E se tudo correr mal? É isto que acontece ao Orçamento de Leão
As projeções para o PIB, dívida e défice já são fortemente afetadas pela pandemia. Mas há riscos que poderão agravar ainda mais a situação, segundo revelam as contas do Governo.
Uma economia ainda fragilizada, mas que começa a recuperar, e uma dívida em máximos históricos para financiar o buraco gerado pela pandemia nas contas públicas. É este o cenário em que Portugal no próximo ano, segundo as expectativas inscritas pelo Governo no Orçamento do Estado para 2021. Estas projeções sobre a evolução da economia portuguesa encontram-se, no entanto, sujeitas a um “elevado nível de incerteza, associada à magnitude, abrangência e duração da situação pandémica e do seu potencial disruptivo sobre a economia”. Além de identificar os riscos, o Governo fez as contas para perceber o que aconteceria se tudo corresse mal.
A pandemia é, sem surpresas, o maior risco que o ministério liderado por João Leão aponta para a sustentabilidade da economia e dívida pública. “A esta incerteza acresce ainda outros fatores de risco descendente, nomeadamente a potencial rigidez na reafetação de recursos (para setores em expansão), o impacto das políticas nacionais nas cadeias de produção internacionais (na sequência de um eventual agravamento da situação pandémica) e a eventual perda de confiança dos agentes económicos“, explica.
O agravamento das contas públicas devido ao impacto de medidas de política orçamental para mitigar os efeitos socioeconómicos da pandemia e do efeito dos estabilizadores automáticos ou a deterioração mais acentuada da qualidade dos ativos do sistema bancário poderão traduzir-se em “dificuldades de financiamento da economia e no agravamento dos canais de contágio associados à crise pandémica com consequências para a estabilidade financeira“, admite. O Governo aponta ainda eventuais conflitos comerciais entre a China e os EUA e entre a Rússia e a Europa, bem como dificuldades no acordo entre o Reino Unido e a Europa poderão ainda agravar o efeito da crise provocada pela Covid-19.
Em sentido contrário, políticas ajustadas à evolução da situação pandémica, bem como a coordenação global nas vertentes sanitária, comercial e financeira poderão ajudar a mitigar os riscos, sendo que a bazuca europeia — o plano de recuperação Europa 2021-2027 — é o principal fator com potencial efeito positivo. “Este mecanismo, de magnitude sem precedentes (5% do PIB da área do euro), irá prestar apoio financeiro durante o processo de recuperação, procurando promover em simultâneo uma transformação estrutural das economias afetadas por forma a aumentar a convergência e a resiliência da UE. Este plano terá um efeito direto na economia portuguesa e indireto por via da redução do impacto negativo da crise nas outras economias”, diz o Executivo.
Tendo em consideração estes fatores de incerteza, os técnicos do Governo estimaram, como é habitual no Orçamento do Estado, o impacto da materialização de alguns riscos externos e internos.
Cenário base inscrito no OE 2021
Mais 1 ponto percentual nos juros da dívida custa 360 milhões
Devido ao elevado endividamento do país, os custos do país com juros da dívida são sempre uma preocupação. A estratégia seguida nos últimos anos para a mitigação do risco de taxa de juro tem-se focado em alargar prazos e beneficiar do contexto de taxas de juro historicamente baixas devido aos estímulos do Banco Central Europeu. Após um período temporário de stress nos mercados no arranque da pandemia, os juros voltaram a cair permitindo ao país continuar a poupar nesta despesa. O Governo conta que haja nova descida no próximo ano: o OE 2021 indica que este encargo vai cair 5,9% no próximo ano para 6,6 mil milhões de euros, face a 7.015 em 2020.
“Com objetivo de avaliar o grau de incerteza que envolve a previsão de juros de dívida pública para 2021, foi conduzido, um exercício de análise de sensibilidade da rubrica de juros do Estado a um aumento imediato e permanente de 1 p.p. ao longo de toda a curva de rendimentos, a título meramente ilustrativo. De acordo com os resultados obtidos, um tal aumento traduzir-se-ia num aumento dos juros da dívida direta do Estado, em 2021, de aproximadamente 225 milhões de euros em contas públicas e 360 milhões de euros em contas nacionais (cerca de 0,11% e 0,17% do PIB, respetivamente)“, revela.
Subida das taxas reais ameaça consumo privado
Em simultâneo, as Finanças incluíram ainda na análise de sensibilidade estimativas a alterações nas taxas de juro reais de curto prazo. Um agravamento de 2 pontos percentuais no cenário base poderia levar a um crescimento do PIB inferior em 0,1 pontos percentuais, explicado maioritariamente por um menor crescimento do consumo privado (em resultado de um aumento dos custos de financiamento), parcialmente compensado por uma redução do crescimento das importações. Adicionalmente, seria esperada uma deterioração da balança de rendimentos primários, com um impacto significativo na capacidade de financiamento da economia. Contudo, os impactos no deflator do consumo e na taxa de desemprego seriam “negligenciáveis”.
Apreciação do euro agrava juros
Os juros do país não só influenciados pelas próprias taxas, mas também pelo risco de taxa de câmbio. As flutuações cambiais são seguidas de perto especialmente devido aos instrumentos da carteira de dívida denominados em moeda não euro, como é o caso das panda bonds, e potencial impacto no stock total de dívida.
As Normas Orientadoras para a Gestão da Dívida Pública e na Lei do Orçamento do Estado para 2020 impõem um limite máximo de 20% para a exposição cambial primária (não incluindo operações de cobertura de risco cambial), sendo que Portugal tem apenas 1,91%, sendo que o risco cambial dos títulos emitidos em moeda estrangeira está totalmente coberto por derivados.
Ainda assim, um movimento de depreciação (apreciação) do euro terá um impacto desfavorável (favorável) no saldo orçamental. A título de exemplo, uma depreciação do euro face ao dólar de 10% conduziria a um aumento dos juros em contas nacionais em cerca de 20 milhões de euros. Por seu turno, em contas públicas o impacto seria nulo, pela compensação dos fluxos financeiros de derivados.
Petróleo compromete impostos
O pressuposto usado no Orçamento do Estado é que o petróleo tenha um preço médio de 45,20 dólares por barril, nos mercados internacionais, em 2021, após uma média de 42,60 dólares este ano. Apesar de a tendência atual ser de desvalorização, eventuais conflitos geopolíticos ou uma estratégia mais restritiva dos produtores como resposta à pandemia poderá causar um agravamento dos preços. Um aumento de 20% teria um impacto negativo no crescimento do PIB de menos 0,2 pontos percentuais, por via da redução da procura interna.
“Este choque teria um impacto residual (+0,04 p.p.) no saldo das administrações públicas, sendo que o montante de receitas diminuía (excetuando como é óbvio as receitas com impostos indiretos como o ISP ou IVA que aumentariam) mas em percentagem do PIB aumentava (+0,2 p.p.)”. De igual forma, as despesas — apesar de contraírem em termos nominais (nomeadamente nos consumos intermédios e nas prestações sociais) — aumentavam em percentagem do PIB (em 0,2 p.p.), sobretudo por contraírem de forma menos acentuada que o PIB. Adicionalmente, o rácio da dívida pública agravar-se-ia em 0,6 pontos percentuais, essencialmente devido à contração do PIB.
Risco de crédito e refinanciamento limitados
A par do acompanhamento das variáveis de mercado, designadamente da negociabilidade, liquidez e manutenção de uma curva de referência da República Portuguesa, é também feita uma monitorização do perfil de refinanciamento da carteira de dívida. A análise aos limites absolutos impostos à percentagem da carteira a vencer nos prazos de 12, 24 e 36 meses, das Normas Orientadoras para a Gestão da Dívida Pública, são integralmente cumpridos. Já o risco de crédito — que é coberto pela contratação de operações com instrumentos derivados, repôs e aplicações no mercado monetário — tem-se mantido igualmente abaixo do limite global estabelecido. A 31 de agosto de 2020, a exposição a risco de crédito era de 195 milhões de euros, que correspondia a 2,5% do limite global.
Procura externa põe PIB em risco, mas não afeta emprego
No que diz respeito ao PIB e ao saldo orçamental, a primeira alteração que as Finanças estimam está relacionada com as exportações, um dos fatores que mais pesa na economia portuguesa e que está a ser fortemente afetada pela pandemia. “Uma diminuição da taxa de variação em volume da procura externa em 2 p.p. [pontos percentuais] resultaria num menor crescimento do PIB (-0,3 p.p.), com efeitos muito residuais na taxa de desemprego e no saldo orçamental, a penúltima muito por causa da diminuição da população ativa (-0,1 p.p.) e o último porque quer a receita quer a despesa teriam uma variação de 0,1 p.p.”, explica.
Esse aumento do peso da receita no PIB deve-se, sobretudo, ao facto da queda deste ser mais acentuada que a queda das receitas públicas, o que leva a que a evolução da receita em função do produto seja positiva. A dívida pública iria aumentar 0,4 pontos percentuais (ou seja, para 131,3%) pelo efeito duplo da redução nominal do PIB e, em menor escala, da deterioração do défice.
Já do lado da procura interna, é estimado o impacto de uma quebra de 0,5 p.p. face ao cenário base. Esta diminuição — relacionada essencialmente com o menor dinamismo do consumo privado, mas também das importações — implicaria menos 0,3 pontos percentuais de crescimento do PIB. “O impacto também se refletiria numa recuperação do saldo da balança comercial, e da capacidade de financiamento da economia. Relativamente ao mercado de trabalho, o efeito seria negativo, levando a um ligeiro aumento da taxa de desemprego em 2021, sendo a sua reduzida dimensão explicada pela existência de um desfasamento temporal neste efeito. O impacto no deflator do consumo privado seria pouco significativo”, explicam as Finanças.
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