Falta de mão de obra põe economias desenvolvidas em “guerra” por migrantes
A escassez de trabalhadores é transversal a muitos países e setores. A maioria procura mão-de-obra qualificada além fronteiras, mas há quem prefira investir nos cidadãos residentes.
Tentar agilizar o fluxo de migrantes é a forma que muitos governos têm usado para lidar com a escassez de mão-de-obra no mercado. Várias empresas em todo o mundo estão com falta de trabalhadores, um constrangimento que se junta à rutura nas cadeias de abastecimento, de acordo com uma compilação feita pelo El Economista (acesso livre, conteúdo em espanhol). Em Portugal, com a pandemia a agravar a escassez de colaboradores no setor do Turismo, a Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) defende a criação de fluxos de importação de pessoas de Cabo Verde ou Filipinas.
Depois da fase mais crítica da pandemia, a retoma levou as principais economias mundiais a um aumento da procura por trabalhadores, que teimam em não aparecer. O problema está a ser exacerbado pelo encerramento de fronteiras e nem mesmo a tendência de aumentos salariais está a conseguir resolver esta crise.
Os países desenvolvidos estão, atualmente, numa espécie de braço de ferro para atrair talento. Austrália, Canadá e Alemanha, em particular, estão a oferecer melhores condições aos potenciais imigrantes e a acelerar as autorizações de residência. No entanto, a variante Ómicron põe em risco a reabertura.
Do outro lado do Atlântico, os EUA deparam-se com um paradoxo. Por um lado, precisam de milhões de trabalhadores estrangeiros para satisfazer as suas necessidades laborais, e também há milhões de pessoas que desejam trabalhar no país. No entanto, por outro lado, apesar de não se ter concretizado a construção de um muro na fronteira com o México, os quatros anos de Donald Trump na Casa Branca deixaram marcas sociais e administrativas, especialmente uma barreira de papéis e formulários a fechar as portas a muitos estrangeiros.
Atualmente, estão pendentes mais de 1,3 milhões de pedidos de contratos de estrangeiros por parte de empresários norte-americanos, enquanto 1,5 milhões de estrangeiros solicitaram uma autorização de residência, que é concedida por sorteio, todos os anos, a 140 mil pessoas. As políticas anti-imigração da anterior Administração Trump fizeram com que a percentagem de estrangeiros residentes no país diminuísse em 2020 pela primeira vez no espaço de, pelo menos, uma década, de acordo com os dados dos Censos. A este fator juntam-se as restrições às viagens internacionais impostas pelo antigo Presidente após o início da pandemia, que Joe Biden apenas levantou parcialmente em outubro.
Por sua vez, o Canadá procura recuperar o tempo perdido em 2020. Este ano, abriu a porta a 401 mil imigrantes, o número mais elevado na história do país e que equivale a mais do dobro do ano passado (184 mil) e 17% face a 2019, quando permitiu a entrada de 341 mil trabalhadores estrangeiros. Os valores têm vindo a aumentar constantemente desde que o liberal Justin Trudeau substituiu o conservador Stephen Harper na chefia do Governo, estando, de momento, no bom caminho para duplicar os 287 mil estrangeiros que obtiveram um visto em 2015, ano do início do seu mandato.
Alemanha de Scholz quer receber mais imigrantes do que nos anos de Merkel
O novo Governo da maior economia da União Europeia (UE), liderado por Olaf Scholz, tenciona seguir a direção da anterior chanceler Angela Merkel e aumentar o número de vistos concedidos a estrangeiros. Está em cima da mesa uma nova lei que permitirá conceder dupla nacionalidade, já que a legislação atual determina que aqueles que desejam tornar-se alemães, regra geral, têm de renunciar à cidadania anterior. Esta nova lei facilitará também às pessoas nascidas em solo alemão, mas com pais estrangeiros, a obtenção da cidadania se apenas um dos seus pais residir no país durante cinco anos.
Ao mesmo tempo, o novo Governo alemão diz estar aberto a aceitar significativamente mais imigrantes do que nos anos anteriores. A Agência Federal do Trabalho, chefiada por Detlef Scheele, chegou a afirmar que “a Alemanha está a ficar sem trabalhadores” e que, consequentemente, serão precisos “400 mil imigrantes por ano para preencher postos de trabalho qualificados”. Por isso, Olaf Scholz salientou que o país precisa de imigração “para preencher as lacunas no mercado de trabalho”.
Brexit e pandemia afastam imigrantes do Reino Unido
A crise laboral apanhou o Reino Unido no pior momento, já que o país tinha encerrado fronteiras aos imigrantes no início do ano, com a sua saída da UE. Além disso, muitos trabalhadores europeus deixaram o país durante o período de confinamento para regressarem aos países de origem, e agora não têm vontade de regressar. Embora os cidadãos dos 27 Estados-membros da UE que residiam no Reino Unido antes do Brexit pudessem pedir a permanência por tempo indeterminado, muitos optaram por partir, face ao clima de rejeição que surgiu após o referendo de saída do bloco comunitário.
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, já aprovou novas regras para os trabalhadores estrangeiros. Por exemplo, as pessoas que solicitam um visto devem ter uma oferta de emprego com um salário mínimo anual de 25.600 libras (cerca de 30.000 euros), de modo a evitar a entrada no país de pessoas pouco qualificadas. A única exceção é para quem tem um doutoramento em ciência, tecnologia, engenharia ou matemática, e para galardoados com o Prémio Nobel. Mas nenhum vencedor do prestigiado diploma sueco solicitou um visto para trabalhar no Reino Unido.
Outra opção foi a abertura de vistos extraordinários para categorias de trabalho com escassez de trabalhadores. Boris Johnson tentou atrair camionistas estrangeiros com esta medida, mas apenas uma centena de pessoas aceitou preencher as dezenas de milhares de vagas que existem.
Nórdicos apertam regras para trabalhadores estrangeiros
Em linha com outros governos ocidentais, a Finlândia está a lançar medidas para atrair trabalhadores imigrantes, sobretudo através da oferta de vistos de trabalho a muitas pessoas que só tinham autorizações de estudo, mas os seus vizinhos não estão a seguir esta política.
Na Dinamarca, apesar de ser consensual a necessidade de trabalhadores estrangeiros, o Governo anunciou um aperto nos critérios para a permanência destes no país, ao mesmo tempo que espera atrair mais de 20 mil num futuro próximo para enfrentar a crise económica provocada pela pandemia. Aqueles que não trabalharem pelo menos 37 horas por semana perderão toda a ajuda estatal e espera-se que tenham de deixar o país.
Isto porque, segundo a primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, “as pessoas têm o dever de contribuir e ser úteis e, se não conseguirem encontrar um emprego regular, terão de trabalhar para receber o seu subsídio”. A líder social-democrata conclui que “durante demasiados anos” o país prestou um mau serviço às pessoas “ao não esperar nada delas”.
A Suécia segue a política dinamarquesa, propondo, até, tornar mais rigorosas todas as regras e a entrada de trabalhadores imigrantes provenientes da UE. A nova chefe do Governo sueco, Magdalena Andersson, disse que “é completamente irracional importar milhares de trabalhadores quando tantos suecos foram despedidos por causa da crise do coronavírus”, acrescentando que “há 200.000 pessoas na Suécia que são desempregadas de longa duração, pelo que há um recurso a que se pode recorrer” face à falta de mão de obra.
Sul da Europa não escapa à escassez de mão de obra
Mesmo tendo maiores taxas de desemprego, os países do sul da Europa também estão a ter problemas para encontrar trabalhadores. Em Portugal, o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, chegou mesmo a afirmar, em setembro passado, que o país “precisa de migrantes para resolver a escassez de mão de obra“. Como tal, propôs um aumento do número de vistos de residência permanente e um aumento do apoio económico à habitação e à integração de pessoas provenientes de outros países.
E não é o único. A Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) estima que serão necessários 15 mil trabalhadores para colmatar as necessidades, defendendo, por isso, a criação de “fluxos de importação” com países como Cabo Verde e as Filipinas, estando em contacto com o Ministério do Trabalho para avançar com a implementação dessa medida. Além disso, o grupo Vila Galé quer trazer 150 colaboradores do Brasil — onde também tem operação — para colmatar falta de pessoal no grupo hoteleiro em Portugal.
Mais recentemente, o Turismo de Portugal (TP) fechou um protocolo com uma escola da Arábia Saudita, para intercâmbio de conteúdos formativos, sendo o próximo passo atrair recursos humanos para trabalhar em Portugal. “Este primeiro passo é nós exportarmos os conteúdos, formadores, fazermos formação lá fora. O segundo passo é atrairmos alunos da Arábia Saudita que queiram vir fazer formação cá em Portugal e, obviamente, depois de fazerem formação, também trabalhar cá em Portugal”, disse Luís Araújo, presidente do TP.
Em Espanha, o último inquérito de atividade do banco central indica que o número de empresas com dificuldades em encontrar trabalhadores subiu de 13,2% para 27,2%. A instituição salienta que isto denota “maiores pressões sobre os custos laborais, o que indicaria que esta escassez de mão de obra se refletiria no montante dos aumentos salariais”. Ainda que o problema seja transversal a todos os setores, é mais notório na hotelaria e restauração, nas comunicações e nos transportes. A única exceção é a área administrativa, que mantém os níveis do último trimestre de 2020.
O Executivo espanhol decidiu, então, implementar uma alteração legislativa para acelerar a chegada de imigrantes qualificados. Até agora, a espera para obter um diploma universitário estendia-se de nove meses a dois anos, pelo que o Ministério das Universidades propõe encurtar esse período para um máximo de seis meses.
Já a Grécia optou por lançar uma campanha para assegurar que os estudantes estrangeiros recebem autorizações de residência para poderem trabalhar no país. A Itália também procura deixar entrar migrantes, depois de, em 2020, o país ter assistido a um declínio significativo da mão de obra, sobretudo no setor agrícola, em que é normalmente reforçada por trabalhadores do norte de África.
Japão promete relaxar política de imigração face a envelhecimento populacional
Os imigrantes representam 1,98% da população japonesa, num total de 2,5 milhões de estrangeiros residentes, naquele que é um dos países mais fechados no que se trata de obter um visto. A política de imigração do Japão tem sido no sentido de impedir a entrada de estrangeiros, mas a escassez de mão de obra está a mudar essa tendência.
O Ministério da Justiça japonês anunciou que permitirá aos funcionários de vários setores e respetivas famílias permanecerem no país indefinidamente a partir de 2022. Esta decisão vai afetar os trabalhadores de 14 setores, especialmente da agricultura e da construção. Embora a crise derivada da pandemia tenha tido influência, a mudança de política deve-se, sobretudo, ao grave problema de envelhecimento da população que o Japão atravessa, em que 28% dos seus cidadãos têm mais de 65 anos.
Além disso, o Governo já propôs flexibilizar os critérios para a entrada de imigrantes, não adiantando, para já, números específicos devido à Covid-19, que considera que irá alterar as suas previsões. O plano inicial era admitir 345 mil estrangeiros em cinco anos, mas os problemas laborais que o país enfrenta aumentaram a necessidade de acelerar o processo. Por conseguinte, espera-se que, no próximo ano, se assista a um fluxo significativo de estrangeiros ao Japão.
Emirados Árabes Unidos querem atrair estrangeiros qualificados para reduzir dependência do petróleo
Desde a pior fase da pandemia que os Emirados Árabes Unidos têm lançado iniciativas para atrair teletrabalhadores para o país, oferecendo-lhes programas governamentais e adaptando, em parte, o ambiente de trabalho do seu país de origem no sentido de oferecer vantagens aos que para lá vão.
A mais recente alteração surgiu neste mês de dezembro, quando foi introduzida uma semana de trabalho de quatro dias e meio, tornando-se o primeiro país no mundo a adotar uma semana de trabalho inferior a cinco dias. Para além desta vantagem, a grande atração para os estrangeiros foi o abandono do modelo de fim de semana muçulmano (sexta-feira e sábado livres). Agora, com a semana de quatro dias e meio, os dias livres serão sexta-feira à tarde, sábado e domingo.
Ainda mais notável foi a decisão de conceder dupla nacionalidade a estrangeiros qualificados que já trabalham nos Emirados há algum tempo, visto que os países da região costumavam estar divididos em dois grupos muito fechados: de um lado, os nativos, que recebem grandes ajudas do Estado; e, do outro, duas classes de estrangeiros — os qualificados que falam inglês e trabalham em empresas globalizadas, e os com menores qualificações que trabalham em condições de quase escravidão e dependentes dos seus empregadores. A partir de agora, pelo menos os primeiros serão elegíveis para obter a cidadania do país.
Um dos motivos para esta melhoria das condições para os trabalhadores é atrair imigrantes e, em particular, talentos técnicos provenientes dos EUA e da Europa, reconheceu o Governo do país árabe, que vê a chegada desta população como uma oportunidade para desenvolver mais setores da sua economia e reduzir a dependência da sua indústria petrolífera.
Austrália e Nova Zelândia abrem portas a trabalhadores qualificados
Desde há alguns anos, a Austrália e a Nova Zelândia vinham a reduzir a quota de população estrangeira e a reforçar as regras para a obtenção de cidadania, um processo que era muito complicado até à pandemia. Porém, a falta de mão de obra está a alterar esta situação.
Em primeiro lugar, a Austrália anunciou que, a partir de 1 de dezembro, iria agilizar a entrada de cidadãos de muitos países, tais como Singapura, Coreia do Sul, Nova Zelândia e Japão. O país espera receber mais de 200.000 imigrantes face ao levantamento das restrições em vigor, um primeiro passo que o Governo se dispõe a dar para aumentar significativamente a chegada de trabalhadores qualificados.
A Nova Zelândia seguiu o exemplo dos australianos e anunciou duas medidas. A primeira passa por permitir que mais de 165.000 vistos de trabalho temporários sejam convertidos em vistos permanentes. A segunda é a abertura das fronteiras para atrair mais trabalhadores, mas o Governo não avançou um número específico para quantas pessoas espera receber.
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