Semana de 4 dias, salário mínimo e precaridade. As propostas dos partidos para o trabalho
Depois de ter sido uma das chaves para a reprovação do OE2022, a lei laboral assume agora particular relevo nos programas eleitorais dos partidos. As propostas são muitas e variadas.
Nos programas eleitorais apresentados para a ida às urnas deste domingo, há muitas e variadas propostas dirigidas ao mundo do trabalho. Há quem queira aumentar o salário mínimo para mil euros, mas também quem queira acabar com ele, substituindo-o por vários valores definidos município a município. Há quem queira travar os despedimentos, mas também quem queira reduzir a sua complexidade. O ECO sistematiza as promessas em cinco grandes pontos.
Como deverá evoluir o salário mínimo?
A evolução do salário mínimo nacional é uma das questões que todos os anos divide as forças políticas e na campanha para as eleições de 30 de janeiro não está a ser diferente.
Se, por um lado, o PS quer que a trajetória da retribuição mínima mensal garantida conste de um acordo de médio prazo firmado em sede de Concertação Social, “evoluindo em cada ano em função da dinâmica do emprego e do crescimento económico com o objetivo de atingir pelo menos os 900 euros em 2026“, por outro o PSD não fixa uma meta numérica para a evolução do salário mínimo nacional e defende que esta deve ser discutida com os parceiros sociais, em linha com a inflação e os ganhos de produtividade.
Já o Bloco de Esquerda entende que, ao longo da legislatura, o salário mínimo nacional deverá ser atualizado a um “ritmo anual de, pelo menos, 10%“, de modo a “diminuir a diferença em relação ao salário mínimo de Espanha”, que hoje está situado em 965 euros mensais (a 14 meses).
Também à esquerda, a CDU quer que a retribuição mínima mensal garantida suba, já este ano, para 800 euros, sendo que acabou de ser atualizada (em janeiro) para 705 euros. Esta coligação defende, depois, um novo aumento para 850 euros “a curto prazo”.
Por sua vez, o PAN propõe aumentar “gradualmente” o salário mínimo nacional acima da inflação e da variação do salário médio do ano anterior, “fixando-o, pelo menos, em 905 euros no termo da legislatura”, ou seja, mais cinco euros do que a meta dos socialistas.
À direita, a Iniciativa Liberal avança com uma proposta diferente: quer substituir o salário mínimo nacional por um salário mínimo municipal, que passaria a ser aprovado em Assembleia Municipal por sugestão do executivo camarário.
E o que quer o Livre? Para o partido de Rui Tavares, a retribuição mínima mensal garantida deveria atingir os mil euros até ao final da legislatura, mais 100 euros que o objetivo traçado pelo PS.
De notar que, nos seus programas eleitorais, nem o CDS-PP nem o Chega têm propostas sobre esta matéria.
Propostas para combater a precariedade
O combate à precariedade é um dos temas em destaque nas propostas dos vários partidos para o mercado de trabalho.
Depois de a Agenda do Trabalho Digno ter recebido “luz verde” em Conselho de Ministros poucos dias antes do chumbo da proposta de Orçamento do Estado para 2022, o PS quer agora aprová-la na Assembleia da República até julho deste ano, caso saia vitorioso da ida às urnas de 30 de janeiro. Neste pacote de alterações à lei laboral, constam várias medidas que visam combater a precariedade, como a melhoria da regulação do trabalho temporário, a criminalização do trabalho não declarado, o reforço dos poderes da Autoridade para as Condições do Trabalho e a regulação do trabalho nas plataformas digitais — criando-se uma presunção de laboralidade adequada a esta realidade.
Além disso, os socialistas prometem “implementar a contribuição adicional por rotatividade excessiva“, taxa que já consta do Código do Trabalho desde 2019, mas não saiu do papel até ao momento, uma vez que ainda é preciso que o Governo publique um decreto regulamentar. O PS quer, também, “aprofundar as exigências dos estágios profissionais apoiados, de modo a reforçar os critérios de aprovação das candidaturas, a ligação com a empregabilidade direta dos jovens por parte das empresas e os níveis das bolsas praticadas, e ainda melhorar a regulação dos estágios não apoiados, de modo a prevenir abusos”.
Já o PSD “defende o aprofundamento da fiscalização e o combate à utilização injustificada de formas precárias e segmentadas de trabalho“, mas não dá mais detalhes sobre o que faria a este respeito, se conseguisse a vitória nas eleições legislativas. Propõe, por outro lado, uma “aposta firme” na criação de incentivos à inserção dos jovens e desempregados no mercado de trabalho.
À esquerda, o BE defende a aprovação de uma nova lei de combate ao trabalho temporário e ao falso outsourcing, através nomeadamente da limitação dos fundamentos e da duração do trabalho temporário para um máximo de seis meses, da obrigação de vinculação à empresa utilizadora ao fim de meio ano, da aplicação das regras das convenções coletivas da empresa aos trabalhadores em outsourcing, da possibilidade de quem está nessa situação ser representado pelas organizações da empresa utilizadora, da proibição da empresa que extingue um posto de trabalho contratar para funções equivalentes alguém em outsourcing e da proibição da externalização de funções relativas ao objeto social central da empresa.
Ainda no que diz respeito à precariedade, os bloquistas querem fixar a obrigação de celebrar contratos com as plataformas digitais, quando há presunção de contrato, sem intermediários, bem como a revogação do alargamento do período experimental para jovens à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração — ou seja, defendem a reversão de uma das medidas mais polémicas da revisão de 2019 do Código do Trabalho. Sugerem ainda a restrição de utilização de contratos a prazo apenas às situações de substituição temporária e de pico ou sazonalidade de atividade e a eliminação das exceções legais que permitem a sucessão de contratos a termo.
Além disso, o BE defende a “limitação da utilização abusiva de estágios apoiados pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional“, com a criação da obrigação de as empresas integrarem, pelo menos, um em cada três estagiários e com o “reforço da fiscalização relativa aos falsos estágios e à utilização de estágios sucessivos para ocupar funções permanentes nas empresas”.
Por outro lado, o Chega propõe a criação de incentivos para as empresas que “contratem sem termo certo jovens ou jovens que tenham emigrado há, pelo menos, dois anos para combater a precariedade laboral e o recurso abusivo a estágios”.
A CDU, por sua vez, promete, no seu programa eleitoral, combater a precariedade, com a “garantia de que a um posto de trabalho permanente corresponda um contrato de trabalho efetivo“.
À direita, a Iniciativa Liberal defende o combate à segmentação do mercado de trabalho, “entre contratos a termo e contratos de prestações de serviços, por um lado, e contratos sem termo, por outro”.
Já o PAN entende que é preciso reforçar o número de efetivos da Autoridade para as Condições do Trabalho, “assegurando uma fiscalização e intervenção mais eficaz que impeça o recurso à contratação de trabalhadores com vínculo precário para o desempenho de funções permanentes, bem como o não cumprimento da promoção da igualdade remuneratória entre homens e mulheres por trabalho igual ou de igual valor”.
O partido de Inês Sousa Real quer, além disso, reforçar os incentivos à conversão de estágios em contratos sem termo, através do cofinanciamento, nos primeiros seis meses, dos contratos permanentes.
No combate à precariedade, o Livre quer o reforço da capacidade da Autoridade para as Condições do Trabalho, “com a finalidade de erradicar os estágios não remunerados ou pagos abaixo do salário mínimo”, bem como de eliminar os “falsos contratos de trabalho no Estado com o nome de Contratos de Inserção do IEFP, limitar a subcontratação no Estado apenas a situações justificadas e que garantam que os trabalhadores subcontratados gozam de condições contratuais comparáveis à Administração Pública”.
Este partido defende também a “erradicação dos falsos recibos verdes e dos falsos estágios“, a regulação do recurso ao trabalho temporário, a restrição dos contratos a prazo a funções comprovadamente temporárias e o combate ao recurso abusivo ao estatuto de bolseiro.
O CDS-PP não tem propostas sobre esta matéria.
“Mais tempo para viver”
A expressão “mais tempo para viver” é do PAN, mas está espelhada, de um forma ou de outra, na maioria dos programas dos partidos para as eleições legislativas, numa altura em que a discussão sobre a conciliação da vida profissional, pessoal e familiar tem conquistado cada vez mais terreno.
Neste âmbito, os socialistas prometem “promover um amplo debate nacional e na Concertação Social sobre novas formas de gestão e equilíbrio dos tempos de trabalho, incluindo a ponderação da aplicabilidade de experiências como a semana de quatro dias em diferentes setores e o uso de modelos híbridos de trabalho presencial e teletrabalho, com base na negociação coletiva”.
Também os bloquistas querem abrir a porta à semana de quatro dias, ideia que já foi testada noutros países, mas que as confederações patronais já avisaram, conforme escreveu o ECO, que não tem “pernas para andar” em Portugal, pelo menos, nos próximos anos.
Sobre o tempo de trabalho, o Bloco de Esquerda defende ainda a redução do horário de trabalho para 35 horas, a reposição do pagamento integral das horas extra — ou seja, eliminado a “herança” da troika neste ponto –, a limitação e regulação da figura da “isenção de horário” e da generalização da laboração contínua e a “devolução dos três dias de férias “retirados pela direita” — isto é, o partido de Catarina Martins quer que os trabalhadores tenham 25 dias de férias por ano.
O BE promete também o reconhecimento de mais direitos a quem trabalha por turnos, nomeadamente com a definição de pausas e tempos de descanso e fins de semana, com a redução dos tempos de trabalho e com a majoração dos dias de férias.
Também à esquerda, a CDU propõe a redução da semana de trabalho para 35 horas, “sem perda de remuneração nem de outros direitos”, a consagração de 25 dias úteis de férias para todos os trabalhadores e garantia dos direitos no trabalho por turnos.
À direita, sobre o tempo de trabalho, a Iniciativa Liberal defende o reestabelecimento do banco de horas individual, figura que foi eliminada na já mencionada revisão de 2019 do Código do Trabalho. A IL quer que seja agora “ressuscitada”, passando a ser aplicada “por comum acordo entre o empregado e o empregador, podendo o horário normal de trabalho ser aumentado até duas horas por dias, 50 por semana e 150 por ano”.
Já sob o lema “mais tempo para viver”, o PAN quer repor o valor do trabalho suplementar, estabelecer o horário semanal de 35 horas para todos os trabalhadores, fixar o período de férias de 25 dias úteis (ou 30 dias úteis, no caso das pessoas com incapacidade superior a 60%), aos quais pode acrescer um dias útil por cada cinco anos acima dos 50, e consagrar a Terça-Feira de Carnaval como feriado obrigatório (atualmente, é facultativo). À semelhança do BE e da CDU, este partido também promete reforçar os direitos dos trabalhadores em regime de trabalho noturno e por turnos.
Na mesma linha, o Livre quer “aumentar o tempo disponível para todos”, com a implementação imediata das 35 horas semanais e dos 25 dias de férias, com progressão até 2030 para 30 horas semanais e 30 dias de férias anuais. Tal garante, explica o partido, “uma maior distribuição do trabalho”.
Neste ponto, o Livre sugere ainda não aumentar a idade legal de acesso à pensão de velhice e permitir a redução do horário de trabalho em função da idade do trabalhador sem perda de rendimento, em alternativa à reforma total. O partido de Rui Tavares defende ainda a promoção da flexibilidade dos horários, para a “efetiva e saudável articulação entre as esferas laboral e pessoal”.
Nos programas apresentados para as eleições de 30 de janeiro, PSD, Chega e CDS-PP não têm propostas sobre esta matéria.
Que medidas há para os trabalhadores independentes?
À parte das medidas desenhadas para os trabalhadores por conta de outrem, é importante também sistematizar as propostas que foram pensadas pelos partidos para os trabalhadores independentes, ainda que não sejam muitas.
Neste âmbito, o PS promete alargar a cobertura da contratação coletiva aos trabalhadores independentes economicamente dependentes, bem como aos trabalhadores em outsourcing, medida que faz parte da Agenda do Trabalho Digno.
Já o PSD propõe a redução para metade do prazo de garantia do subsídio por cessação de atividade. Isto “a fim de abranger os trabalhadores independentes que cessem de forma involuntário o contrato de prestação de serviços com a entidade contratante”, nos períodos de Estado de Emergência e Estado de Calamidade.
À esquerda, os bloquistas defendem a regularização dos falsos recibos verdes, “com metas concretas para obrigar à celebração de contrato a dezenas de milhares de trabalhadores, utilizando a Ação Especial de Reconhecimento do Contrato de Trabalho e com a inclusão de um critério de exclusão de empresas com falsos recibos verdes em qualquer contrato com o Estado“.
Por sua vez, a Iniciativa Liberal sugere aumentar o limite de isenção de IVA aos trabalhadores independentes, passando esse teto para 20.000 euros, “de forma a permitir maior simplicidade fiscal e reduzir custos de cumprimento de obrigações fiscais“.
Para “proteger o trabalho independente”, o Livre quer estabelecer uma retribuição horária mínima garantida de dez euros para estes portugueses, além de criar um novo estatuto de proteção do trabalho independente pela Segurança Social, ajustar a tabela de retenção para os trabalhadores independentes e reforçar a capacidade de negociação coletiva destes cidadãos.
Nem o Chega, nem a CDU, o PAN e o CDS-PP têm referências diretas aos trabalhadores independentes, nos seus programas eleitorais.
Outras ideias para um mundo do trabalho em mudança
Além dos quatro pontos já focados, os partidos prepararam também outras propostas para o mercado de trabalho português.
O PS, por exemplo, promete clarificar na lei as condições de exercício dos diretos sindicais nas empresas, além de ponderar com os parceiros sociais mecanismos de reforço da prevenção de conflitos laborais, em especial no âmbito da negociação coletiva. Quer também discutir na Concertação Social eventuais estímulos à participação de empresas e trabalhadores em associações e reavaliar a utilização do fundo de compensação do trabalho, “a fim de melhorar o seu enquadramento e impacto nas relações laborais”.
Já o PSD defende que é preciso “dissuadir as múltiplas formas de assédio no local de trabalho, como condicionantes da liberdade e ofensivas da dignidade da pessoa”, bem como apostar na formação profissional ao longo da vida, valorizar a Concertação Social e limitar a intervenção do Estado nos processos de negociação coletiva.
À esquerda, o BE quer o relançamento da contratação coletiva e do sistema coletivo de relações laborais, insistindo no polémico fim da caducidade unilateral dos instrumentos de regulação coletiva de trabalho, mas também na reposição do tratamento mais favorável ao trabalhador e no alargamento dos mecanismos de arbitragem. Os bloquistas exigem também o fim da “herança” da troika, com a reposição do valor das compensações por despedimento e das regras anteriores ao período de intervenção.
Ainda sobre os despedimentos, o Bloco de Esquerda propõe que sejam todos travados, exceto aqueles que forem levados a cabo por justa causa, em empresas com resultados positivos no ano anterior. Este partido defende também a revogação da norma que impõe que o recebimento da compensação do trabalhador vale como presunção de que ele aceita o despedimento e não pode contestar a sua licitude. Por outro lado, o BE quer reconhecer no Código do Trabalho o trabalho doméstico assalariado e o trabalho profissional associado aos cuidados e consagrar aí o subsídio de alimentação para todos os trabalhadores do privado.
Outra das medidas dos bloquistas é a definição de leques salariais de referência, nos setores público e privado, para combater as desigualdades salariais. “As empresas que ultrapassem esse leque serão excluídas de qualquer apoio público e benefício fiscal, bem como excluídas da possibilidade de participar em arrematações e concursos públicos”, sugere o BE.
Também a CDU quer acabar com as “normas gravosas do Código do Trabalho“, isto é, pôr fim à caducidade da contratação coletiva e repor o princípio do tratamento mais favorável. Esta coligação defende, por outro lado, para a Administração Pública, a revogação do sistema de avaliação de desempenho (o SIADAP), a revisão da Tabela Remuneratória Única e a reposição “do poder de compra perdido” pelos funcionários públicos, medidas reivindicadas pelos sindicatos que não têm tido resposta ao longo dos anos.
À direita, a Iniciativa Liberal propõe colocar no recibo de vencimento os custos suportados pela entidade empregadora a nível de Segurança Social, de modo a demonstrar o “salário real”. A pensar no futuro, este partido quer também promover os nómadas digitais e o trabalho remoto, o que passa nomeadamente pela revisão das regras recentemente aprovadas pela Assembleia da República. A IL quer, além disso, reduzir a complexidade administrativa dos processos de despedimento individual.
E o PAN, o que defende? O partido de Inês Sousa Real quer aumentar a compensação em caso de despedimento e revogar a presunção de aceitação de despedimento coletivo em virtude da aceitação da compensação paga pelo empregador, além de propor a salvaguarda da privacidade dos trabalhadores, “não permitindo que a entidade patronal tenha acesso ao conteúdo de e-mails, nomeadamente de cariz pessoal, remetidos ou recebidos através de computador disponibilizado pelo empregador”.
Já o Livre, no capítulo dos salários, propõe fixar um rácio máximo de desigualdade remuneratória em cada empresa, organização ou setor, indexar os salários à inflação e limitar os bónus e prémios atribuídos a acionistas, “promovendo a sua distribuição a todos os trabalhadores”.
Por outro lado, este partido defende a reativação da negociação coletiva e o alargamento do leque de matérias a negociar. Quanto ao teletrabalho, o partido de Rui Tavares entende que deve ser alargado o direito aos trabalhadores com filhos ou dependentes até aos 12 anos, trabalhadoras grávidas, trabalhadores a quem seja atribuído o estatuto de cuidador não principal, trabalhadores com doença crónica ou com grau de incapacidade igual ou superior a 60% e trabalhadores-estudantes. Defende também a clarificação do pagamento, por parte do empregador, de um valor mínimo para despesas correntes, indexado ao valor do salário mínimo nacional e o pagamento do subsídio de almoço.
E com os olhos no futuro, o Livre propõe a criação de um sistema público de formação pós-laboral, “que permita a empresas e trabalhadores ganharem novas competências”, bem como de um programa de apoio à digitalização e otimização das empresas, acompanhado de um programa de recursos humanos a médio prazo. Por outro lado, este partido sugere taxar as empresas que despeçam ou extingam postos de trabalho por introdução de automação, revertendo esse valor para a Segurança Social, para um fundo específico de reconversão profissional dos trabalhadores afetados ou “mesmo para constituir uma das fontes de financiamento do Rendimento Básico Incondicional“.
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