Há 11 anos, TC chumbou alargamento do período experimental. História vai repetir-se?
Onze anos depois de o TC ter rejeitado o alargamento do período experimental proposto pelo Executivo de Sócrates, uma medida "semelhante" trazida por Costa vai a caminho do Palácio do Ratton.
Onze anos depois de o Tribunal Constitucional (TC) ter rejeitado o alargamento do período experimental para os trabalhadores indiferenciados, a esquerda prepara-se agora para voltar a recorrer aos juízes do Palácio do Ratton para travar uma medida “semelhante”. Desta vez, o alvo são os jovens à procura do primeiro emprego e os desempregados de longa duração. O Governo e o Presidente da República separam a história do presente, mas PCP e Bloco de Esquerda acreditam que a fundamentação usada em 2008 ainda é “inteiramente válida”.
Com a revisão do Código de Trabalho promulgada, esta segunda-feira, por Marcelo Rebelo de Sousa, o período experimental de 180 dias passa a ser imposto não só aos trabalhadores que “exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação” ou “que desempenhem funções de confiança”, mas também “aos trabalhadores à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração”.
Esta medida foi apresentada pelo Executivo de António Costa como parte do pacote de alterações à Lei Laboral e constituiu, desde o início da discussão, um dos pontos em redor dos quais se gerou maior polémica.
Já no momento da aprovação desta duplicação do período de experiência nas votações indiciárias, o Bloco de Esquerda defendia que a medida em questão contrariava a Constituição, considerando que devia ser fiscalizada, por isso, pelos juízes do Palácio do Ratton. A bancada de Catarina Martins chegou a indicar como argumento a decisão que o mesmo órgão tomou, em 2008, relativa ao alargamento do período experimental para os trabalhadores indiferenciados. Também o PCP não fechou, na altura, a porta a essa possibilidade de fiscalização, acreditando que o alargamento em causa, a avançar, seria “uma selvajaria”.
Um mês depois da aprovação na generalidade do novo Código do Trabalho, o Presidente da República veio, contudo, distanciar-se dessas posições, salientando que o acórdão do TC de 2008 relativo ao alargamento do período experimental para os trabalhadores indiferenciados “não vale” para os dois grupos a que a mudança legislativa presente se refere.
“Não se afigurando que a fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional nº632/2008, de 23 de dezembro, respeitante ao alargamento do período experimental para os trabalhadores indiferenciados valha para as duas situações ora mencionadas [primeiro emprego e desempregados de longa duração], o Presidente da República decidiu promulgar o diploma que altera o Código do Trabalho”, explicou Marcelo Rebelo de Sousa, na nota que acompanhou a promulgação do diploma.
O PCP e o Bloco de Esquerda vieram logo contrariar o chefe de Estado, referindo que os fundamentos que deram azo a essa decisão do TC mantêm-se “inteiramente válidos”, estando por isso a preparar um pedido de fiscalização sucessiva da nova Lei Laboral. “É a segunda vez que um Governo do PS tenta introduzir esta medida”, acusou mesmo o bloquista Jorge Costa, mencionando a medida apresentada pelo Executivo de José Sócrates, em 2008 e que acabou por ficar pelo caminho por ter sido considerada inconstitucional.
Afinal, o que dizia o acórdão do TC de 2008?
Quando o então Governo de José Sócrates tentou incluir no Código do Trabalho a duplicação do período experimental para os trabalhadores indiferenciados, foi o próprio Presidente da República, então Aníbal Cavaco Silva, a pedir ao Tribunal Constitucional que fiscalizasse a medida.
“Esta norma é uma norma restritiva de direitos, liberdades e garantias, pois quanto mais dilatado for o período experimental maior a precariedade da relação jurídico-laboral e mais frágil a garantia na segurança do emprego”, lia-se no pedido de fiscalização da constitucionalidade, que referia ainda o artigo 53º da Constituição, relativo à segurança no emprego.
“O aumento da duração do período experimental para os trabalhadores indiferenciados (de 90 para 180 dias) suscita dúvidas quanto à sua idoneidade para atingir o fim atribuído ao período experimental (avaliação pelas partes do seu interesse na prossecução do vínculo laboral)”, acrescentou o então Presidente da República.
O então chefe de Estado referia ainda que este alargamento parecia “não se harmonizar também com a medida de valor da necessidade”, isto é, citando do artigo 18º da Constituição, Cavaco lembrava que a restrição de um direito ou garantia só pode ser feita em casos em que tal é indispensável para “salvaguardar outros direitos”.
Em reação, o Tribunal Constitucional decidiu considerar inconstitucional a norma em causa, por violação exatamente dos artigos 18º e 53º da Constituição e do 2º, que se refere ao Estado de direito democrático. “Há que concluir que o legislador não protegeu como devia, face ao disposto nos artigos 53.ºe 18.º, n.º 2, da Constituição, os trabalhadores indiferenciados de situações injustificadas de precariedade de emprego”, rematava-se.
“Medida é distinta daquela que foi considerada inconstitucional em 2008”
Desta vez, não será o Presidente da República a pedir a avaliação deste alargamento do período experimental, mas a esquerda. Em declarações aos jornalistas, o Ministro do Trabalho reforçou mesmo que “está convicto” que as razões que levaram Marcelo Rebelo de Sousa a promulgar o diploma em questão têm como base a confiança de que a polémica medida “não choca com nenhum preceito constitucional”.
Vieira da Silva foi mais longe, propondo que este alargamento seja entendido não como um passo na fragilização dos trabalhadores, mas como um passo no alívio da precariedade. Isto porque esta duplicação acontece a par da eliminação da possibilidade de contratar a prazo jovens à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração apenas por se incluírem nesses dois grupos, instrumento que muitas vezes tem sido usado como período experimental até mais distendido que os tais 180 dias.
Ao ECO, o gabinete do ministro do Trabalho acrescenta que, perante esta mudança ao nível dos contratos a prazo, o alargamento do período experimental “é ditado por um imperativo de equidade: garantir que estes dois grupos não ficam, ao ser revogada a possibilidade contratação a termo que agora termina e que era a porta generalizada de entrada no emprego, em efetiva desigualdade e desvantagem perante os outros trabalhadores e sem nenhuma medida legal especifica que favoreça o seu emprego”.
A mesma fonte salienta que esta medida é “totalmente diferente daquela que foi apresentada em 2008” e fica, além disso, “claramente dentro do quadro de duração do período experimental já previsto na lei portuguesa”. “O período experimental está na legislação diferenciado para atender a situações específicas, no respeito pela equidade e proporcionalidade, e é neste quadro que se admite a consideração de um ajustamento do período experimental, dentro dos contratos sem termo, especificamente para dois grupos com especiais desvantagens perante o mercado de trabalho”, conclui o Ministério do Trabalho, referindo os regimes específico já existentes para, por exemplo, os trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica.
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