É uma corrida “sem precedentes”, conta portuguesa a investigar vacina contra a Covid-19
Helena Florindo, que coordena uma equipa de investigadores para criar uma vacina contra a Covid-19, admite que efeitos adversos "vão certamente surgir", mas garante que não se estão a saltar passos.
Milhares de cientistas por todo o mundo procuram uma solução para a pandemia e há portugueses na “corrida” mais observada do mundo. Há cerca de 200 vacinas em desenvolvimento, a nível global, sendo que processos que normalmente demorariam anos estão a ser acelerados devido à urgência da situação. Helena Florindo, que coordena uma das equipas portuguesas para o desenvolvimento de uma vacina, admite que “efeitos adversos certamente vão surgir”, mas acredita que as medidas de “segurança ou eficácia” não serão esquecidas. Mais conservadora nas estimativas do que a Organização Mundial de Saúde (OMS), a investigadora antecipa uma vacina para o início do próximo ano.
Helena Florindo é professora de Farmácia Galénica e Tecnologia Farmacêutica da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa e, até fevereiro deste ano, liderava uma equipa dedicada ao desenvolvimento de vacinas contra o cancro. Contudo, a pandemia do novo coronavírus trocou as voltas às investigações.
A colaborar com a investigadora israelita Ronit Satchi-Fainaro, do Cancer Research & Nanomedicine Laboratory da Universidade de Tel Aviv, Helena Florindo decidiu testar se a vacina que estavam a desenvolver conseguiria também induzir uma resposta imunológica contra o SARS-CoV-2, vírus que provoca a doença Covid-19. “Tentámos caracterizar o mecanismo de ação e vimos que também induzia a ativação de linfócitos B, que são aqueles que levam à produção de anticorpos”, explica a investigadora ao ECO. O resultado animador levou as cientistas a redirecionarem esforços por acreditavam que as nanovacinas antitumorais que estudavam há cinco anos poderiam funcionar como base para a investigação de uma vacina para a Covid-19.
Para se chegar à vacina contra a Covid-19 é necessário encontrar antigénios (partículas estranhas ao organismo) que consigam provocar uma resposta imunitária protetora no indivíduo em que seja administrada. O objetivo é dar a conhecer o coronavírus ao corpo, permitindo-lhe aprender como o combater. Há diferentes formas de o fazer: alguns fármacos usam uma versão fraca ou inativada do vírus para o “apresentar” ao corpo, enquanto outros utilizam fragmentos de proteínas para estimular a resposta imunológica. A vacina de Helena Florindo e de Ronit Satchi-Fainaro inclui-se no segundo grupo. “Neste momento, já temos resultados a nível pré-clínico (em ratinhos) para cerca de 13 desses nossos candidatos”, explica a professora de Farmácia da Universidade de Lisboa, adiantando, que, em paralelo, estão a trabalhar “na translação do produto” para que consigam produzir a vacina em larga escala e possa “ser testada posteriormente em ensaios clínicos”, isto é, já em humanos.
A “corrida” global para uma vacina contra o novo coronavírus conta atualmente com 198 potenciais vacinas contra a Covid-19: 156 em avaliação pré-clínica (sem testes em humanos) e 42 em avaliação clínica (com testes em humanos, em diferentes etapas – fases 1, 2 e/ou 3, sendo que em cada uma destas fases é aumentada a amostra de voluntários), de acordo com os últimos dados da OMS, publicados a 15 de outubro. Trata-se de um trabalho que exige recursos e muitos anos de testes. Pode mesmo demorar mais de dez anos desde a descoberta das potenciais vacinas até à aprovação e chegada das primeiras doses à população e um investimento em torno de 500 milhões de dólares, segundo estimativas do Wellcome Trust, uma instituição filantrópica que financia investigação científica a partir de Londres.
Não digo que seja impossível [que haja vacina ainda este ano] porque a pandemia veio provar que nada é impossível. Aquilo que acho mais provável que aconteça é haja essa vacina disponível no início do ano que vem.
Com despesas incomportáveis, estas investigações são muitas vezes financiadas por fundos de investimento, bancos ou entidades governamentais. Foi o caso desta investigação, que conseguiu o financiamento da Fundação La Caixa, no valor de 300 mil euros, apenas para aplicar no processos que envolvem a entrada nos ensaios clínicos, isto é, toda a parte do scale up da vacina, a parte regulamentar e a consultoria. Mas quando entrarem nos ensaios clínicos “estamos a falar de uma ordem de valores distinta, na ordem dos milhões“, adianta Helena Florindo.
Com a situação epidemiológica a agravar-se a cada dia, a comunidade científica tenta dar resposta às preocupações do mundo fazendo com que o processo esteja a ser acelerado de uma forma que, de acordo com Helena Florindo, “não tem precedentes”. Segundo a investigadora, “esta velocidade muito mais acelerada” deve-se não só ao facto de haver “uma partilha de informação muito grande, com os papers a ser disponibilizados mais rapidamente, bem como à “enorme entreajuda” entre investigadores, universidades, indústrias farmacêuticas e reguladores.
Mesmo as multinacionais que estão em fases mais avançadas não irão submeter um pedido de aprovação daquela vacina se não tiverem indicações fortes de que, a nível da segurança, a vacina tem uma resposta segura. Efeitos adversos certamente vão surgir.
Apesar da pressa em chegar a um resultado positivo, a investigadora acredita que “não se estão a saltar passos” importantes no que “toca à segurança e eficácia da vacina”. Desvaloriza as preocupações quanto à pressão da indústria farmacêutica sobre a União Europeia para ficar isenta de ações judiciais caso se verifiquem problemas como algumas dos fármacos e classifica como “normal” a suspensão de três ensaios clínicos de eventuais vacinas para a Covid-19. “Efeitos adversos certamente vão surgir”, diz, lembrando que há uma “avaliação forte e severa dos efeitos adversos”.
E mesmo com a comunidade científica a trabalhar em “contrarrelógio”, a vacina não vai chegar para já. O diretor-geral da OMS diz ter “esperança” de que uma vacina contra a Covid-19 possa chegar ainda este ano, a investigadora é mais comedida e aponta para o início de 2021. “Não digo que seja impossível [que haja vacina ainda este ano]. Aquilo que acho mais provável que aconteça é haja essa vacina disponível no início do ano que vem“, atira, acrescentado que “vai depender da forma como esses ensaios que já estão em fase três vão acontecer”.
Mais cedo ou mais tarde, certo é que a primeira vacina a ser aprovada pelos reguladores não deverá ser a única a ser produzida pois serão precisos “milhões de doses” para que exista disponibilidade “em diferentes países” e há populações específicas que provavelmente vão precisar de vacinas com mecanismos de ação diferente. “Por exemplo, doentes cuja resposta imunológica é mais debilitada vão precisam de vacinas que induzam a produção de anticorpos com maior afinidade do que aquelas que normalmente são disponibilizadas”, conclui Helena Florindo.
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