UTAO acusa Governo de “intromissão” ao Parlamento com alteração à Lei de Enquadramento Orçamental
A UTAO acusa o Governo de se intrometer no processo legislativo do Parlamento com uma alteração à LEO. A Comissão Europeia diz que está a analisar se mudanças cumprem diretiva de 2011.
A proposta de lei do Governo que altera a Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) prevê que a UTAO passe a realizar um estudo a todas as iniciativas legislativas dos deputados que tenham um impacto orçamental superior a 0,01% da despesa pública. Para a Unidade Técnica de Apoio Orçamental esta é uma “intromissão” do Executivo no processo legislativo parlamentar que constitui um “bloqueio” à atividade dos técnicos.
Em causa está a proposta entregue na semana passada, e noticiada pelo ECO, pelo Governo na Assembleia da República para adiar novamente a implementação da LEO de 2015, mas também para fazer mudanças estruturais à nova lei das finanças públicas que visa promover a transparência e a responsabilidade. Num relatório em que arrasa a proposta, apelidando-a de um “retrocesso”, a UTAO critica também uma alteração proposta pelo Executivo que afeta a sua atividade diretamente.
Trata-se da obrigação da UTAO fazer um “estudo de avaliação do impacto” de todas as propostas dos partidos com assento parlamentar, seja fora ou dentro da sede da discussão do Orçamento do Estado, que tenham um impacto orçamental acima de 0,01% da despesa pública, o que corresponde a cerca de 9 milhões de euros com base nos números de 2019. Para os técnicos do Parlamento especialistas em finanças públicas esta “é uma intromissão na organização interna da AR e no próprio processo legislativo parlamentar”.
Mais: “Do ponto de vista político, a UTAO não julga, mas constata alguma surpresa por ver o Governo sugerir uma alteração ao modo como outro órgão de soberania se organiza internamente para participar no processo legislativo”, lê-se no relatório entregue esta quinta-feira à comissão de Orçamento e Finanças. Se aprovado este artigo, a UTAO prevê que “ficará bloqueada e nada mais fará do que avaliação de impacto orçamental”.
“Percebe-se a intenção subjacente a esta proposta, mas o meio escolhido para reduzir substancialmente o número e a dimensão financeira das iniciativas legislativas da AR é completamente irrealista e inadequado“, argumenta a entidade liderada pelo economista Rui Nuno Baleira, argumentando que, desde logo, a UTAO não tem “condições nem vislumbra a possibilidade de as vir a ter a curto prazo” para efetuar esse trabalho. A Unidade tem apenas cinco analistas e “um programa intenso de atividades”, além de não ter acesso a vários dados da administração pública.
Os técnicos do Parlamento dão o exemplo do que aconteceu durante o OE 2020 em que mais de mil propostas foram entregues pelos partidos em poucos dias, além das outras milhares de propostas que surgem fora do âmbito do orçamento ao longo do ano. “Para dar cumprimento a este artigo, nem quiçá dez UTAOs com a escala da atual chegariam, devendo o legislador ter consciência que, em média, várias semanas seriam necessárias para avaliar com seriedade profissional cada proposta, já para não falar no tempo indispensável para os serviço das AP [administrações públicas] fornecerem à UTAO os dados necessários”, apontam.
Comissão Europeia está a analisar se alterações cumprem diretiva de 2011
Questionada pelo ECO sobre a proposta do Governo, porta-voz oficial da Comissão Europeia esclareceu que está a analisar a proposta do Governo à LEO de 2015 para apurar se estas não colocam em causa uma diretiva de 2011.
“A Comissão está atualmente em diálogo com as autoridade nacionais portuguesas sobre este assunto como parte da sua análise sobre se a versão da Lei de Enquadramento Orçamental que está em vigor e a que está a ser adiada estão totalmente em linha com os requisitos da diretiva [europeia] sobre o enquadramento orçamental de 2011″, responde um porta-voz de Bruxelas.
Esta diretiva define os princípios básicos das características que as leis de enquadramento orçamental dos Estados-membros têm de ter. Estes requisitos estão desenhados para que os Estados-membros cumpram as obrigações que estão estabelecidas no Pacto de Estabilidade e Crescimento, tanto no défice como na dívida pública.
“Isto tornou-se uma matéria de ainda maior importância dada a necessidade de se focar na despesa [pública] orientada para o crescimento que iria ajudar à recuperação económica“, concluiu o porta-voz da Comissão Europeia.
Finanças justificam adiamento da entrega do OE com a necessidade de maior informação
Questionado pelo ECO, o Ministério das Finanças justificou uma das alterações desta proposta de lei, o adiamento da entrega do Orçamento do Estado, com a necessidade de ter acesso a mais informação. “A data de entrega a 1 de outubro inviabiliza a incorporação de indicadores fundamentais para a preparação do OE, atendendo a que estes indicadores apenas estão disponíveis no final de setembro como por exemplo em contas nacionais os dados do primeiro semestre do ano e os dados finais do ano anterior”, responde. Esta é “informação crítica para a elaboração do OE”.
O gabinete de João Leão confirma também que o novo adiamento, tal como noticiado pelo ECO, faz com a “implementação integral da Lei de Enquadramento Orçamental” ocorra apenas em 2023. “No entanto, refira-se que parte importante das suas alterações já se encontra em prática”, assinala o Ministério, dando o exemplo da “adoção da contabilidade financeira (inclusive para efeitos da prestação de contas de 2020) e preparação do Orçamento do Estado para 2021 já com as alterações previstas”.
E porquê o adiamento? O Governo volta a justificar, tal como quando adiou em 2018, com a complexidade do processo. “Em 2015, aquando da aprovação da LEO, já era amplamente reconhecido que o seu prazo de aplicação era extremamente ambicioso”, diz, referindo que “a experiência internacional é inequívoca quanto a horizontes de aplicação destas reformas incompatíveis com prazos de 3/5 anos”. “É importante salientar que estas reformas implicam alterações profundas em todos os sistemas de informação das administrações públicas, o que é um processo extremamente exigente”, conclui.
(Notícia atualizada às 11h45 com as respostas do Ministério das Finanças)
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