Jacinto investe dois milhões em veículo elétrico e não tripulado de combate a incêndios
Aposta da empresa de Ovar é um veículo 6X6, totalmente elétrico e que pode ser não tripulado. Feira mundial de Hanôver vai ser a chave para vender este veículo único no mundo.
Em 1986, a Jacinto criou, em parceria com a Salvador Caetano, uma caixa de transferência que permitia passar a tração de um carro de combate a incêndios de 4X2 para 4X4. Era única no mundo. Estes veículos ainda continuam a operar em Portugal. Mas, agora, a aposta desta empresa de Ovar é um veículo 6X6, totalmente elétrico e com a possibilidade de ser não tripulado. Com este novo investimento de dois milhões de euros a Jacinto pretende duplicar o volume de negócio, caso o produto penetre bem no mercado.
O momento-chave será a maior feira mundial de veículos de combate a incêndio que se realiza de cinco em cinco anos em Hanover, na Alemanha. Devido à pandemia foi adiada para junho de 2022. O produto, que já está na fase final de testes, foi mostrado pela primeira vez, em 2019, numa feira em Lisboa.
“O Eco Camões é totalmente elétrico e destina-se ao combate a incêndios em aeroportos, podendo ser não tripulado se o bombeiro ou o operador do veículo achar que é um risco muito elevado estar junto do avião”, explica Jacinto Reis. “Com um painel de comando à distância, por radio frequência, pode movê-lo e controlar o canhão de água para extinguir o incêndio a cerca de 500 metros do veículo”, acrescenta o empresário de quarta geração, desta média empresa, cujas origens remontam a 1954.
O projeto, que representou um investimento de cerca de dois milhões de euros é “único no mundo” e visa responder às exigências de sustentabilidade. “Há mercados que já estão a bloquear os motores de combustão a diesel e gasolina. Já saiu legislação que obriga a que, a partir de 2025/2030, deixem de poder comprar veículos com motor de combustão. Aí teremos um mercado todo aberto para este tipo de soluções”, sublinha Jacinto Reis, reconhecendo que a Europa, “onde a preocupação de sustentabilidade é muito grande”, será o principal mercado, dos 31 onde já está presente, sendo que 77% do volume de negócios já é assegurado pelas exportações.
“Temos vários segmentos de mercado como os bombeiros, ligados à proteção civil dos vários países, aeroportos, que normalmente são entidades público privadas, e o setor das indústrias de alto risco como as petrolíferas e indústrias perigosas”, explica o diretor-geral da Jacinto.
Para já ainda não venderam nenhuma unidade, mas a feira de Hanover, inicialmente prevista para 2020, era determinante. Vender veículos de combate a incêndio requer uma estratégia diferente já que, na maior parte dos casos, as compras são feitas através de concursos públicos.
“Temos de promover o produto junto das várias entidades para que possam especificar o nosso produto em concurso e nós possamos apresentá-lo e vender. É um negócio mais B2B, mais restrito e difícil de trabalhar. Se não tivermos um protótipo é muito difícil de vender, porque essas entidades querem ver o produto a funcionar.
E o protótipo existe, está em fase de testes e contou com um apoio de 627,6 mil euros do Portugal 2020. Se tudo correr bem a perspetiva “é vender 50 unidades por ano”. “Seria algo extraordinário porque só com esse produto dobraríamos o nosso volume de vendas anual. Se o produto penetrar bem no mercado estes números são perfeitamente plausíveis”, diz Jacinto Reis. As contas assentam na venda de cada veículo por um milhão de euros.
O mercado na área dos aeroportos “é um bocadinho restrito”, reconhece o responsável. “A nível mundial, a compra de carros de aeroporto ronda os três a quatro mil ao ano. E, em Portugal, o conjunto dos aeroportos compram um carro de dois em dois anos”, precisa. Por outro lado, a compra de carros e incêndios são sazonais — de três em três anos — e isso explica a necessidade de estar presente em tantos países. “É necessário andar sempre em busca de novos mercados para ter a produção estabilizada”, explica o gestor de 150 colaboradores que fazem cerca de 220 camiões novos para todo o mundo.
Um robot autónomo para limpar florestas
Mas se o Eco Camões foi desenvolvido integralmente pela Jacinto, o robot autónomo para limpar florestas em que estão a trabalhar agora é fruto de um consórcio liderado pela ADAI da Universidade de Coimbra.
“Assinámos o consórcio há cerca de três semanas. O projeto é liderado pelo Eng. Carlos Viegas, que teve a ideia, e nós fomos convidados para participar no consórcio, que conta também com a REN e Bold Robotics”, conta Jacinto Reis. Este é mais um investimento de 1,4 milhões de euros, financiado pelo Portugal 2020 com quase 850 mil euros.
A ideia é criar um robot autónomo, equipado com painéis fotovoltaicos, que sem qualquer intervenção humana faz a limpeza da floresta. “É um robot preventivo com cerca de dois metros e que terá como clientes potenciais a indústria do papel, que tem hectares cultivados de árvores, ou as câmaras municipais”, explica o diretor-geral da empresa que concorre com multinacionais como a americana Oshkosh e a alemã Rosenbauer, empresas cotadas em bolsa, que faturam cerca de mil milhões de euros ao ano.
Um drone para combater incêndios
A empresa, que até já conta um pequeno departamento de inovação, está também a desenvolver um drone de combate a incêndios em parceria com a universidade de Coimbra e com a Categoria Funcional. A ideia é ter um veículo com um drone de dois metros e meio no topo, de modo a que o bombeiro não faça combate direto às chamas.
“É uma ideia que no papel funciona, mas, nesta fase final de testes, os resultados não estão a ser muito bons”, reconhece Jacinto Reis. “No combate direto, o drone tem algumas debilidades devido ao próprio incêndio, que tem muitas correntes de convecção que provocam muitas turbulências ao nível do vento e impossibilitam que o drone voe em condições ótimas para combater as chamas”, explica.
Mas não se trata de um investimento perdido – cerca de meio milhão de euros de apoio comunitário – porque “o produto será muito mais viável numa fase de prevenção e até de rescaldo dos incêndios”, sublinha o diretor-geral, “porque conseguimos que faça um circuito por ele, sem a necessidade de um bombeiro”.
“Este projeto está numa fase final. O protótipo está pronto e já em testes reais. Sairá para o mercado em breve. Até já foram feitas algumas apresentações no âmbito académico pela universidade de Coimbra”, avança o responsável, garantindo que se o quisessem vender hoje poderiam “porque está pronto”. “Mas o que falta estudar mais é se o mercado está preparado para o absorver. É esse o problema”, aponta.
Em regra, desde o momento em que ganham um concurso e cai uma encomenda e esta é entregue e o cliente faça o pagamento podem decorrer 250 a 300 dias. Por isso, Jacinto Reis sublinha a importância que teriam apoios ao nível do cash flow, já que depende inteiramente da banca neste hiato temporal. O que é “penalizante para a empresa, porque trabalha com níveis de investimento muito avultados”, reconhece.
A Jacinto não beneficia de quaisquer apoios para mitigar os efeitos da pandemia porque não é elegível. “Estamos em contraciclo com outras empresas já que 2020 foi o melhor ano de sempre”, diz com satisfação. As ajudas vêm dos fundos comunitários, a que a empresa já recorre há bastante tempo, “sempre com assessoria, seja na parte jurídica, documental ou se submissão de documentação”. “Para uma PME que não tenha uma estrutura muito grande fazer candidaturas sozinha é muito penalizante e corre o risco de fazer e não conseguir a aprovação”, alerta.
Além dos três projetos em mãos, já usou 365 mil euros do Portugal 2020 para financiar operações de internacionalização.
Das exportações para Myanmar aos óculos de realidade virtual
A empresa começou a exportar em 2005, mas é em 2010/2011 deram um salto em volume de vendas após participação numa série de feiras internacionais. “Passámos de sete milhões de euros de volume de faturação para 25 milhões”, conta. “Para exportar é preciso fazer primeiro uma prospeção de mercado e perceber quais as entidades que efetivamente querem adquirir o produto. É também importante encontrar um representante ou um distribuidor nos países para onde se pretende exportar”. Jacinto Reis fala num “gap de dois anos para conseguir ter vendas contínuas” num novo mercado.
E essas vendas variam de acordo com o posicionamento dos mercados. Se em França a procura é por produtos de elevado valor acrescentado, no Egito a relação qualidade/preço é mais baixa, explica Jacinto Reis. “Para o México já vendemos quatro veículos e estamos em negociações para vender mais e, em 2020, vendemos para Myanmar”, conta com orgulho, explicando que o preço dos veículos de combate a incêndios oscila entre meio milhão e 700 mil euros.
E se o comércio online não é uma opção para a venda destes veículos, isso não significa que a empresa não tenha também uma estratégia digital. Está a desenvolver vídeos que demonstram as características e o desempenho dos produtos e a apostar num maior reconhecimento da marca Jacinto no meio dos veículos de combate a incêndio.
Já antes da pandemia a empresa tinha um projeto para permitir aos clientes fazerem uma visita à empresa através de óculos de realidade virtual. Inclusivamente foram usados numa feira no Dubai. Agora, depois da ampliação das instalações, esta é uma das apostas, conta Jacinto Reis. Mas não se ficam por aqui. Simuladores de carros de bombeiros são outras das áreas. “É um investimento muito grande”, reconhece o empresário – cerca de 300 mil euros em software. Mas, em tempo de pandemia, poder enviar o simulador e permitir ao operador fazer todas as operações é uma ideia que vai ganhando lastro, mas é preciso “avaliar bem o retorno futuro”.
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