Especialistas descartam restrições só para não vacinados em Portugal
O Governo madeirense decidiu exigir certificado de vacinação e teste à Covid para alguns espaços. Peritos ouvidos pelo ECO defendem que a medida "não faz sentido" e "não se justifica" em Portugal.
Face ao agravamento da pandemia, o Governo regional da Madeira decidiu proibir as pessoas não vacinadas de acederem a alguns espaços públicos. Os especialistas ouvidos pelo ECO defendem que a medida “não faz sentido” e “não se justifica”, dada a elevada taxa de cobertura vacinal. Na Europa, alguns países com taxas de vacinação inferiores ao território nacional estão a tomar medidas semelhantes, sendo, que, mesmo nesse caso, os peritos consideram que esse não é o caminho a seguir.
Com a entrada em vigor da situação de contingência a partir da meia-noite de sábado, Miguel Albuquerque decidiu apertar nas medidas de combate à pandemia, voltando a impor o uso obrigatório de máscara na rua e em espaços fechados.
Além disso, o governo regional decidiu ainda restringir o acesso a um conjunto de espaços (ginásios, cabeleireiros, bares, discotecas, cinema ou casinos) e eventos (desportivos ou culturais) a quem não estiver vacinado contra a Covid. E mesmo as pessoas vacinadas terão que apresentar um teste antigénio para entrar. Esta medida tem um período transitório, pelo que só entra em vigor à meia-noite de 27 de novembro.
Com 87% da população portuguesa vacinada, Manuel Carmo Gomes defende que esta decisão “não faz sentido” e “não se justifica”, dado que “a partir dos 18 anos temos quase a totalidade da população vacinada”. “É um exagero“, atira o epidemiologista e membro da Comissão Técnica de Vacinação, em declarações ao ECO.
A opinião é partilhada por Carlos Robalo Cordeiro, diretor do serviço de Pneumologia dos Hospitais da Unidade de Coimbra, que destaca que em Portugal apenas “2% a 3% da população elegível não se vacinou”. Por outro lado, Bernardo Gomes, investigador do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, considera “contraproducente haver medidas gerais nesse sentido“, dado que “já há consequências em se estar vacinado ou não vacinado“, nomeadamente no que toca à duração da quarentena quando há um contacto com um caso positivo.
E nos países com baixas taxas de vacinação?
Além da Madeira, há já alguns países da Europa que estão a tomar medidas semelhantes, como é o caso da Alemanha (onde os não vacinados vão ficar impossibilitados de entrar em ginásios, eventos culturais, restaurantes ou cabeleireiros e para os quais o teletrabalho é obrigatório) ou para a Áustria (que numa fase inicial decidiu decretar um confinamento apenas para não vacinados, mas que, entretanto, acabou por o alargar a toda a população), mas, mesmo em países com taxas de vacinação inferiores à de Portugal, a medida é justificável?
Ao ECO, Carlos Robalo Cordeiro sinaliza ainda que mesmo em países europeus com taxas mais baixas de vacinação, como acontece nos países de leste, na Alemanha ou na Áustria, o incentivo à vacinação deve ser feito através da “disponibilização de mais informação à população”, com dados claros do efeito da vacina na redução de doença grave ou morte, bem como de uma “comunicação técnica, clara e assertiva” e “não política”.
Nesse sentido, o ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia sublinha que tem “alguma dificuldade” em “criar barreiras” para forçar a população a receber a vacina, mas defende sim uma “discriminação positiva”. Para o efeito, Carlos Robalo Cordeiro dá o exemplo do certificado digital Covid, o qual considera que devia voltar a ser obrigatório para eventos, mas também noutras atividades como a restauração. “Mesmo se as pessoas não estiverem vacinadas o certificado de testagem dá uma maior segurança”.
Do ponto de vista estritamente epidemiológico em algumas circunstâncias pode fazer sentido [aplicar medidas restritivas aos não vacinados], mas isso tem implicações em termos sociais e políticos”.
A par do pneumologista, também Bernardo Gomes defende a utilidade do certificado digital Covid como meio de incentivo à vacinação, mas também “numa fase aguda pôs períodos vacinais”.
Por outro lado, o investigador do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto olha com “bastante receio” para a imposição de restrições específicas para não vacinados, alertando para as “consequências alargadas” que estas decisões podem ter. “As consequências sociais e políticas deste gesto de força podem ser difíceis de prever”, assinala, sobretudo devido ao facto de nos estarmos a “afastar de um tempo em que o desconhecido era maior”.
Já Manuel Carmo Gomes admite que essa possibilidade se coloque em países com baixas taxas de cobertura vacinal, como é o caso dos países de leste ou alguns países da Europa ocidental, mas sublinha que é “uma questão discutível” e com “muitas zonas cinzentas”. “Do ponto de vista estritamente epidemiológico em algumas circunstâncias pode fazer sentido, mas isso tem implicações em termos sociais e políticos“, refere.
E se as restrições específicas para as pessoas não vacinadas aplicadas na Madeira são vistas com desconfiança por parte dos especialistas ligados à Saúde, na justiça o cenário não é diferente. Ao Público, Jorge Bacelar Gouveia e Pedro Bacelar Vasconcelos defenderam que as medidas violam a Constituição, ao passo que Jorge Miranda diz ter muitas dúvidas que a região autónoma possa restringir direitos fundamentais.
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