, por outro, está mais perto da geração da maioria dos seus pais.
Após a geração X e a geração Y, que é mais conhecida por millennials, finalmente chegamos à última letra do alfabeto. Os jovens mais velhos da geração Z, estão agora a começar a ingressar no mercado de trabalho e vêm, regra geral, com uma visão que rompe com aquela que a geração anterior trouxe para o ecossistema das empresas.
Depois de, nos últimos anos, as organizações terem feito um enorme esforço para se adaptarem aos millennials, que valorizam a flexibilidade de horário, o trabalho remoto e os benefícios extra salariais, a estratégia das empresas pode, em breve, ter de dar uma volta a 360º. É que a geração Z, que cresceu com a crise e rodeada de tecnologia, tem como principal diferença ser mais cautelosa, o que marca, por um lado, uma rutura com os millennials e, por outro, uma aproximação à geração de muitos dos seus pais.
“Eu gosto da definição da geração Z como um eco da geração X, ou seja, muito impactada pela educação dada, na sua maioria, por famílias da geração X”, diz Nuno Abreu, diretor executivo da Aon HR Solutions, salientando, contudo, que na prática o impacto desta geração no mercado de trabalho ainda não se sente muito, o que pode dificultar a comparação entre gerações.
Mas a geração Z vai começar a entrar no mercado laboral a um ritmo acelerado. Em 2020, segundo os estudos da Randstad, estes jovens — que apelida de “os realistas” contrastando com os millennials, descritos como “os otimistas” — já deverão representar mais de 10% da força de trabalho.
"Eu gosto da definição da geração Z como um eco da geração X, ou seja, muito impactada pela educação dada, na sua maioria, por famílias da geração X.”
Ainda que Nuno Abreu assuma que algumas das características dos jovens da geração Z sejam uma espécie de “evolução contínua dos millennials, nomeadamente no que toca a capacidade de multitasking, prontidão digital e vontade de ter impacto no mundo”, é a educação dada pela geração X que faz deles “mais pragmáticos, realistas e conscientes das dificuldades”.
Compromisso e vínculo, palavras que os millennials deixaram cair em desuso, podem agora voltar às organizações pelas bocas da geração Z. De acordo com alguns estudos introdutórios sobre esta geração, no que toca ao emprego, estes jovens privilegiam a segurança, têm planos de carreira e querem ter um escritório físico para trabalhar, o que faz prever o regresso do culto do trabalho.
Um emprego para a vida… E porque não?
Carolina Madeira tem 20 anos e, embora ainda não tenha ingressado no mercado laboral, a expressão “um emprego para a vida” não a assusta de todo. “Para mim, o vínculo com a empresa é muito importante, mais até do que o trabalho flexível ou remoto. É esse compromisso que vai permitir que eu tenha estabilidade no trabalho”, afirma ao ECO.
“No meu caso, é mais importante especializar-me numa certa área e, por isso mesmo, estar numa certa empresa para a vida. Dessa forma, trabalharia a minha especialidade a fundo e as pessoas saberiam qual o meu trabalho, ajudando-me a melhorar ao longo do tempo”, explica a jovem. “Seria uma situação mais confortável. Estaria ali há muito tempo e já teria laços de confiança com as pessoas e com a própria empresa”, continua.
Para Nuno Abreu, já se começa a sentir uma alteração de paradigma. A expressão “a empresa tem sorte em ter-me” dá lugar à expressão “tenho sorte em ter esta empresa”, algo que justifica através das maiores dificuldades vividas pelos pais dos jovens da geração Z. “É possível ver um exemplo claro deste conceito de ‘pés assentes na terra’ nos vários estudos realizados em diversas partes do globo, que mostram que a propensão para a poupança de médio e longo prazo é muito maior na geração Z do que nos millennials”, explica o diretor executivo da Aon RH Solutions.
Enquanto, por exemplo, a média de rotatividade dos millennials nas empresas não ultrapassa os dois anos, os profissionais da geração Z vão permanecer na mesma empresa toda a vida, desde que esta lhes garanta um processo atrativo de progressão e formação, bem como um ambiente de trabalho inclusivo. A progressão na carreira é, aliás, um dos fatores mais valorizados pelos mais recentes profissionais a ingressar no mercado laboral.
De acordo com a Randstad, esta é mesmo uma das principais diferenças entre a geração Y e a geração Z. Cerca de 34% dos jovens da geração Z encaram as oportunidades de progresso como um fator motivador e que os faria permanecer mais tempo na mesma empresa, enquanto apenas 24% dos millennials partilham da mesma opinião.
Se eu estiver sempre a saltar de um lado para o outro, vou andar sempre no meio, nunca vou chegar ao topo.
Carolina Madeira encara mesmo a progressão como o elemento mais importante. “Se eu estiver sempre a saltar de um lado para o outro, vou andar sempre no meio, nunca vou chegar ao topo. Ao passo que se me mantiver na mesma empresa durante muito tempo, vou conseguindo o respeito dos outros e subindo na hierarquia”, refere. Esta é, talvez, uma das maiores semelhanças da geração Z com a geração dos millennials, ambas exigem dos seus empregadores oportunidades de desenvolvimento que os levem a novos desafios profissionais.
Além disso, a geração Z é mais individualista e persistente. “Está disposta a trabalhar mais desde que sinta que existe uma recompensa”, diz Nuno Abreu. Por outro lado, é muito pouco paciente perante processos ineficientes e má utilização da tecnologia, algo que encara como a norma e não um objeto de fascínio.
Mas compromisso não é sinónimo de lealdade
Nuno Abreu salienta que a maior valorização que a geração Z dá ao seu posto de trabalho deve-se mais à segurança e estabilidade que desejam do que propriamente à lealdade à empresa. Até porque “esta geração é, sem qualquer dúvida, a que dá menos importância à lealdade a uma marca, valorizando muito mais a experiência e a interação com a mesma”, explica.
De acordo com a experiência da Aon, a geração Z tende a não repetir uma má experiencia. “As organizações podem contar com uma geração que dá mais importância à estabilidade e ao facto de ter um emprego. Contudo, se a experiência de trabalho for negativa, existe um risco elevado na geração Z de mudança de emprego, mas para uma empresa que lhes garanta as mesmas condições de segurança”, afirma.
A socióloga Diana Carvalho salienta, no entanto, que o exercício de retratar a sociedade através das gerações exige sentido crítico. “Ao falarmos em gerações corremos o risco de reduzi-las a características e diferenças que depois não representam a realidade social, que, por um lado, é mais diversificada em termos de contexto social e, por outro, reflete mais semelhanças entre as gerações”, diz.
Variáveis como a classe social ou o rendimento têm, para Diana Carvalho, um grande poder explicativo no que toca à importância que cada pessoa dá ao vínculo e ao compromisso com uma empresa. “Quem tem salários mais baixos, por exemplo, valoriza mais a segurança laboral”, justifica.
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