Sinceras, irónicas e forçadas. As “desculpas” dos governantes
Não é inédito políticos pedirem desculpa. Hoje foi Pedro Nuno Santos. No passado outros governantes pediram desculpas por aumentar impostos, pelos incêndios e até por "salutares bofetadas".
É uma espécie de ato de contrição do Governo. Primeiro foi António Costa que, na Comissão Política Nacional do PS esta quinta-feira, veio fazer um mea culpa em relação à qualidade dos serviços públicos em Portugal, ou pelo menos um reconhecimento da deterioração da qualidade desses serviços: “Fora do âmbito legislativo há um conjunto de responsabilidades que não podemos deixar de assumir como prioritárias, dando respostas a um conjunto de serviços cujo funcionamento deficiente não é aceitável. Temos de agir de forma a corrigir, seja nos transportes públicos, seja no Serviço Nacional de Saúde, seja quanto à prestação de serviços básicos como a emissão de cartões de cidadão e passaportes”.
O ministro das Infraestruturas foi bastante mais longe e chegou mesmo a pedir “desculpas” aos portugueses que têm sido afetados pelo mau funcionamento dos transportes públicos. Esta foi a frase de Pedro Nuno Santos que marcou o debate desta sexta-feira no Parlamento: “As minhas palavras vão no sentido de endereçar um pedido de desculpa às pessoas cujo dia-a-dia é afetado pelas supressões e atrasos nos comboios urbanos e suburbanos“.
O ministro falava num debate de urgência sobre as supressões nos transportes públicos urbanos e suburbanos, requerido pelo Bloco de Esquerda. A dirigente do Bloco Joana Mortágua afirmou que a situação dos transportes públicos “é dramática”, isto praticamente à mesma hora em que os ânimos se exaltavam no terminal fluvial do Barreiro devido à supressão de várias embarcações.
Desculpas por aumentar impostos
Não é inédito governantes pedirem desculpas. Talvez o mais mediático em termos políticos tenha sido o ato de contrição de Pedro Passos Coelho, em maio de 2010. Duas horas após o final de um Conselho de Ministros de José Sócrates que aprovou medidas adicionais de austeridade no Programa de Estabilidade e Crescimento, com o apoio do PSD, o líder do maior partido da oposição afirmou o seguinte: “Começo por pedir desculpa aos portugueses. Peço desculpa, não por me sentir responsável pela situação internacional que justificou estas medidas” mas porque são “medidas duras para os portugueses e para o país”.
Também no governo de Passos, e por causa dos serviços públicos, a então ministra da Justiça fez um pedido de desculpas numa altura em que o sistema informático Citius estava constantemente a ‘crashar’, provocando um caos na Justiça: Em 2014, Paula Teixeira da Cruz pediu desculpas aos portugueses: “Peço desculpa em nome do Ministério da Justiça pelos transtornos”.
“Se quer ouvir-me pedir desculpas, eu peço desculpas”
O atual primeiro-ministro, António Costa, também chegou a pedir desculpas aos portugueses, depois da tragédia dos incêndios de Pedrógão. Mas, muito a custo.
Num debate quinzenal em outubro de 2017, o líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, disse que, como eleito e em nome da sua bancada, assumia a “responsabilidade política” e pedia desculpas aos portugueses, desafiando Costa a fazer o mesmo: “Senhor primeiro-ministro, já está em condições de pedir desculpa a todo o país?”.
Ao que o primeiro-ministro responde: “Não vou fazer jogos de palavras, se quer ouvir-me pedir desculpas, eu peço desculpas”. O primeiro-ministro salientou que, se não o fez antes, “não é por sentir menor peso” na sua consciência: “No meu vocabulário reservo a palavra desculpa para a minha vida privada, enquanto primeiro-ministro uso a palavra responsabilidade e sempre disse que assumiria todas as que viessem a ser demonstradas“.
Antes deste debate, e a propósito do mesmo tema, já Luís Montenegro tinha feito um pedido de desculpas: “Em nome do PSD peço desculpa na nossa quota-parte de responsabilidade, se a temos hoje como parlamentares. Sinto-me envergonhado, como membro de um órgão de soberania, de no meu país as pessoas que queriam fugir à morte tivessem ido ao encontro da morte. Isso é intolerável”. Ao que Carlos César, presidente socialista, responde no programa da TSF “Almoços Grátis”: “Todos devemos desculpas a todos”.
No calor da discussão política nesse verão quente, Passos Coelho afirmou, erradamente, que existiam suicídios na sequência da tragédia de Pedrógão Grande. Mais tarde veio pedir desculpas: “Já pedi desculpa pela utilização de uma informação não confirmada. Não devia ter usado essa informação”.
As mil e uma desculpas de Santana Lopes
Se há pedidos de desculpas arrancados a ferros, há outros que vêm carregados com uma grande carga de ironia. Foi no ano passado que Pedro Santana Lopes, candidato à liderança do PSD, pediu desculpas por episódios que lhe são apontados durante o seu governo entre 2004 e 2005: “Aqueles que dizem que não tirei lições do que aconteceu em 2004 estão enganados, aos que acham que seria conveniente pedir desculpas por algumas situações, peço desculpas”, afirmou, na intervenção de encerramento da Convenção Nacional da sua candidatura, que decorreu em Lisboa.
De seguida, Santana Lopes elencou uma série de episódios que ocorreram durante o tempo em que foi primeiro-ministro. “Peço desculpa por uma careta de um ministro na cerimónia de tomada de posse, peço desculpa por uma dirigente não ter ficado numa secretaria de Estado e ficado noutra, peço desculpa não sei bem porquê, porque ninguém teve a hombridade de me dizer“, afirmou. Santana disse ainda que até pode pedir desculpa por se ter sentido indisposto na cerimónia de tomada de posse ou por ter feito um discurso sobre um bebé na incubadora, um dos últimos que fez antes da dissolução do parlamento pelo então Presidente da República Jorge Sampaio.
“Por nunca ter cometido um erro em decisões de política interna e externa, isso já não peço desculpa porque isso era o meu dever, dar o melhor por Portugal”, afirmou então o agora líder da Aliança.
Desculpa por fumar e por um par de bofetadas
Mas os pedidos de desculpas não se limitaram a decisões (ou falta de decisões) políticas e de governação. Num voo para a Venezuela em 2008, o então primeiro-ministro José Sócrates foi apanhado a fumar num avião da TAP. Quando chegou à Venezuela, fez uma declaração aos jornalistas em três pontos: “Fumei de facto nesse voo — e com o ministro da Economia, Manuel Pinho”. Depois, afirmou: “Não pode acontecer. Não vai voltar a acontecer. Não devia ter acontecido. Foi o meu Governo que fez essa lei, tenho responsabilidade pessoal e obrigação de dar o exemplo”. Por fim, uma novidade: “Decidi, por isso, deixar de fumar”. E no final, claro está, as desculpas: “Pelo sucedido, peço desculpa aos portugueses”.
Manuel Pinho voltaria, um ano mais tarde, a pedir desculpas aos portugueses, desta vez não por questões tabágicas, mas de cornos. O então ministro da Economia saiu do Parlamento pela porta pequena, depois de ter feito um par de chifres com os dedos em resposta a um aparte do comunista Bernardino Soares. “Excedi-me, peço desculpa”; foi com estas palavras que abandonou o Parlamento.
Se há quem peça desculpas por fumar ou por fazer chifres, outros há que pedem desculpas por prometer bofetadas. “Sou um homem pacífico, nunca bati em ninguém. Não reagi a opiniões, reagi a insultos. Peço desculpa se os assustei“. João Soares, que acabaria por se demitir de ministro da Cultura na sequência deste episódio, referia-se às “salutares bofetadas” que prometeu a dois colunistas do jornal Público: Augusto M. Seabra e Vasco Pulido Valente.
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