Almofada financeira aumenta dez mil milhões em ano de pandemia. Porquê e para quê?
Foi em 2015 que a ex-ministra Maria Luís Albuquerque usou a expressão "cofres cheios". Cinco anos depois, o IGCP mais do que duplicou a almofada financeira em plena crise pandémica. Porquê e para quê?
A expressão “cofres cheios” usada pela ex-ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, em 2015 volta a fazer sentido agora que o IGCP reforçou a almofada financeira para níveis historicamente elevados. No final de 2020, era de 17 mil milhões de euros, o valor mais alto dos últimos anos e mais do dobro do final de 2019 (6,8 mil milhões de euros). Ao ECO, a presidente do IGCP justifica-o com o défice abaixo do esperado e um reembolso de dívida mais cedo do que o habitual em 2021. Não se conhece uma estimativa do custo de manutenção desta almofada financeira, mas será inferior à de anos anteriores por causa da redução dos juros.
“Superou as projeções na medida em que execução orçamental se revelou mais favorável que as estimativas iniciais e o esforço de centralização da tesouraria do Estado continuou a registar progressos”, isto é, os excedentes de tesouraria das várias entidades públicas estão cada vez mais centralizados no IGCP, explica Cristina Casalinho, acrescentando que “devido à maturidade da OT em abril de 2021, ao contrário de junho como nos últimos anos, o pré-financiamento do reembolso implicaria que, no final do ano 2020, tudo o resto constante, o excedente de tesouraria do Estado seria mais elevado que em anos anteriores“.
O Ministério das Finanças corrobora esta explicação, admitindo que “sobretudo a partir do verão, com a recuperação da atividade económica, a execução orçamental revelou-se mais favorável que as estimativas iniciais”. Em resposta ao ECO, o gabinete de João Leão argumenta que “o nível da ‘almofada financeira’ não deve ser considerado em termos absolutos, mas sim em comparação com as necessidades de financiamento previstas para os 12 meses seguintes (medidas em termos brutos, ou seja, considerando as necessidades subjacentes ao Orçamento e também o pagamento da dívida que vence nesse período)“. Em 2021, as necessidades líquidas de financiamento “continuarão a ser exigentes no contexto da pandemia Covid-19″. Ao todo, irão vencer 12 mil milhões de euros, acima dos 8 mil milhões de 2020.
Mas há mais razões que podem justificar um nível historicamente elevado da almofada financeira. Desde logo, é uma atitude “prudente” porque a crise pandémica aumentou “bastante” os níveis de endividamento do Estado, afirma ao ECO Filipe Garcia, analista da IMF, referindo que “se fosse investidor de dívida portuguesa, gostava de ver essa almofada” uma vez que dá confiança de que o país conseguirá navegar um período mais atribulado, ainda que não se preveja uma situação dessas no curto prazo. “A almofada deve sempre existir dado que é como uma espécie de seguro, mas podemos discutir se é muito ou pouco“, argumenta.
O analista acrescenta ainda outras razões como a preocupação do IGCP relativamente ao Brexit, processo que podia “não correr bem”, e o aumento da almofada serviria para “prevenir males maiores”. Além disso, estes “cofres cheios” permitem dizer aos investidores que Portugal, um país com uma “situação económica frágil”, tem uma “defesa de curto prazo para navegar uma tempestade”. Para Filipe Garcia, tanto a almofada financeira como o perfil de reembolsos, que diz ser “muito equilibrado” — antecipando que a agência irá adiar reembolsos dos anos mais “cheios” –, mostram que o IGCP tem a estratégia “acertada”.
Almofada financeira atinge pico em ano de pandemia. Rácio da dívida seria de 128,9% do PIB sem reforço
Há duas formas de ver a almofada financeira: através dos depósitos das administrações públicas (conceito mais lato) divulgados mensalmente pelo Banco de Portugal ou através do saldo de depósitos no final do ano do IGCP que apenas se refere ao subsetor Estado (que representa apenas uma parte das administrações públicas). Este último indicador é o utilizado pelo IGCP, o Governo e os investidores.
No caso dos dados do IGCP, os 17 mil milhões de euros representam a maior almofada financeira dos últimos anos, não tendo sido possível conhecer dados mais antigos. Ainda assim, com base nos dados disponíveis, é possível concluir que é superior aos 12,4 mil milhões de euros no final de 2014, por exemplo, ou aos 10,2 mil milhões de euros em 2016. Face a 2019, o aumento é de 10,2 mil milhões de euros num só ano.
No caso dos dados do Banco de Portugal, o valor em si de 23,9 mil milhões de euros está próximo dos 22,5 mil milhões de euros do final de 2016, mas em termos de peso (em % da dívida bruta) a almofada financeira está em linha com o que se registava antes de 2017.
Certo é que este aumento significativo da almofada financeira explica uma parte da subida do rácio da dívida pública para os 133,7%, como revelaram recentemente os dados do Banco de Portugal. Sem o reforço da almofada financeira registado em 2020 (9,4 mil milhões de euros), o rácio da dívida pública tinha ficado nos 128,9% do PIB. Indo mais longe, se Portugal não tivesse qualquer almofada financeira, o rácio seria de 121,9% do PIB.
No início de 2021, os “cofres cheios” devem ter ficado ainda mais reforçados com as duas emissões de longo prazo: primeiro, o IGCP emitiu 1.250 milhões de euros a 10 (pela primeira vez com taxa negativa) e a 15 anos e, mais recentemente, três mil milhões de euros a 30 anos com uma taxa de juro de 1%. Estes 4.250 milhões de euros ainda não terão saído dos cofres do IGCP, podendo ser utilizados para o reembolso de abril de oito mil milhões de euros. E a almofada seria ainda maior se a agência não tivesse cancelado emissões no final de 2020 por causa dos três mil milhões de euros recebidos através do SURE, o programa de apoio ao emprego da Comissão Europeia através de empréstimos.
Em 2021, de acordo com a última apresentação do IGCP aos investidores, a ideia é terminar o ano com uma almofada financeira inferior, de 10,4 mil milhões de euros. Ou seja, a agência vai buscar 6,7 mil milhões de euros aos “cofres cheios”, diminuindo a necessidade de emissões durante este ano. Ao todo, as necessidades de financiamento do Estado em 2021 atingem os 25,6 mil milhões de euros.
Custo de manter a almofada financeira deverá ser inferior a 1%
Face ao nível elevado da almofada financeira, qual será o custo de a manter? Este “seguro” do Estado português tem um custo, mas não é claro qual. “O custo depende da métrica que for escolhida”, assume a presidente do IGCP em resposta ao ECO, considerando duas hipóteses.
Uma primeira opção é considerar o custo médio da dívida emitida em 2020, que se situou nos 0,5%. A segunda opção é considerar o custo de financiamento de curto prazo — “considerado o instrumento ideal para ajustamento de variações de tesouraria”, nota Casalinho –, “não seria um custo, mas ganho de 0,5% (os Bilhetes do Tesouro – títulos a 3, 6 e 12 meses – são emitidos a taxas negativas)”. No seu relatório anual de 2019, o IGCP usa três estimativas do custo da posição de tesouraria que vão de um custo de 293 milhões de euros a um lucro de 49 milhões de euros nesse ano. Mas esta é só a parte do financiamento, existindo ainda o custo de ter esse dinheiro depositado.
No mesmo relatório, o IGCP revela que continua a privilegiar as aplicações junto do Banco de Portugal para o saldo de depósitos da tesouraria central do Estado: 86% das disponibilidades da tesouraria do Estado encontravam-se depositadas em contas do BdP no final de 2019. O ECO sabe que o Estado não paga o mesmo juro por todo o dinheiro que lá está, mas no máximo, aplicando uma taxa de 0,5% a 17 mil milhões de euros, pagará 85 milhões de euros. Porém, é de referir que o saldo intra-anual varia pelo que não se pode assumir que a conta pode ser feita com o valor do final do ano, sendo este apenas um valor máximo. Ainda assim, é possível concluir que o custo deverá ser, neste momento, inferior a 1%.
Filipe Garcia lembra que, mesmo pagando ao Banco de Portugal, o dinheiro acaba por ficar nas mesmas mãos no sentido que o banco central distribuiu depois dividendos ao Estado com base nos resultados que tem em cada anos. “Prefiro estar a pagar por esses depósitos do que pagar mais pela dívida”, argumenta o economista, referindo que esta almofada dá confiança aos investidores e, assim, diminuiu o spread exigido por estes a Portugal.
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