Remeter geringonça “para parêntesis na história” é “desperdício democrático”, diz BE
Para o Bloco de Esquerda, o PS encerrou o ciclo da geringonça, remetendo essa solução política para um "parêntesis na nossa história", o que é um "desperdício democrático".
Face à decisão do PS de pôr termo à possibilidade de uma nova geringonça, o Bloco de Esquerda sublinha que tal escolha remete a experiência dos últimos quatro anos para “um breve parêntesis na nossa história política”, o que constitui “um desperdício democrático”. “Agora, terá a tentação de agitar ‘a estabilidade política’ como chantagem”, escreve o deputado bloquista José Soeiro no Expresso, na primeira reação do partido à decisão socialista.
“Era quase meia-noite quando, através de um comunicado, o PS pôs oficialmente fim à possibilidade de reedição de uma geringonça. Ao decidir, sem fazer qualquer contraproposta negocial, que não haveria nenhum acordo escrito com o ‘horizonte da legislatura’, como propusera o Bloco, António Costa quis encerrar o ciclo da geringonça“, escreve o deputado.
Na quinta-feira, o secretário-geral do PS anunciou que o partido entendia que estavam reunidas as condições necessárias à formação de Executivo, com perspetivas de estabilidade e sem um acordo escrito com o Bloco de Esquerda, único dos parceiros envolvidos na primeira edição da geringonça que se tinha disponibilizado para tal. O PCP, por sua vez, tinha admitido negociar com os socialistas Orçamento após Orçamento, mas tinha rejeitado qualquer acordo formal com o partido de António Costa.
“Pelo seu lado, o Bloco apresentou uma proposta para um acordo que, tal como em 2015, incluísse compromissos no programa de Governo, respondendo agora ao que ficou por resolver na anterior legislatura: eliminar os cortes da troika que permanecem na lei laboral (nos dias de férias, nas horas extra e nas compensações por despedimento e cessação de contrato), estabelecer um percurso para o aumento do salário mínimo e trabalhar em conjunto (em reuniões já para a semana) em três áreas: i) trabalho, Segurança Social e fiscalidade, ii) serviços públicos; iii) investimento público e clima”, escreve, esta sexta-feira, José Soeiro, em reação a essa decisão do PS.
De notar que, apesar de os bloquistas terem insistido na eliminação da herança da troika da lei laboral, António Costa já tinha deixado claro — à saída das reuniões com os parceiros sociais — que a revisão do Código do Trabalho não é uma prioridade socialista no curso desta legislatura, dando preferência à política de rendimentos. “Creio que a prioridade neste momento, claramente, não está na sede da legislação do trabalho, a prioridade está claramente na política de rendimentos”, disse o primeiro-ministro indigitado, declarações que também são citadas por José Soeiro.
“A distinção entre ‘rendimentos’ e ‘legislação do trabalho’ é artificial”, acrescenta logo o bloquista, defendendo que, embora a lei laboral seja mais vasta que os salários, a primeira é determinante para a evolução da segunda. “Não há política de reequilíbrio dos rendimentos do trabalho e de valorização salarial sem tocar na legislação que regula as relações laborais. Mas é justamente nela que os patrões – e o PS – não querem mexer“, atira José Soeiro.
A propósito, na quinta-feira, António Saraiva tinha sublinhado sobre esta matéria que a legislação laboral atual é “mais do que suficiente para que o país desenvolva as suas atividades económicas com tranquilidade”, rejeitando uma nova revisão do Código do Trabalho.
Ainda sobre o fim da possibilidade de uma geringonça 2.0, José Soeiro escreve: “Com esta decisão de inexistência de um acordo para a legislatura perdem os trabalhadores, mas não só”. E o deputado do Bloco de Esquerda acrescenta que “remeter essa experiência para um breve parêntesis na nossa história política é um desperdício democrático”.
“Do resultado destas eleições parece então sair um ‘Governo à Guterres’. Discutir-se-á medida a medida, em geometria variável. O PS procurará escolher o que acorda com cada partido, a cada momento, em função dos seus próprios interesses e, nos momentos orçamentais, terá a tentação de agitar a “estabilidade política” como chantagem, sem ter querido dar-lhe a consistência e a substância de uma solução a quatro anos assente em respostas de fundo trabalhadas em conjunto”, frisa Soeiro.
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