Covid-19 pressiona seguros e previdência em Portugal, Espanha e França
Em Portugal a quebra ronda os 40%. A crise instalada em Espanha atinge várias linhas de seguros e a patronal atira a recuperação para 2022. Em França o impacto é de 31 mil milhões só em doença.
A quebra na produção doméstica de seguros acentuou-se ao longo do primeiro semestre, com a exposição do setor aos efeitos da pandemia a refletir-se nos números da Associação Portuguesa de Seguradores (APS).
Os primeiros três meses do ano tiveram o final de período marcado pelo início da crise pandémica e, entre as grandes seguradoras, só as companhias menos ou nada expostas ao ramo Vida conseguiram crescer (por exemplo, Allianz e Generali). Embora o regime de confinamento por causa da Covid-19 tenha correspondido apenas à segunda metade de março, a quebra no trimestre variou entre 24% e 32% para as companhias mais expostas ao ramo Vida, como foram os casos da Fidelidade, Ageas, Santander (Aegon), BPI Vida, Gamalife (ex-GNB Vida), entre outras.
Antes dos números da organização setorial, estatísticas da Supervisão (ASF) já haviam indicado uma quebra de 24% até fim de março, face igual período um ano antes. Já sob ameaça plena da pandemia e consequente confinamento, a tendência de quebra de produção acentuou-se no 2º trimestre para níveis em torno dos 40%, em abril e repetido em maio, conforme dados atualizados da APS e noticiado por ECOseguros.
Aos números da produção juntam-se ainda – com ou sem evidência de constituírem efeito imediato do impacto da crise Covid-19 -, a evolução de alguns indicadores relativos aos balanços das companhias (ativos e provisões), o conteúdo das medidas de flexibilização decretadas pela Supervisão, mais os alertas para contenção na distribuição de lucros e as recomendações para atenção redobrada na observância dos requisitos de capital de solvência.
A poucos dias do termo do semestre e passados mais de 3 meses depois de decretadas as medidas do Governo para a situação de pandemia, o organismo de supervisão publicou norma regulamentar exigindo às seguradoras informação detalhada sobre as iniciativas, medidas e respostas dadas aos segurados.
Acresce que, enquanto a pandemia também produz efeitos no comércio internacional, o elevado nível de exposição da economia portuguesa à procura externa implica o sistema de seguros de crédito, justificando-se assim o reclamado reforço das garantias públicas (estatal e internacional) na cobertura de risco de incumprimento, em particular nas exportações. Porém, subsistem dúvidas quanto à extensão e reforço das garantias públicas para o seguro de crédito nas operações domésticas.
No panorama internacional e em relatórios trimestrais, seguradoras globais já assumiram custos com sinistros associados ao impacto da pandemia (sobretudo por cancelamento de eventos e viagens e seguros empresa), adiando para final do ano dados mais concretos sobre o efeito da Covid-19 nos respetivos balanços.
Também de acordo com informações preliminares, os rácios de rentabilidade e indicadores de solvência apresentam-se globalmente em níveis de conforto. Mas, existem sinais de enfraquecimento materializar-se em alguns mercados europeus, nomeadamente em mercados confinantes com o português.
Espanha perspetiva recuperação só em 2022
Informação divulgada em abril pela Asociación Empresarial del Seguro (Unespa) indica que a receita (em prémios) recuou 6,83%, em termos homólogos, totalizando 16,7 mil milhões de euros no trimestre concluído em março, com os ramos vida, automóvel e seguros de empresas a refletirem a paralisação da atividade devido à crise sanitária, após confinamento decretado desde 14 de março. A faturação no ramo Vida decrescia a uma taxa de 18,5%, indicavam os dados compilados pela ICEA (entidade cooperativa de análise setorial).
Num encontro online (webinar) realizado já em junho, Pilar González de Frutos, presidente da Unespa, a patronal espanhola, adiantou: “tal como em 2008, vamos ter uma queda acentuada da atividade, que será pior em 2021 do que em 2020, e a recuperação terá lugar em 2022 ou 2023, em paralelo com a economia em geral”.
Segundo González de Frutos, a crise provocada pela pandemia provocará impactos em três direções, dependendo da queda do PIB e do ritmo de reativação da economia, salientando “o impacto evidente nas contingências seguradas, com aumentos muito notáveis em alguns ramos, tais como o cancelamento de eventos e viagens, a saúde, o crédito, o próprio resseguro e o impacto do contencioso em matéria de responsabilidade civil”.
Em declarações reproduzidas em diversos meios espanhóis, Pilar antevê perda de rendimentos e a queda do volume de negócios dos seguros em geral, que “no final do mês de abril já era de 10%”. A responsável projeta ainda perda generalizada do valor dos ativos e uma diminuição da qualidade do crédito de rendimento fixo privado, que será mitigada na medida em que a situação macroeconómica volte a dar sinais de normalização.
Na mesma ocasião, Pilar de Frutos recordou que o modelo de gestão da atividade, sobretudo ao nível prudencial, permite assegurar robustez ao nível do balanço das seguradoras e capacidade de resistência à crise. De facto, indicadores atualizados mostram níveis de capitalização acima de 200%, cerca do dobro face aos requisitos.
França: evolução negativa nos seguros e buraco na Previdência
No final de maio, a federação francesa de seguros (FFA) publicou estatísticas indicando quebra nas receitas do ramo Vida, em abril, por efeito do confinamento e restrição da atividade, enquanto um estudo da empresa Addactis apontava para impacto da crise na solvência das seguradoras de vida e de saúde, prevendo ainda a diminuição do volume de negócios e um desvio em sinistros no seguro de saúde.
A par dos números da setorial, seguradoras como a AXA estimam impacto financeiro da crise pandémica na atividade não Vida.
Em entrevista ao site L’Argus de l’Assurance, a presidente da Federação Francesa de Seguros (FFA), Florence Lustman estimava, em junho, que a Covid-19 custará 9 mil milhões de euros à indústria francesa. Para avançar este número, Lustman socorreu-se de uma projeção do CEO da Lloyd’s of London.
Admitindo que “a crise é profunda” e as seguradoras “serão intensamente afetadas”, Lustman recordou a significativa contribuição financeira do setor para o esquema de solidariedade nacional na resposta à crise sanitária e disse que a FFA está a analisar os “vários impactos no sector”. As perdas em diferentes setores económicos (como a indústria automóvel), os sinistros não pagos, a depreciação de ativos ou o custo dos gestos de solidariedade do setor pesarão sobre a situação financeira das seguradoras, assinalou a responsável.
Além do efeito na indústria de seguros, o sistema de previdência (Segurança Social) antecipa um desequilíbrio financeiro colossal no termo do exercício fiscal. Face ao andamento dos gastos, um relatório oficial estima que a Previdência francesa encerre 2020 com um défice acumulado superior a 31 mil milhões de euros só no seguro Doença. Um ano antes, o défice nesta rubrica foi de 1,46 mil milhões de euros. A evolução projetada mostra “uma degradação excecional”, refere o jornal Le Monde citando o documento da comissão de contas da Segurança Social francesa (CCSS).
Além dos seguros saúde do sistema de previdência, os outros três ramos do regime geral – família, seguro de velhice, acidentes de trabalho e doenças profissionais (AT-MP) – também estarão ameaçados de fechar o ano no vermelho. O mesmo se aplica ao Fonds de Solidarité Vieillesse (FSV), que paga as contribuições para a reforma dos desempregados e a pensão mínima de velhice.
“Nunca antes a Segurança Social sofreu uma deterioração tão brutal e rápida das suas contas”, reproduz o diário francês citando o relatório da comissão de contas da Sécu francesa.
Juntando o défice estimado para o regime geral de previdência ao desequilíbrio antecipado para para o FSV, o buraco previsto pode atingir 52 mil milhões de euros no final do ano, ou 10 vezes mais o que estava previsto na lei de financiamento da previdência francesa para 2020.
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