Dinheiro verde já atraiu 30 biliões. Mas é preciso cuidado com o greenwashing
A Europa está entre as regiões que lidera no investimento socialmente responsável. Gestoras de ativos já estão apostar neste segmento (e a conseguir retornos), mas ainda há passos a dar.
O investimento socialmente responsável abrange já 30 biliões de dólares em todo o mundo, com a Europa a liderar o caminho. Grandes investidores concordaram que esta é uma tendência que estão a seguir — e há quem a veja como incontornavelmente dominante no futuro –, mas a atual falta de regulação especifica obriga a medidas para fugir ao falso verde, o greenwashing.
É um dos temas do momento e juntou na mesma sala algumas das maiores gestoras de ativos a operarem em Portugal, incluindo BlackRock, Allianz Global Investors, Santander Asset Management, Degroof Petercam Asset Management ou DWS Iberia. Ninguém está a passar ao lado desta tendência.
“Os negócios em 2020 vão ser diferentes e o tempo para redefinir os negócios está a acabar“, afirmou Joss Tantram, diretor do Redefining Value do World Business Council for Sustainable Development, na Fórum de Investimento Sustentável e Responsável (ISR) organizado esta segunda-feira pelo Santander. “Fazer negócios como até aqui é economicamente arriscado, ambientalmente estúpido e socialmente inaceitável“.
O responsável do conselho considera que as principais mudanças, que geram oportunidades de investimento, centram-se em cidades e mobilidade mais limpos e conectados; energia com emissões zero de carbono; comida mais saudável; menores desperdícios através da economia circular e foco na qualidade de vida. “Temos de redefinir o capitalismo para não se focar só em lucros”, defendeu Tantram.
ISR cresce em todas as geografias
Os grandes investidores parecem concordar e alocam já 30 biliões de dólares a critérios ambientais, sociais e de governo de sociedades (ESG, na sigla em inglês), a nível global. O montante representa uma subida de 25% nos últimos dois anos, segundo dados divulgados no fórum.
“Mais de 50% dos 30 biliões estão na Europa. A Europa está definitivamente na liderança e os EUA atrás. Culturalmente, é muito importante. Os EUA estão num momento de ‘porquê?’ e a Europa está num momento de ‘porque não?'”, explicou André Themudo, responsável de wealth para Portugal e Espanha da BlackRock.
À espera de regulação, gestoras criam os seus próprios critérios
“Há várias razões que explicam o crescimento. A sociedade está a obrigar os acionistas a viver e investir de forma mais sustentável. Os media colocam pressão e dão a sensação que estamos a ser observados. E a regulação, que está a tomar grandes passos neste sentido”, refere.
A Comissão Europeia publicou, no início do ano, as primeiras regras para a incorporação de critérios de investimento com preferências ambientais, sociais e de governance. A regulação é, para já, ainda uma sugestão, mas poderá vir a tornar-se obrigatória. Em Portugal, o regulador dos mercados também elegeu a promoção da integração de princípios de sustentabilidade no mercado de capitais português como um dos objetivos para este ano e lançou uma consulta pública sobre o tema.
No entanto, a realidade é que ainda não há critérios uniformizados. Assim, têm sido as gestoras a criarem os seus próprios parâmetros e a aplicá-los. “Como forma de avaliar dívida verde, tomamos vários passos, a começar pela estruturação das obrigações”, apontou Hervé Dejonghe, gestor de ativos da Allianz Global Investors.
"Para os investidores, é uma fonte valor em todas as fases do processo de investimento. Dá mais conhecimento dos fundamentos, o que permite identificar riscos e oportunidades em todos os setores.”
Dejonghe refere que o mais importante é o reporte, mas também o uso das receitas, a gestão ou os processos internos. “Têm de ser projetos credíveis e não ações de marketing ou greenwashing“, afirmou o gestor da Allianz GI, admitindo que já rejeitou investir em ativos por considerar que estavam a usar indevidamente o selo verde, mas que não o eram.
Também a Santander Asset Management está a trabalhar internamente, como explicou o diretor de ISR, David García Rubio. Numa altura em que esta estratégia transitou da exclusão (retirar dos portefólios determinadores setores) para o engagement (acompanhamento da evolução das empresas nos vários critérios), o responsável do banco considera que ter uma equipa interna permite fazer uma avaliação mais completa.
“Para os investidores, é uma fonte valor em todas as fases do processo de investimento. Dá mais conhecimento dos fundamentos, o que permite identificar riscos e oportunidades em todos os setores“, referiu García Rubio, acrescentando que para as empresas dá acesso a um maior grupo de investidores.
ESG já dá retorno maior que investimento tradicional
Exemplo de um ativo que está entre as preferências do Santander é a dinamarquesa Orsted, que tem reforçado a aposta em energias renováveis, especialmente eólica. Também a Corticeira Amorim, que usa desperdícios de cortiça para criar a sua própria energia, foi apontada como preferida pela gestora de ativos.
Amparo Ruiz Campo, country head de Espanha e América Latina da Degroof Petercam Asset Management, fez o mesmo para dívida pública. “Decidimos desenvolver um número de fatores e mantê-los. Queremos investir em países que investem nas pessoas, na educação e no futuro”, referiu. O primeiro filtro é a exclusão de países que não garantem liberdade ou democracia, levando a colocar de lado gigantes como China ou Rússia. A duração e moeda dos ativos são igualmente considerados.
Mas porquê também trabalho? Em primeiro lugar, a expectativa é que os retornos a médio e longo prazo sejam melhores. Entre 2012 e 2018, investimento tradicional e com foco em ESG renderam igualmente 15,8%. Já no resto do mundo, o investimento tradicional gerou um retorno de 10,5%, contra 11,1% de investimentos ESG.
Retornos mais robustos e menor volatilidade
Depois pelo impacto que tem. A estimativa da BlackRock é que a alocação de 2 mil milhões de dólares em investimentos com critérios de sustentabilidade gera uma poupança de água 51.400 piscinas olímpicas, a criação de energia limpa para mais de 9,2 milhões de casas ou uma poupança de emissões de CO2 na ordem das 34,7 milhões de toneladas. E, por último, porque concordam que este é o futuro.
“Acredito que um dia, num futuro não muito longínquo, todos os projetos financiados pela banca vão passar pelo crivo do investimento socialmente responsável“, sublinhou João Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente e Ação Climática, no encerramento da sessão. “O risco ambiental é mesmo um risco financeiro. Esta é a primeira vez que o investimento socialmente responsável está na agenda governativa, mas garanto-vos que ser novo não quer dizer ser passageiro”.
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