Estado paga entre 10 mil e 50 mil euros por ventiladores no espaço de um mês
O Tribunal de Contas nota que existem discrepâncias na aquisição de material de combate à pandemia, nomeadamente no preço de máscaras cirúrgicas e FPP2, bem como na compra de ventiladores.
O Tribunal de Contas (TdC) aponta que existem discrepâncias na aquisição de material de combate à pandemia, nomeadamente no preço de máscaras cirúrgicas e FPP2, bem como na compra de ventiladores por parte do Estado. No espaço de um mês, as máscaras cirúrgicas chegaram a custar o dobro aos cofres do Estado, ao passo que os ventiladores quase cinco vezes mais.
“Alguns contratos têm um objeto semelhante, mas apresentam preços diversos para produtos similares (e.g. aquisição de “máscaras cirúrgicas” entre 0,65 e 1,58 euros, de “máscaras FFP2” entre 2,20 e 3,49 euros e de “ventiladores” entre 10 mil e 49 mil euros)”, nota o Tribunal no segundo relatório intercalar sobre os contratos abrangidos pelo regime de exceção, que analisou as adjudicações e os contratos outorgados por entidades sedeadas em todo o território nacional, publicitados no portal BASE e comunicados ao tribunal presidido por José Tavares entre junho e setembro de 2020.
Assim, de acordo com a análise deste organismo é possível constatar que há “preços diversificados para produtos similares”. No que toca às máscaras cirúrgicas, e entre os exemplos selecionados pelo TdC, há casos em que máscaras compradas a 16 de julho do ano passado custaram 0,65 euros cada aos cofres do Estado. E, menos de um mês depois, a 7 de agosto, custaram mais do dobro, isto é, 1,58 euros. O tribunal sublinha, contudo, que no trimestre anterior os preços destes equipamentos de proteção individual “tinham oscilado entre os 0,49 euros e os 2,5 euros”.
A oscilação repete-se nas máscaras FFP2, ainda que seja menos significativa. Assim, “o preço unitário variou entre os 2,20 euros e os 3,49 euros”, sendo que estas discrepâncias acontecem em diferentes contratos celebrados no mesmo dia — 18 de setembro. Contas feitas, são 1,29 euros de diferença. Com a chegada do surto a Portugal, o frenesim pela procura de máscaras, geles desinfetantes e álcool levou a que os stocks começassem a ficar escassos e os preços a dispararem. Por isso, o Executivo decidiu limitar a margem de lucro destes produtos em 15%, por forma a evitar preços inflacionados. Posteriormente, o presidente do PSD, Rui Rio, decidiu propor a redução do IVA nas máscaras de proteção e gel desinfetante para a taxa mínima, de 6%, que foi aceite pelo Governo.
Mas é nos ventiladores, um dos equipamentos fundamentais para o tratamento de pacientes em cuidados intensivos, que se registaram as maiores oscilações. Entre junho e setembro, o Estado adquiriu 424 ventiladores, sendo que o preço de cada um destes equipamentos variou entre dez mil euros (no caso do contrato celebrado a 7 de junho de 2020) e 49.477.74 euros (no caso do contrato de 21 de julho de 2020). No espaço de pouco mais de um mês, os equipamentos chegaram a custar quase cinco vezes mais ao Estado.
No relatório o Tribunal de Contas não avança com uma explicação para esta discrepância de preços — se tem a ver com as diferenças entre oferta e procura ou, por exemplo, com a qualidade dos ventiladores. Ao contrário de outros documentos do TdC, neste não existe a figura do contraditório e por isso não é conhecida a posição do Governo. O ECO contactou o Ministério da Saúde para obter uma explicação sobre esta discrepância, mas o gabinete de Marta Temido optou por não fazer qualquer comentário.
Saúde responsável por mais de 80% do montante dos contratos assinados
As várias entidades públicas portuguesas (Estado, empresas públicas, institutos, municípios, regiões, etc.) adjudicaram 375 milhões de euros ao abrigo dos regimes de exceção que aceleraram a compra de bens e serviços urgentes a fornecedores por causa da pandemia. Dos 7.881 negócios celebrados entre junho e setembro, 224 (2,8%) representam contratos isentos de fiscalização prévia — isto é, não tiveram de passar pelo “crivo” do TdC e são, por isso, uma forma mais expedita, embora temporária, para poder munir os serviços públicos de meios de resposta à crise pandémica –, que “com cerca de 290 milhões de euros, representaram 77,4% do total”.
Neste sentido, a Administração Central representa o montante mais elevado da contratação pública, sendo que a saúde representa a maior fatia, seguida da Administração Local, Justiça e Defesa. Assim, o Ministério da Saúde foi responsável por 84,1% (315 milhões de euros) do montante gasto nos contratos públicos e “por 30,6% do número de contratos (2.409), incluindo a maioria dos contratos isentos de fiscalização prévia (207)”.
Numa análise mais final, a instituição liderada por José Tavares revela ainda que o setor público empresarial e a administração central continuam a destacar-se no que toca às entidades adjudicantes, com 237 milhões e euros e 99 milhões dos montantes contratados, respetivamente. Além disso, estes dois setores são também responsáveis por 71,4% e 25% dos contratos isentos de fiscalização prévia, respetivamente. “Aliás, os 25 contratos de montante mais elevado são todos contratos IFP (isentos de fiscalização préviaL), dos quais 23 celebrados por entidades da área da saúde”, sinaliza o TdC.
Não obstante, a Embeiral e Guangdon foram as duas empresas que adjudicaram os maiores montantes, contudo, não contam no grupo das 25 com o maior número de contratos, ao passo que “apenas duas (Gilead Sciences e Werfen Portugal, Lda) integram, simultaneamente, os grupos de maior montante e de maior número de contratos”, assinala o relatório.
Além disso, do grupo das 25 empresas com o maior número de contratos celebrados, os maiores montantes são relativos do setor das farmacêuticas (70 milhões), seguidas pela construção civil (33 milhões), do comércio de equipamentos médicos (31,8 milhões de euros) e da limpeza (17,5 milhões).
A par desta análise, o TdC sinaliza que “permanecem as insuficiências” na publicitação e na comunicação dos contratos (publicitados no Portal Base, mas não comunicados ao Tribunal e vice-versa), que já tinham sido detetados no primeiro relatório intercalar. O Ministério da Saúde comprometeu-se, em julho, na sequência do primeiro relatório, a elaborar e publicitar, no site dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, “um relatório conjunto sobre as aquisições efetuadas ao abrigo deste regime especial e o respetivo circunstancialismo, justificando a impossibilidade ou grave inconveniência do recurso a outro tipo de procedimento, no prazo de 60 dias após o período de vigência deste regime excecional”.
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