Da descida do IRS às pensões extra, estas são as medidas que caem com o chumbo do OE
Com o voto contra do Bloco e do PCP, as medidas da proposta do OE 2022 vão cair, incluindo a mudança nos escalões do IRS, o aumento dos pensionistas e função pública e mais dinheiro para o SNS.
Nas últimas semanas ouviu anúncios de medidas que constam ou iam constar do Orçamento do Estado para 2022 (OE 2022), mas o iminente chumbo da proposta do Governo com o voto contra do Bloco e do PCP significa que ficarão pelo caminho. Exceto se houver uma reviravolta até quarta-feira, o país deverá entrar em 2022 em duodécimos, podendo gastar por mês apenas 1/12 da despesa efetuada em 2021, e com eleições antecipadas marcadas pelo Presidente da República. Não haverá descida do IRS nem englobamento obrigatório, aumento da função pública e pensionistas, mais dinheiro para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) nem o crédito fiscal para o investimento das empresas.
“Será difícil explicar aos portugueses que todas estas melhorias nas suas vidas estão postas em causa“, disse Duarte Cordeiro, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, na primeira reação do Governo esta segunda-feira ao anúncio de voto contra do PCP, assegurando que “nunca” tinha ido “tão longe” nas negociações com os comunistas. Porém, não foi suficiente: Jerónimo de Sousa justificou o voto contra com a “insuficiente” resposta na na valorização dos salários, nas mudanças na lei laboral e no reforço do Serviço Nacional de Saúde (SNS). “Portugal não precisa de um Orçamento qualquer“, disse o líder do PCP, argumentando que “há condições e meios” para responder aos problemas, mas o PS recusa-se a fazê-lo.
A concretizar-se o chumbo do OE 2022 na quarta-feira, esta será a primeira vez desde 1979, o primeiro Orçamento após o resgate do Fundo Monetário Internacional (FMI), que um Orçamento do Estado será chumbado pelo Parlamento. Mas, na prática, o que significará para os portugueses? Além de terem de ir às urnas escolher um novo Governo uma vez que Marcelo Rebelo de Sousa ditou que essa seria a consequência do chumbo, os contribuintes também deverão pagar mais impostos do que pagariam caso o Orçamento estivesse em vigor a 1 de janeiro de 2022.
Logo a 11 de outubro quando a proposta do OE foi apresentada, os portugueses ficaram a saber que iam ser criados dois novos escalões de IRS, o que se traduziria num desagravamento fiscal para todos os contribuintes, além de um reforço do IRS Jovem e o aumento de 200 euros do mínimo de existência que iria isentar de pagar IRS mais 170 mil contribuintes. Para alguns contribuintes no topo chegaria o englobamento obrigatório das mais-valias mobiliárias especulativas (até um ano), o que agravaria a fatura fiscal. No caso das empresas, havia o reforço do Incentivo Fiscal à Recuperação, um benefício fiscal para o investimento privado.
Na ótica dos rendimentos, os funcionários públicos conseguiam neste Orçamento um aumento salarial de 0,9%, além das normais progressões e promoções, e os pensionistas até 658 euros iam ter uma subida extraordinária de 10 euros por mês — depois o Governo cedeu para abranger as pensões até 1.097 euros, incluindo 2,3 milhões de pensionistas. Mais recentemente, o Executivo abriu o jogo quanto ao salário mínimo, anunciando “o maior aumento de sempre” de 40 euros para os 705 euros e comprometendo-se a chegar aos 850 euros (almejados pelo PCP) em 2025. No caso específico do salário mínimo, o Governo tem o poder legislativo para o aumentar no início do próximo ano, caso ainda esteja em funções, mas poderá ter dificuldades em pagá-lo aos funcionários públicos dado que terá limites na execução orçamental.
Há também a gratuitidade progressiva das creches a partir do próximo ano letivo, começando com o primeiro ano de creche em setembro de 2022, o aumento do abono de família, o reforço das verbas para o Programa de Apoio à Redução Tarifária nos Transportes Públicos (PART) e para “a densificação da oferta de transportes públicos” e o alargamento do Fundo de Tesouraria de Apoio às Micro e Pequenas Empresas em 750 milhões de euros, de acordo com o que anunciou António Costa após a reunião da comissão política nacional do PS na passada sexta-feira. Algumas destas medidas seriam viabilizadas na fase de especialidade do OE, a qual não existirá se for chumbado na generalidade.
O Governo acenava ainda à esquerda com um aumento de 700 milhões de euros no Orçamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e uma maior autonomia para contratações no caso de substituições — tendo o PS cedido ainda neste âmbito para dar mais autonomia nos limites de quadro pessoal e dos orçamentos das instituições do SNS, de acordo com Duarte Cordeiro.
Crescimento da economia fica em causa. Alterações na lei laboral e no SNS em dúvida
Outra consequência do chumbo do Orçamento, que fica em duodécimos, é a maior dificuldade em executar o Plano de Recuperação e Resiliência: este ponto foi alvo de alertas por parte do Presidente da República e o próprio ministro das Finanças, João Leão, admitiu a dificuldade acrescida, ainda que tenha dito que “há soluções que podem ser exploradas”. E o risco não é só orçamental, mas também económico dado que o PRR dá um contributo de dois pontos percentuais ao crescimento de 5,5% do PIB previsto para 2022.
Mais incerto é o que acontecerá com as alterações à legislação laboral e com o estatuto do SNS que se misturaram com as negociações do Orçamento. Na passada quinta-feira, em Conselho de Ministros, foi aprovada a proposta de lei que procede à alteração de legislação laboral no âmbito da agenda de trabalho digno e o novo Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (SNS), dois documentos em que o Governo tentou aproximar-se às exigências do PCP e do Bloco.
Os documentos podem estar aprovados, mas ainda existe todo um caminho legislativo a percorrer, nomeadamente com a consulta pública e os procedimentos no Parlamento, o que poderá demorar meses. Dependendo do calendário das eleições legislativas definido pelo Presidente da República, estes “avanços” que o Governo ofereceu à esquerda poderão ficar pelo caminho.
No caso da lei laboral, em causa está o reforço do processo de arbitragem no fim dos contratos coletivos, tendo o Executivo mostrado abertura para uma “suspensão sem prazo da caducidade” (anteriormente prologavam apenas até 2024); o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador na regulamentação do teletrabalho e das plataformas digitais; a reversão da compensação devida (indemnização) por cessação do contrato a tempo certo ou incerto; e a reposição do valor de trabalho suplementar após as 120 horas extra.
No caso do estatuto do SNS, o Governo cedeu na criação da carreira especial de técnico auxiliar de saúde (ainda que não nos moldes que o Bloco queria), incluiu mais incompatibilidades e obrigatoriedades no regime da dedicação plena dos médicos do SNS, cedeu na implementação de um regime extraordinário de incentivos para fixação de médicos de família em zonas carenciadas e ainda na “valorização da carreira de enfermagem com a abertura de um concurso extraordinário de progressão na carreira mas também a reposição dos pontos perdidos quando entraram na nova carreira”, de acordo com o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
Ainda nesse Conselho de Ministros tinha sido aprovado o decreto-lei que cria o Estatuto dos Profissionais da Área da Cultura, o qual deverá entrar em vigor a 1 de janeiro de 2022. Neste caso, a medida deverá seguir em frente.
Por fim, António Costa tinha também mostrado abertura para eliminar o fator de sustentabilidade para os pensionistas que tenham 60 anos e que tenham 80% de incapacidade durante pelo menos 15 anos.
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