Com “sim” de Marcelo reforço dos apoios chegará aos trabalhadores mesmo que Governo recorra ao Tribunal Constitucional
Se o Presidente da República promulgar o reforço dos apoios aprovado pela oposição, o Governo até pode recorrer ao Constitucional, mas entretanto a Segurança Social terá de pagar valores atualizados.
O Presidente da República está confrontado com um dilema. A oposição aprovou, no Parlamento, o alargamento do apoio à família e o reforço do apoio à redução da atividade dos trabalhadores independentes, mas o Governo já veio avisar que, por considerar estar em causa uma violação da lei-travão, admite enviar estes diplomas para o Tribunal Constitucional, se o chefe de Estado lhes der “luz verde”. Os advogados ouvidos pelo ECO esclarecem, contudo, que, a acontecer, esse pedido de fiscalização não impedirá, pelo menos no imediato, a aplicação prática do reforço dos apoios, aprovado à revelia do PS e do Executivo.
Em declarações ao ECO, Tiago Duarte, sócio da PLMJ, começa por explicar: “Nos termos da Constituição, o primeiro-ministro pode solicitar ao Tribunal Constitucional que aprecie a eventual inconstitucionalidade de normas legais em vigor“. José Luís Moreira da Silva, sócio da SRS, detalha que estaria em causa um pedido de fiscalização sucessiva da constitucionalidade das normas e frisa que a solicitação só poderá ser feita ao Palácio do Ratton após os diplomas terem sido promulgados e publicados.
Por outro lado, a concretizar-se esse pedido por parte do Governo, nada impedirá que o reforço dos apoios chegue ao terreno, tendo a Segurança Social de passar a pagar os valores atualizados, já que, enquanto decorre, a fiscalização do Tribunal Constitucional não suspende as normas.
“Enquanto o Tribunal Constitucional estiver a analisar a potencial inconstitucionalidade das normas da lei, estas não estão suspensas e como tal aplicam-se“, salienta o sócio da PLMJ. O sócio da SRS acrescenta, por sua vez, que a decisão do Tribunal Constitucional “pode demorar bastante”. Por exemplo, a esquerda pediu há mais de ano e meio a fiscalização sucessiva de algumas normas da lei laboral e até agora não obteve uma decisão sobre a sua constitucionalidade.
Os advogados frisam, contudo, que se o Tribunal Constitucional entender que o reforço dos apoios é inconstitucional, os beneficiários dessas medidas (neste caso, pais em teletrabalho e trabalhadores independentes castigados pela pandemia) poderão vir a ter de devolver os valores referidos. Isto “salvo se o Tribunal Constitucional vier a considerar as normas inconstitucionais mas não obrigar as pessoas a devolverem os apoios já recebidos“, afirma Tiago Duarte.
“No caso de vir a ser decidida pela inconstitucionalidade da norma, esta perde a sua eficácia retroativamente, desde a sua entrada em vigor, com respeito pelos factos entretanto já adquiridos. Pode, no entanto, o Tribunal Constitucional decidir que a inconstitucionalidade só inicia os seus efeitos após a decisão do Tribunal Constitucional, o que é muitas vezes feito”, enfatiza José Luís Moreira da Silva.
Em causa está, por um lado, o apoio dirigido aos trabalhadores independentes cuja atividade esteja suspensa ou encerrada por imposição legal ou administrativa, que varia entre 291,4 euros e 665 euros. O cálculo dessa prestação parte hoje da base de incidência contributiva registada nos últimos 12 meses, mas o Parlamento aprovou uma alteração à legislação que determina que deverá ter por base, em alternativa, o rendimento médio anual mensualizado do trabalhador no ano de 2019.
Em 2020, estes profissionais viram os seus rendimentos consideravelmente castigados pelas várias restrições impostas por causa da pandemia, o que significa que uma parte dos requerentes tem recebido apenas o valor mínimo da prestação extraordinária, daí a mudança aprovado na Assembleia da República.
Por outro lado, os deputados aprovaram, também à revelia do PS e do Governo, a flexibilização do apoio excecional à família, permitindo que mais pais em teletrabalho possam faltar ao trabalho para cuidar dos filhos, por força do encerramento das escolas.
Ambas as medidas foram aprovadas no Parlamento, em votação final global, a 3 de março, tendo sido entretanto enviadas para Belém para promulgação. Esta sexta-feira, quando questionada sobre este assunto, a ministra Mariana Vieira da Silva atirou: “Obviamente que o Governo não abdica de nenhuma das suas prerrogativas [constitucionais] e usará se necessárias. Aquilo que agora temos de fazer é aguardar”. Por outras palavras, o Governo está à espera da decisão de Marcelo Rebelo de Sousa, mas, se os diplomas forem promulgados, admite enviá-los para o Tribunal Constitucional, por considerar que violam a norma-travão, que impede o Parlamento de aumentar as despesas do Estado no ano em curso para lá do que está previsto no Orçamento do Estado.
Em alternativa, poderá ser o próprio chefe de Estado a enviar para o Palácio do Ratton os diplomas, pedindo a fiscalização preventiva dessa lei. Marcelo Rebelo de Sousa dispõe de oito dias após o envio das normas para promulgação para o fazer. “Nesse caso, o Tribunal Constitucional tem de decidir em 25 dias e, durante esse período de tempo, a lei ainda não está em vigor pois ainda não foi promulgada nem publicada“, explica Tiago Duarte.
O Chefe de Estado pode também optar por vetar sem recorrer ao Tribunal Constitucional, como já fez quando chumbou o alargamento de um apoio aos sócios-gerentes, precisamente por considerar que violava a norma-travão.
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