Tribunal de Contas diz que compra de computadores na pandemia foi “tardia”
Em janeiro de 2021, só 27% dos 99 mil meios digitais adquiridos pelo ME e entregues às escolas tinham sido distribuídos aos alunos, diz o TdC. Mais de 60% só chegará no próximo ano letivo.
A pandemia fechou escolas, empurrou os alunos para o ensino remoto, uma transição “brusca”, “sem tempo de preparação” e “sem experiência”, revelou os problemas e desigualdades ao nível da literacia digital e acesso a meios digitais. E, da parte do Governo, a autorização para a aquisição de computadores foi “tardia”, conclui o Tribunal de Contas no Relatório de Auditoria ao Ensino a distância e digitalização nas escolas durante a pandemia.
À semelhança do que aconteceu no mercado de trabalho, onde a generalidades das empresas recorreram ao teletrabalho para mitigar os efeitos da pandemia e manter a produtividade, na educação, o ensino à distância, em substituição das atividades educativas e letivas em sala de aula, foi o recurso para fazer frente às restrições impostas pela Covid-19.
Essa transição foi, no entanto “brusca”, “sem tempo de preparação” e “sem experiência”. No espaço de apenas um fim de semana, todas as escolas, e em todos os anos de escolaridade, implementaram o ensino à distância, o que mostrou ser uma oportunidade, mas revelou também os problemas e desigualdades ao nível da literacia digital e acesso a meios digitais. E, da parte do Governo, a autorização para a aquisição de computadores foi “tardia”.
Esta é uma das principais conclusões do relatório de auditoria divulgado esta quinta-feira pelo Tribunal de Contas (TdC), que teve como objetivo examinar se o Ministério da Educação assegurou que todos os alunos dos ensinos básico e secundário — à volta de 1,2 milhões — tiveram acesso ao ensino à distância, se procedeu ao respetivo acompanhamento e controlo e, por último, se corrigiu as deficiências e insuficiências detetadas.
“A suspensão do regime de ensino presencial foi decretada numa sexta-feira (13 de março de 2020) e as atividades educativas e letivas reiniciaram, logo na segunda-feira seguinte (16 de março), em regime de E@D [ensino à distância] também designado por E@D de emergência. Tratou-se de uma ação reativa a um contexto único, nunca antes perspetivado”, lê-se no relatório do Tribunal de Contas.
Não estavam reunidas todas as condições para a eficácia do E@D, havendo alunos e professores com carências em competências digitais, sem computadores (4 em 5 alunos) e dificuldades no acesso à internet e as escolas tinham meios digitais obsoletos.
Esta transição exigiu um esforço significativo de todos os envolvidos, em especial por parte de alunos e docentes, que tiveram que, rapidamente, adaptar-se a novos meios e métodos de ensino. Mas o grande problema era mais profundo: “não estavam reunidas todas as condições para a eficácia do E@D, havendo alunos e professores com carências em competências digitais, sem computadores (4 em 5 alunos) e dificuldades no acesso à internet e as escolas tinham meios digitais obsoletos”.
Compras feitas tarde demais. E é preciso continuar a investir
Em 10 anos, Portugal, não só não melhorou, como conseguiu retroceder em matéria de acesso a equipamentos tecnológicos. Em 2008, havia um computador ligado à internet para cada dois alunos e, no ano letivo de 2017/2018 essa proporção passou para um computador com ligação à internet para cada cinco estudantes. “Acresce que, em 2019, Portugal não constava entre os países europeus com estratégias de educação digital ou políticas relacionadas que comportassem o compromisso de investimento nas escolas em infraestruturas de tecnologia digital (hardware, software, conectividade da escola, ambiente de aprendizagem digital, ferramentas e dispositivos digitais).”
Computadores obsoletos (alguns com mais de 15 anos), dificuldades de cariz administrativo e financeiro que atrapalharam a aquisição de acessórios, como microfones e câmaras, para os computadores cedidos aos alunos e o facto de algumas escolas não disporem de largura de banda suficiente para garantir o ensino à distância e o funcionamento em regime de teletrabalho dos serviços administrativos e dos órgãos de gestão foram as principais dificuldades que as instituições de ensino encontraram. E a isto junta-se ainda outro elemento: cerca de metade das escolas não utilizava plataformas digitais.
“Porém, apenas em 16 de julho de 2020, e, portanto, sem impacto no ano letivo 2019/20, é que o Governo autorizou a realização da despesa para a aquisição de computadores, conectividade e serviços conexos a disponibilizar às escolas.”
Posto isto, o TdC deixa claro que a autorização para a comprar de meios digitais chegou demasiado tarde. “As despesas orçamentais da educação com a pandemia respeitaram, essencialmente, a equipamentos de proteção individual (2019/20: 3,5 milhões de euros; 2020/21: 11,5 milhões de euros até 20/01/2021) e que a autorização para a aquisição de 386 milhões de euros em meios digitais para as escolas foi tardia, já só no final do ano letivo 2019/20, e condicionada à aprovação de fundos comunitários.”
Esses meios só começaram a chegar aos alunos no ano letivo 2020/21. No final de janeiro de 2021, apenas 27% dos 99 mil meios digitais adquiridos pelo ME e entregues às escolas tinham sido distribuídos aos alunos, revela o TdC, salientando que mais de 60% só chegará no ano letivo seguinte. Para o futuro, o Plano de Recuperação e Resiliência para Portugal (2021-2026) prevê investimentos de 559 milhões de euros na componente Escola Digital.
Não existe um plano para a sua substituição [meios digitais] nem controlos preventivos da duplicação de apoios que acautelem uma gestão pública eficiente.
Adicionalmente, o Tribunal recorda que os meios digitais adquiridos têm uma vida útil de três anos, mas “não existe um plano para a sua substituição nem controlos preventivos da duplicação de apoios que acautelem uma gestão pública eficiente”. “Prevenindo um desinvestimento semelhante ao da última década, é crítico um plano estratégico para a necessária substituição.”
Além disso, o Tdc concluiu também que não foram implementados “procedimentos centralizados de controlo preventivo da duplicação de apoios em meios digitais, o que retira eficácia à sua distribuição prioritária aos alunos mais carenciados e aumenta o risco de desperdício de dinheiros públicos”.
Carência de skills digitais e perda de aprendizagens
“As competências digitais, para além de incontornáveis no desenvolvimento dos países, apresentam-se como essenciais para a eficácia do E@D [ensino à distância], e, de facto, na última década têm sido empreendidas algumas iniciativas/medidas com esse propósito”, lê-se no relatório do Tribunal de Contas.
No relatório de progresso de 2018 da Iniciativa Nacional Competências Digitais e.2030 (Portugal InCode.2030) referiu-se, nomeadamente, que a disciplina de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) foi integrada nas matrizes curriculares de 223 escolas e que os professores do ensino básico e secundário participaram em ações de formação de curta duração, 500 em eventos de programação e robótica no ensino básico, 1.000 em formações sobre trabalho colaborativo e cidadania digital e 1.796 em laboratórios de aprendizagem, por exemplo.
No entanto, apesar dos esforços e dos vários programas e medidas que têm vindo a surgir, em linha com as prioridades estabelecidas o nível europeu, o desenvolvimento de recursos educativos digitais está, ainda, numa fase inicial. Em 2019, as competências digitais dos portugueses (54%) encontravam-se abaixo da média europeia (60%), na vigésima posição da União Europeia. E a evolução destas skills, considerando o período de 2015 a 2019, não é suficientemente significante, nem em Portugal (47%, em 2015) nem na generalidade dos países, o que “condiciona a rápida adaptação ao E@D de alunos, professores e encarregados de educação”.
“Embora, na sequência da Agenda Digital para a Europa (2010), todos os países europeus tenham apresentado estratégias para encorajar a utilização de TIC na educação, a digitalização contínua e crescente e as mudanças na própria tecnologia provocaram a rápida desatualização dessas estratégias que necessitavam da permanente revisão e renovação em resposta às novas exigências de uma educação digital de elevada qualidade na escola.”
O que o relatório da Eurydice de 2019/21 observou, no entanto, foi que, quase uma década depois, praticamente todos os sistemas educativos ainda tinham em vigor as suas estratégias de então para a educação digital. “Tendo como referência o ano letivo de 2018/19, a Eurydice coloca Portugal no grupo de países com práticas menos favoráveis ao desenvolvimento das competências digitais nas escolas, nomeadamente por não incluírem o quadro das competências dos professores nem testes nacionais para aferição de competências digitais dos alunos.”
900 milhões para programas de promoção do “sucesso escolar”
A par da escassez de competências digitais, o Tribunal de Contas aponta a perda de aprendizagens como o risco sinalizado mais significativo do ensino à distância. A OCDE conclui mesmo que o encerramento das escolas levou a perdas nas aprendizagens que não serão facilmente compensadas, mesmo que as escolas voltem rapidamente aos níveis de desempenho anteriores.
Precisamente para evitar estas situações, o primeiro-ministro António Costa anunciou, esta quarta-feira, mais 900 milhões de euros para programas de promoção do sucesso escolar nos dois próximos anos letivos e adiantou que o Governo propôs à concertação social uma “agenda para o trabalho digno”. Estas duas linhas de ação foram transmitidas por António Costa na primeira parte do seu discurso que abriu o debate sobre o Estado da Nação, num capítulo que dedicou à recuperação do país após a pandemia da Covid-19.
“A suspensão das atividades letivas presenciais afetou o processo de aprendizagem de muitos alunos e acentuou as desigualdades. É por isso essencial executar, ao longo dos próximos dois anos letivos, um ambicioso Plano de Recuperação das Aprendizagens”, considerou o líder do Executivo.
Este plano prevê, por um lado, “uma maior autonomia pedagógica das escolas, na organização do calendário escolar, na adaptação do currículo e na gestão flexível das turmas” e, por outro lado, “um aumento do número de professores e técnicos especializados nas escolas, designadamente através do reforço de créditos horários e do alargamento dos programas de tutoria para apoiar os alunos com maiores dificuldades”.
“No total, entre o reforço de recursos humanos, a sua formação contínua, a aposta em novos recursos digitais e o apetrechamento das escolas, iremos investir nos próximos dois anos cerca de 900 milhões de euros para promover o sucesso escolar e garantir que esta geração não fique prejudicada nem irremediavelmente marcada pela Covid-19″, afirmou.
O anúncio do primeiro ministro segue-se ao do ministro da Educação, em meados de julho no Parlamento. “Num ano, vamos comprar mais de um milhão de computadores portáteis. É um gigantesco salto de escala e é um enorme desafio logístico que temos vindo, progressivamente, a superar”, disse Tiago Brandão Rodrigues, referindo que estão reservados 180 milhões de euros do PRR para o novo reforço de equipamento no âmbito da Escola Digital.
“Foi lançado o concurso público internacional, repartido em vários lotes para poder ser mais fácil a sua entrega, para a aquisição de mais de cerca de 600 mil computadores, que poderá permitir a tão ambicionada universalização desta medida”, anunciou o ministro em audição regimental pela comissão parlamentar da Educação.
No âmbito do programa Escola Digital serão ainda criados 1.300 laboratórios de educação digital nos próximos anos, a formação de mais de 100 mil docentes.
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