“Investigação paralela” da PJ Militar foi “completamente ilegal”, diz Joana Marques Vidal
Manifestando a sua posição com base na experiência adquirida, a magistrada foi crítica em relação à atuação da PJM em vários processos, dizendo existir uma “deficiência na formação" dos elementos.
A ex-procuradora-geral da República Joana Marques Vidal reiterou esta terça-feira que a “investigação paralela” da PJ Militar ao furto do armamento de Tancos foi “completamente ilegal” e insistiu que a competência exclusiva para investigar o crime era da PJ.
Joana Marques Vidal depôs esta terça-feira como testemunha no julgamento do processo de Tancos, no Tribunal de Santarém, dizendo que “a investigação paralela da Polícia Judiciária Militar [PJM] sem qualquer suporte à direção do inquérito [Ministério Público] era completamente ilegal”, justificando que a linha de investigação que estava a ser seguida era a de terrorismo, criminalidade violenta e organizada, “da competência exclusiva da PJ”.
Tecendo várias críticas à atuação da PJM neste caso e à atitude do seu ex-diretor e arguido Luis Vieira, a magistrada admitiu, porém, que teria sido desejável que, após a atribuição do processo ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e à PJ, tivessem sido definidas as regras de colaboração institucional da PJM.
Manifestando a sua posição com base na experiência adquirida, a magistrada foi crítica em relação à atuação da PJM em vários processos, considerando existir uma “deficiência na formação dos seus elementos” e uma deficiente coordenação entre investigadores”, devido à exigência de respostas perante as hierarquias, que “pode, por vezes, sobrepor-se à responsabilidades de responder perante as autoridades judiciárias, neste caso ao Ministério Público”.
A testemunha defendeu inclusivamente a reformulação da investigação de crimes militares.
Joana Marques Vidal partilhou ainda o teor do telefonema (03 de julho de 2017) que teve com o ex-diretor da PJM, quando lhe comunicou que a investigação do furto seria da PJ, dizendo que o coronel teve uma “reação desabrida, exaltada” e se mostrou “inconformado” com a decisão e que ficou com a sensação que “faltava conhecimento sobre os princípios estruturantes do Código de Processo Penal”.
A magistrada insistiu que em causa estava criminalidade altamente organizada, eventuais ações terroristas e tráfico internacional de armas e esses crimes são da competência exclusiva da PJ.
“O Ministério Público, eu própria e o diretor do DCIAP estávamos convencidos que entre as linhas de investigação havia uma possibilidade credível que o material fosse usado para atos terroristas”, sublinhou.
Em termos temporais, a ex-PGR contou ao tribunal que soube do furto do material militar dos paióis pela comunicação social e que, meses mais tarde, teve conhecimento do achamento do mesmo, na Chamusca, através do diretor do DCIAP que lhe falou do comunicado público da PJM.
“Logo que a PJ Militar recebeu a chamada anónima [que na ocasião era tida como verdadeira] a denunciar o local das armas tinha a obrigação legal de comunicar ao MP”, criticou.
Lamentou ainda que, no dia do achamento do material, tenha tentado “insistentemente” falar com Luis Vieira, sem sucesso, atitude que admitiu a ter irritado e que comunicou isso mesmo ao ministro da Defesa, na altura Azeredo Lopes, e também arguido neste processo, a quem chegou mesmo a dizer que a atitude dos elementos da PJM na investigação era passível de procedimento disciplinar.
O processo de Tancos tem 23 arguidos, dez arguidos respondem por associação criminosa, tráfico e mediação de armas e terrorismo, pelo alegado envolvimento no furto do armamento e os restantes 13, entre eles Azeredo Lopes, dois elementos da PJM e vários militares da GNR, sobre a manobra de encenação/encobrimento na recuperação do material ocorrida na região da Chamusca, numa operação que envolveu a PJM, em colaboração com elementos da GNR de Loulé.
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