Intervenção “enérgica” do Banco de Portugal teria evitado problemas no BES
Costa Pinto, autor do relatório secreto sobre a atuação do Banco de Portugal na queda do BES, adiantou que documento não foi objeto de discussão pelo supervisor "durante anos".
O relatório secreto sobre a atuação do Banco de Portugal na queda do BES, em 2014, ficou na gaveta do supervisor “durante anos”, revelou o seu autor na comissão de inquérito ao Novo Banco. Não mereceu qualquer discussão interna, disse João Costa Pinto, atirando uma crítica velada a Carlos Costa. “Para se mudar tem de se reconhecer que errou. Se não se reconhece, não se muda”. Costa Pinto desvendou ainda um pedaço do relatório confidencial: uma intervenção “mais enérgica” e atempada do Banco de Portugal teria evitado ou minimizado problemas no BES.
“Não consigo encontrar uma explicação para o destino que foi dado ao relatório. Só quem pediu [o governador Carlos Costa] poderá explicar as razões pelas quais o relatório, tanto quanto sei, não terá sido durante muito tempo, anos, objeto de qualquer discussão interna”, disse João Costa Pinto no arranque das audições da comissão de inquérito que visa apurar as perdas do Novo Banco que foram imputadas ao Fundo de Resolução.
“O Banco de Portugal devia ter procedido internamente a uma análise do relatório, foi para isso, no meu entendimento, que ele foi produzido”, acrescentou o ex-presidente do conselho de auditoria do Banco de Portugal.
Mais tarde, Costa Pinto afirmou que o Banco de Portugal “fez mal” ao não ter feito essa discussão interna, pois “teria permitido fazer uma avaliação do que correu mal”. E atirou: “Para se mudar tem de se reconhecer que errou. Se não se reconhece, não se muda. Porque é que a discussão não foi feita ou porque o relatório foi fechado? Não sei, não sou eu que devo responder a isso”.
"Não consigo encontrar uma explicação para o destino que foi dado ao relatório. Só quem pediu [o governador Carlos Costa] poderá explicar as razões pelas quais o relatório, tanto quanto sei, não terá sido durante muito tempo, anos, objeto de qualquer discussão interna.”
Em causa está o chamado “Relatório da Comissão de Avaliação das Decisões e atuação do Banco de Portugal na Supervisão do BES” que chegou às mãos dos deputados da comissão de inquérito com o selo de “confidencialidade”. São 600 páginas que fazem uma avaliação dos três anos que antecederam a resolução do BES. O documento foi elaborado por uma comissão independente presidida por Costa Pinto, e que contou com a ajuda da consultora Boston Consulting Group.
Costa Pinto adiantou que não alteraria nada no relatório. “À luz da informação a que a comissão teve acesso, e foi praticamente toda — não posso garantir que tenha havido informação que tenha passado ao lado –, as conclusões do relatório não vejo que tivessem de ser alteradas“, disse.
Intervenção “enérgica” teria evitado problemas
Costa Pinto disse ainda aos deputados que a comissão independente chegou à conclusão de que “a supervisão não atuou em tempo útil nem com a energia com que devia ter atuado” antes do colapso do BES. “Chegou à conclusão, em momentos distintos, que uma atuação mais enérgica poderia ter evitado ou minimizado problemas“, afirmou o economista.
Um dos exemplos que a comissão independente detetou em relação à “apatia” do Banco de Portugal no caso BES diz respeito a uma nota interna do Banco de Portugal que nunca “subiu” à administração e que em 2011 (três anos antes da resolução) já deixava alertas sobre a complexidade da estrutura do GES e sobre as dificuldades supervisão.
Contou Costa Pinto: “Os técnicos que subscreveram essa nota chamaram a atenção para as dificuldades de acompanhamento do GES da parte da supervisão devido à extrema complexidade da estrutura do grupo e ao facto de a holding mãe, que era ao nível do qual se analisava as contas consolidadas, ter sede no Luxemburgo. (…) Essa holding podia tomar a decisão de abrir filiais em paraísos fiscais, fugindo ao controlo da supervisão do Banco de Portugal”.
O problema detetado pelo relatório: não há “indicações de que essa nota tem subido ao conselho de administração”, sendo que “essa nota terá sido entregue pelo diretor de supervisão ao vice-governador e não terá tido consequências”. Luís Costa Ferreira (departamento de supervisão prudencial) e Pedro Duarte Neves (então vice-governador) vão ser ouvidos na esta sexta-feira.
Costa Pinto disse estes factos não desresponsabilizam, porém, a gestão do GES e nem o facto de o poder político se ter afastado de todo o processo na altura. “O BES era uma instituição sistémica da maior importância. Uma atuação sobre este grupo não se podia limitar a ser uma intervenção de nível técnico ou de supervisão”, disse.
“Uma intervenção mais enérgica e evitasse os problemas que o relatório identifica teria de ter uma componente política“, frisou Costa Pinto. Lembrou que na altura da troika foi disponibilizada uma linha de 12 mil milhões de euros para ajudar os bancos e que o BES nunca se socorreu deste instrumento.
Costa Pinto considerou ainda que o Banco de Portugal dispunha dos instrumentos necessários para afastar Ricardo Salgado mais cedo — o banqueiro só saiu do BES a 20 de junho de 2014, cerca de mês e meio antes da resolução. “Os artigos 33.º e 141.º do Regime Geral das Instituições de Crédito (RGIC) davam instrumentos ao Banco de Portugal para intervir na administração do BES. Que podia ir desde a substituição de administradores até à nomeação de administradores”.
No final da audição que durou cerca de cinco horas, com Costa Pinto a revelar que estava “esgotado”, Fernando Negrão deu por concluída a primeira audição com um apontamento: “Esta audição pode representar o fim de um ciclo, do ciclo do ‘não vi, não ouvi e não cheirei’. Esperemos que assim seja”.
(Notícia atualizada às 15h15)
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