Educação alternativa: aprender sem sala de aula

Aprender à distância, de mochila às costas ou com recurso a jogos são apenas alguns dos modelos de um ensino menos convencional mas mais adaptado ao contexto digital em que vivemos.

Quem disse que ensinar implica uma sala de aula, um professor, manuais ou testes a cada três ou quatro meses? Com métodos mais focados na aprendizagem (e não tanto na avaliação), no digital e também no mercado de trabalho, há escolas que ensinam de maneira diferente. E, às vezes, aprender nem implica que exista, de facto, uma escola.

Tendo em conta o atual e futuro contexto de trabalho, em que se trabalha cada vez mais remotamente, os horários caminham para uma maior flexibilidade e, em alguns casos, o “escritório” varia de localização consoante se desloque o trabalhador, aprender num regime mais tradicional pode anular um pouco dessa liberdade que os profissionais estão a exigir. Aliás, a flexibilidade e a possibilidade de trabalhar remotamente são fatores que estão a ganhar uma importância na atração de talento que nunca antes tinham tido.

No ensino, também há modelos que se transformam e se adaptam ao contexto cada vez mais digital em que vivemos. Ensina-se com recurso a métodos e ferramentas de educação consideradas alternativas, tornando a aprendizagem um processo mais personalizado, acompanhado e remoto. Numa mesa redonda organizada pela revista Fast Company, Steven Wolfe Pereira, CEO da empresa de edtech Encantos, afirmou que estamos perante uma mudança na educação tal como hoje a conhecemos. Estamos a passar da “padronização e testes” para um “foco na aprendizagem”.

“Se esta vai ser a era da IA [inteligência artificial], quais serão as competências fundamentais do século XXI? Temos de repensar as competências que estão a ser ensinadas em cada um dos estágios da educação para a vida”, referiu.

Universidades: skills para a vida

Nas universidades, a passagem forçada para um modelo de aulas online acabou por abrir portas pelas quais é importante continuar a avançar. A pandemia fez com que muitos destes estabelecimentos de ensino passassem a combinar os regimes de aulas online e aulas presenciais, apostando num sistema híbrido que pode perdurar num cenário pós-Covid.

Mas, além de redesenhar o modelo de ensino, também é importante rever os conteúdos que estão a ser transmitidos às próximas gerações a entrar no mercado de trabalho, sobretudo num mundo que é cada vez mais digital. Se é certo que em cinco ou dez anos, alguns dos trabalhos que hoje conhecemos deixarão de existir, as universidades têm de desempenhar um papel que ajude a combater o desemprego em massa, ensinando aquelas que serão as competências do futuro.

Na Universidade de Oxford, os esforços estão precisamente em incorporar competências para toda a vida nos programas curriculares. Quer isto dizer que um aluno que esteja a frequentar um curso de física, por exemplo, estará, ao mesmo tempo, a realizar uma formação prática e complementar sobre empreendedorismo, tecnologia ou capacidade de liderança.

Oxford University

Já a Rice University, na cidade de Houston, Texas, está a trabalhar para que todos os estudantes tenham a oportunidade de dispor, de forma gratuita, de um coach profissional de liderança da comunidade empresarial de Houston.

Bootcamps: conhecimentos atualizados, cooperação e resolução de problemas

Para quem quer enveredar pela área tecnológica, e entrar neste mercado com alguma rapidez, os bootcamps apresentam-se como um dos caminhos possíveis, podendo ser mesmo a resposta à necessidade de talento na transformação digital pós-pandemia.

Quem se propõe realizar um bootcamp pode, regra geral, esperar que sejam ensinadas tanto competências técnicas e específicas, como também competências de comunicação no local de trabalho e de resolução de problemas no mundo real. A formação é muito prática e acontece num curto período de tempo, havendo ainda espaço para adaptar o curso às necessidades do mercado.

É precisamente essa coordenação constante com o mercado de trabalho que faz com que os números de empregabilidade sejam bastante animadores para quem termina um bootcamp. No ano passado, mais de 75% dos alunos que concluíram os cursos de web development e UX/UI design na Ironhack conseguiram trabalho em menos de 90 dias, revela o relatório da escola de formação, auditado pela PwC.

Embora seja também verdade que ainda muitos empregadores valorizam currículos que tenham frequência no ensino universitário, existe um consenso crescente de que quem termina um bootcamp sabe trabalhar em equipa, resolver problemas e, por outro lado, possui conhecimentos mais atualizados.

Precisamente para atualizar conhecimentos, tomar decisões mais eficazes e otimizar o negócio, a Future.Works, juntamente com a Ironhack, desenvolveu o “Digital Boost”, um curso de três meses destinados às empresas que querem impulsionar o valor do seu negócio. “Big Data & Data Collection”, “Machine Learning & Artificial Intelligence” e “Design Thinking” são apenas alguns dos módulos do programa que prometem contribuir para um melhor entendimento e uma melhor aplicação de tecnologia.

Formação profissional: conhecimento e ferramentas práticas

A formação profissional é, também, uma modalidade de ensino alternativa, oferecendo o conhecimento e o conjunto de competências específicas para uma determinada ocupação. O objetivo dos programas de educação profissional é preparar os alunos para o ensino superior e/ou dar-lhes as competências necessárias para um trabalho.

E a procura por esta modalidade de ensino parece estar em crescimento. De acordo com os dados do Eurostat publicados durante o mês de novembro, entre os 17,7 milhões de estudantes a frequentar o ensino secundário na União Europeia em 2018, quase metade (48%) estava inscrito no ensino vocacional. Esta percentagem significa que 8,5 milhões de jovens entre os 14 e os 16 anos se encontravam nesta modalidade de ensino.

Na área das Tecnologias de Informação (TI), a Rumos foi pioneira na formação e certificação técnica em Portugal. Entre o seu leque de alunos estão finalistas do 12.º ano ou recém-licenciados, profissionais que pretendem enveredar pelas TI e, também, profissionais que pretendem atualizar, reciclar ou ver reconhecidas as suas competências através de uma certificação.

Formação ao longo da vida

Se grande parte da aprendizagem que recebemos já é feita durante a carreira, é provável que a tendência se acentue. A rápida e constante transformação do mundo e, claro, do mercado de trabalho, faz com que investir na formação ao longo da vida seja crucial.

O referencial 70:20:10, utilizado por milhares de empresas, promete explorar o potencial de aprendizagem de cada indivíduo, equipa ou organização a 100%, sustentando a mudança onde tem de acontecer: no contexto real do trabalho. Neste modelo, 70% do tempo é dedicado à aprendizagem pela prática e experiência em contexto de trabalho, o que inclui, por exemplo, simulações em contexto real, resolução de problemas e melhoria de sistemas e processos, 20% é para a aprendizagem social, implicando grupos de discussão ou mentoring, e, finalmente, os restantes 10% são de aprendizagem formal, estando o foco em conhecimentos críticos para o desempenho e no contacto com especialistas.

Inspirar as crianças a aprenderem as skills do século XXI

Os vários modelos de educação alternativa não surgem apenas nas fases mais avançadas da educação. Também nos primeiros estágios de ensino há organizações que, de alguma forma, inovam e ensinam com recurso a outros métodos de aprendizagem menos convencionais.

É o caso das edtech, que são escolas que combinam dois mercados: o da educação e o da tecnologia, com o objetivo de incorporar o uso da tecnologia na aprendizagem, seja através de produtos, softwares, apps ou outras ferramentas. A Encantos é uma destas empresas edtech que acredita que as crianças aprendem melhor através de séries, livros e jogos. O objetivo é transformar a educação, tornando-a mais acessível, interativa e facilitada.

A Ubbu traz código, criatividade e cidadania para a sala de aula (ou para a sala de estar). Os seus planos educativos são o primeiro passo no ensino de ciência da computação e programação, com o objetivo de preparar as crianças dos 6 aos 12 anos para o futuro, transformando-as em pensadores lógicos, agentes de resolução de problemas e cidadãos hábeis e conscientes.

O foco educacional está nos assuntos que a Ubbu considera cruciais para liderar a revolução tecnológica: ciências, tecnologia, engenharia, artes e matemática. Mais uma vez, uma forma diferente e alternativa de encarar o ensino, num modelo que tudo o que necessita é um computador ou tablet.

Gamificação da aprendizagem para aumentar interesse, interação e resultados

A gamificação é, assim, utilizada para inspirar as crianças, torná-las mais participativas e interessadas. Mas pode ser usada também para empresas. No fundo, são técnicas que viabilizam o aumento da atração, engagement, retenção e aprendizagem dos colaboradores, promovendo, ao mesmo tempo, um ambiente de interação entre colegas.

Na Codewars by Qualified, melhorar competências de programação implica resolver desafios de código reais com outros colegas. Com novas abordagens, mais criativas e otimizadas, tal como num jogo, a dificuldade aumenta à medida que se completam “níveis”, existem rankings e, também, “medalhas” de distinção.

Time off” para aprender

Optar por não seguir nenhum destes modelos ou formatos de ensino e preferir tirar algum tempo de descanso (produtivo) também é opção. É o caso do famoso ano sabático, também conhecido como gap year. Cansaço, vontade de ter uma experiência de vida diferente, querer ganhar novas competências, desejo de fazer voluntariado ou de aprender uma nova língua são algumas das muitas razões que levam trabalhadores e estudantes a optar por esta experiência.

A associação Gap Year Portugal e a VidaEdu têm como missão promover junto dos portugueses o ano sabáticoFreepik

Em Portugal, entre os docentes nas universidades a prática é comum, mas nos currículos da maioria dos profissionais nem tanto. Contudo, já existem várias entidades que ajudam a dar o passo. A Associação Gap Year Portugal e a VidaEdu são duas organizações que têm como missão promover junto dos portugueses esta pausa.

Entre os participantes estão jovens prestes a entrar no ensino superior, recém-licenciados que pretendem amadurecer e estar melhor preparados para enfrentar uma carreira profissional e profissionais que querem fazer uma pausa na carreira para aprender de uma forma menos convencional, fora da sua zona de conforto. No fundo, o “time off” pode ser aproveitado das mais variadas formas e pode revelar-se muito produtivo e enriquecedor, tanto a nível pessoal como profissional.

Seja em sala de aula, em casa com um professor no Zoom, com recurso a manuais, tablets ou mesmo de mochila às costas em viagem, investir em educação é cada vez mais fundamental. E a formação pode assumir vários formatos, inclusive os que, à partida, seriam menos convencionais.

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