Megaprocessos vão existir enquanto houver “megacriminosos”
"Em muitas situações seja possível dividir a acusação por vários processos", diz o presidente da ASIP. Mas só será possível acabar com megaprocessos quando não houver "megacriminosos".
O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) admitiu que há situações em que é possível separar inquéritos-crime, mas contrapôs que o sistema judiciário tem de estar preparado para megaprocessos enquanto Portugal tiver “megacrimes e megacriminosos”.
“Para esses casos, o Ministério Público, as polícias e os tribunais têm de ter mais meios. Mas é essencial encontrar maneira de o sistema ser mais eficaz, sem pôr em causa princípios fundamentais e direitos de defesa. Acredito que em muitas situações seja possível dividir a acusação por vários processos. Condenar ou absolver 10 ou 15 anos depois dos factos não é justiça“, comentou Manuel Soares sobre a medida de Estratégia Nacional de Combate à Corrupção (ENCC) que visa facilitar a divisão de processos na fase de investigação.
Quanto à intenção de colocar em prática acordos de sentença entre Ministério e arguido/denunciante, com base na confissão integral dos factos ilícitos, o presidente da ASJP sublinhou não ter “nada contra a possibilidade de introduzir na lei mecanismos de `justiça negociada’ (que os juízes já propuseram para discussão em 2009), mas realçou que exige a Constituição que as penas sejam aplicadas por um tribunal independente e imparcial.
Tal aplicação pelo tribunal – acrescentou – será feita em função “da ponderação da culpa e dos factos, num julgamento público e por decisão fundamentada e sindicável (o que está estabelecido como garantia dos cidadãos)”.
“Não consigo conceber um sistema em que a pena seja negociada entre o MP e o arguido, num momento de negociação reservado e não controlável, e ao tribunal fique reservado o papel de carimbar automaticamente esse acordo. Não vejo como isso possa respeitar a Constituição e ser útil para combater a corrupção”, enfatizou Manuel Soares.
Questionado sobre o alargamento do prazo para a proibição do exercício de funções públicas, aplicada a titulares de cargos públicos que cometam crimes de media e alta gravidade, parece-lhe uma medida acertada da ENCC e socialmente bem acolhida.
Confrontado se as medidas de prevenção e repressão anunciadas no âmbito da ENCC são suficientes para que a luta contra a corrupção e crimes conexos se revele eficaz, Manuel Soares mostrou-se cauteloso, dizendo: “Antes de se conhecerem em concreto as alterações legislativas propostas, é cedo para saber. Neste momento, estamos ainda a falar no milésimo anúncio de um pacote anticorrupção e o histórico de paixões políticas inconsequentes aconselha-nos a ter prudência”.
De todo o modo, disse fazer “parte do grupo de portugueses que quer acreditar que agora é que vai ser”.
O presidente da ASJP deixou claro que o programa anunciado pelo governo é de “óbvia utilidade”, mas adiantou: “Custa é perceber porque demoramos tantos anos a anunciar programas e depois outros tantos, com sorte, para os implementar”.
A separação de processos na fase de investigação, evitando megaprocessos, e a celebração de acordos sobre a pena aplicável em julgamento, com base na confissão, foram duas das principais medidas contidas na Estratégia Nacional de Combate à Corrupção apresentada na quinta-feira pelo Governo.
A estratégia propõe alguns ajustes nos mecanismos penais que já existem em Portugal, como a dispensa de pena, a atenuação da pena ou a suspensão provisória do processo, com a ministra a salientar que se pretende que estas soluções sejam aplicadas na prática e auxiliem à investigação.
A ENCC pretende também criar um mecanismo anticorrupção com poderes de iniciativa, controlo e sancionamento no âmbito do regime geral de prevenção da corrupção e com atribuições ao nível da recolha e tratamento de informação e da organização de atividades entre entidades públicas e entidades privadas relacionados com a corrupção.
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