BE e PCP criticam ida de Pedro Mota Soares para Apritel. É “exemplo de porta giratória entre política e negócios”
Os partidos da esquerda estão a criticar a subida de Pedro Mota Soares à liderança da associação que representa Meo, Nos e Vodafone. É um "exemplo de portas giratórias" entre política e negócios.
Pedro Mota Soares, ex-ministro e ex-deputado do CDS-PP, foi escolhido para o cargo de secretário-geral da Apritel, a associação que representa as empresas de telecomunicações em Portugal, como Meo, Nos e Vodafone. No entanto, esta notícia, que surge três meses depois de Mota Soares ter deixado o Parlamento, está a causar polémica. Isto porque Mota Soares fez parte da Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas, onde se discutiu e legislou sobre temas de relevo para o mesmo setor que agora vai representar.
As primeiras reações formais à nomeação de Mota Soares surgiram da parte dos partidos da esquerda parlamentar, que há muito criticam políticos que transitam do Parlamento para empresas de setores com os quais se relacionaram. Num artigo publicado no portal oficial do Bloco de Esquerda (BE), o partido considerou que o caso de Mota Soares “é o mais recente exemplo das portas giratórias entre a política e os negócios”.
“Pedro Mota Soares foi este ano o n.º 2 da lista do CDS às eleições europeias, mas acabou por ficar de fora dos eleitos, dada a queda da votação no seu partido. Sem lugar nas listas do CDS para as legislativas, que já estavam fechadas na altura das eleições europeias, o resultado da campanha liderada por Nuno Melo ditou o seu afastamento da política”, lê-se na posição dos bloquistas.
Da parte do partido, reagiu também o deputado Jorge Costa. Partilhando o mesmo artigo, intitulado “Mota Soares vai liderar o lóbi das operadoras de telecomunicações”, acrescentou-lhe o comentário irónico: “Da importância de uma boa carta de recomendação. #portagiratória”. Num segundo comentário, minutos depois, Jorge Costa voltou ao ataque: “Continua o corrupio de ex-ministros e deputados centristas para o regaço das grandes empresas. A porta giratória do CDS só vai parar quando já não restar ninguém do lado de dentro do Caldas”, atirou.
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Por sua vez, numa declaração enviada ao ECO, o gabinete de imprensa do Partido Comunista Português (PCP) considera que a escolha de Pedro Mota Soares para liderar a Apritel “é mais um exemplo da promiscuidade entre os principais responsáveis pela política de direita e os grupos económicos”.
Na mesma nota, fonte do PCP acrescenta que é “uma escolha que não pode ser desligada do papel que, ao longo de anos, quer o CDS-PP, quer o PSD e o PS, assumiram na privatização e liberalização de setores estratégicos, favorecendo o grande capital (sobretudo estrangeiro) e prejudicando o país”.
O ECO contactou ainda o deputado João Paulo Correia, do Partido Socialista (PS), que também fez parte da Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas com Pedro Mota Soares. Por telefone, o deputado socialista considerou que Pedro Mota Soares “tem liberdade para escolher a sua vida profissional, desde que não colida com as incompatibilidades previstas na lei”. No entanto, não descartou a hipótese de se pronunciar sobre a passagem do Parlamento para a Apritel “quando vir alguma declaração pública do próprio em nome da associação”.
O ECO também tentou contactar o deputado Joel Sá, do PSD, que fez parte da mesma comissão parlamentar, mas que não quis comentar por estar a terminar o mandato.
Contactado, Pedro Mota Soares não quis reagir às críticas dos partidos da esquerda.
O que fez Pedro Mota Soares na AR?
Advogado, com 45 anos, Pedro Mota Soares fez parte da Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas da Assembleia da República (AR) na legislatura que agora termina. Hélder Amaral (CDS), presidente da comissão, foi simultaneamente quem no partido mais acompanhou as discussões relativas ao setor das telecomunicações. No entanto, os registos da AR consultados pelo ECO mostram que Pedro Mota Soares esteve envolvido no dossiê da avaliação aos nomes escolhidos pelo Governo para a administração da Anacom.
Em meados de 2017, o Governo envolveu-se numa polémica relativa à nomeação de três dos quatro nomes para o regulador das telecomunicações. Em causa, o de Margarida Sá Costa e de Dalila Teixeira, por terem estado ligadas à antiga Portugal Telecom, e Francisco Cal, por alegada falta de competências para o cargo.
A 14 de julho, pouco antes do chumbo destes três nomes na comissão, Pedro Mota Soares foi um dos deputados que apontaram para as dúvidas em relação à incompatibilidade das funções exercidas anteriormente por Margarida Sá Costa e Dalila Teixeira e os cargos na Anacom para os quais estavam a ser nomeadas.
Dirigindo-se a Pedro Marques, afirmou: “Lembro-me de um artigo muito recente que li sobre uma das personalidades que foi, por exemplo, secretária de Estado. E, nessa função, na altura com o senhor ministro da Administração Interna, António Costa, negociou e renegociou o contrato do SIRESP, depois saiu para trabalhadora da Portugal Telecom, que é um dos participantes nesse mesmo SIRESP com uma função muito especial e muito relevante e que agora, na Anacom, terá de se pronunciar sobre falhas da PT no âmbito do SIRESP, tendo ela própria participado nesse mesmo processo.”
Dito isto, pediu ao então ministro “garantias da isenção e independência” dos novos membros do regulador. “Isso é algo que nos preocupa. Percebi que preocupa muitos setores da sociedade portuguesa”, reiterou. O CDS acabou por votar favoravelmente aos pareceres que ditaram o chumbo dos três nomes, a 27 de julho de 2017. Deste dossiê, só escapou João Cadete de Matos, que saiu do Banco de Portugal para integrar o mais alto cargo na entidade reguladora das comunicações.
Mota Soares vai tentar “reforçar diálogo” no setor
Perante isto, Pedro Mota Soares está longe de ser desconhecido no setor das telecomunicações em Portugal. Na nota enviada à imprensa, o novo secretário-geral da Apritel mostra-se entusiasmado com o novo desafio profissional. E assume, desde logo, o papel “fundamental” de “reforçar o diálogo com todos os stakeholders do setor e elevar a associação ao patamar de interlocutor indispensável em todas as matérias relativas às comunicações eletrónicas”.
Já para a Apritel, Pedro Mota Soares vai ter pela frente o desafio de “criar valor, esclarecer os consumidores, promover as boas práticas regulatórias e apoiar a sustentabilidade” do setor.
É fundamental reforçar o diálogo com todos os stakeholders do setor e elevar a associação ao patamar de interlocutor indispensável em todas as matérias relativas às comunicações eletrónicas.
Estas declarações devem ser vista à luz do atual contexto do setor. As empresas de telecomunicações têm mantido um braço de ferro com o regulador setorial, liderado por João Cadete de Matos, acusando-o de manter uma postura de confronto com as operadoras. Ainda esta terça-feira, Alexandre Fonseca, CEO da Altice Portugal, sugeriu a demissão do presidente da Anacom, depois de ter anunciado que vai avançar para tribunal contra o calendário definido pela entidade reguladora para a libertação de uma faixa do espetro que vai ser usada para o 5G.
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