Quais as sanções que podem ser aplicadas à Rússia?
Depois de Putin ter reconhecido a independência de duas regiões separatistas pró-russas, os líderes ocidentais discutem esta terça-feira as sanções a aplicar perante a escalada da tensão na Ucrânia.
Os Estados Unidos, a União Europeia (UE) e o Reino Unido decidem esta terça-feira as sanções a aplicar a Moscovo, depois de, na noite de segunda-feira, Vladimir Putin ter reconhecido a independência de Donetsk e Lugansk, dois territórios separatistas pró-russos na região do Donbass, que proclamaram a independência das suas repúblicas em 2014, ano em que a Rússia anexou a península da Crimeia e a cidade de Sebastopol. Desde sanções financeiras a bancos às que visam somente indivíduos ou o setor energético, quais são as possibilidades em discussão?
Em Paris, os ministros dos Negócios Estrangeiros dos 27 Estados-membros da UE terão uma reunião informal com o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, marcada para as 16 horas locais (menos uma hora em Lisboa), com vista a discutir o pacote de sanções a implementar. À agência Lusa, fontes europeias avançaram que, em cima da mesa, estão medidas que abrangem 27 entidades e membros do Parlamento russo (Duma), bem como o congelamento de bens de dois bancos privados russos e restrições económicas às duas regiões separatistas. O aval final será dado ao final do dia, após um encontro dos embaixadores dos Estados-membros junto da UE, mas as sanções ainda terão de ser aprovadas pelos 27.
Entretanto, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, já anunciou esta terça-feira que vai impor sanções a cinco bancos russos com operações no Reino Unido, nomeadamente Rossiya, IS Bank, General Bank, Promsvyazbank e Black Sea Bank, e também a três multimilionários, que terão os seus bens congelados e ficarão impedidos de viajar para o Reino Unido. Diante dos deputados no Parlamento britânico, Boris Johnson assinalou que é necessário que o país se prepare para uma “crise prolongada”, acrescentando que o primeiro pacote de sanções pode ser estendido por mais tempo e que há “mais sanções prontas para serem impostas” caso a situação na fronteira ucraniana com a Rússia continue a agravar-se, noticia a BBC News (acesso livre/conteúdo em inglês).
O Governo britânico pondera ainda restringir a capacidade de indivíduos russos investirem e viverem no Reino Unido, ao pôr fim ao programa de “vistos gold“, que permite a cidadãos estrangeiros obterem uma autorização de residência por via de investimento. Este programa, que remonta a 2008, permitiu atribuir 14.516 “vistos gold” a cidadãos russos.
O anúncio de Boris Johnson acontece após o Presidente dos EUA, Joe Biden, ter assinado uma ordem executiva que proíbe “novos investimentos, comércio e financiamento” por parte de cidadãos norte-americanos para, de, ou nas duas regiões separatistas. “Em breve, anunciaremos também medidas adicionais relacionadas com a flagrante violação dos compromissos internacionais da Rússia“, disse a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki.
As declarações de Washington referem-se desde a carta das Nações Unidas aos acordos de Minsk, estes últimos assinados na sequência da anexação da Crimeia e da guerra civil no Donbass. O primeiro foi assinado ainda em 2014 e estabelecia um cessar-fogo entre o exército ucraniano e os separatistas russos, enquanto o segundo, assinado em 2015, era uma espécie de guião para a paz, mas não tem sido cumprido.
Além das sanções já anunciadas, outras podem vir a ser aplicadas, já que Putin ordenou a entrada das forças armadas russas em Donetsk e Lugansk, naquilo que apelida de missão de “manutenção da paz”, depois de ter assinado um decreto que reconhece a independência de ambas as regiões.
Entre possíveis restrições financeiras, uma das mais faladas é a exclusão da Rússia do sistema financeiro internacional SWIFT, utilizado por milhares de instituições financeiras em mais de 200 países, o que tornaria bastante difícil para os bancos russos fazer negócios no estrangeiro.
O Irão é um dos exemplos das consequências significativas que esta sanção implica. Em 2012, por ordem do Conselho da UE, o SWIFT foi suspenso neste país, no âmbito das discussões em torno do seu programa nuclear, o que conduziu a perdas nas receitas petrolíferas e no comércio externo iraniano.
No entanto, a Casa Branca já admitiu ser pouco provável a aplicação desta medida, pelo menos como resposta imediata a uma invasão da Rússia à Ucrânia, porque implicaria também um custo económico para os Estados Unidos, já que os bancos norte-americanos têm estreitas ligações com instituições financeiras russas, à semelhança da Alemanha. “Provavelmente, não vai ser o caso ver o SWIFT no pacote de sanções inicial“, disse o conselheiro adjunto de Segurança dos EUA, Daleep Singh, citado pela BBC (acesso livre/conteúdo em inglês).
Os EUA podem, por outro lado, proibir a Rússia de realizar transações financeiras que envolvam dólares norte-americanos. A essência desta medida consistiria em penalizações para qualquer empresa do Ocidente que permitisse a uma instituição russa negociar em dólares, mas a economia russa sofreria perdas significativas desde logo nas suas vendas de petróleo e gás, que, na sua maioria, são feitas na moeda dos Estados Unidos. O Reino Unido pode implementar o mesmo com a libre, ou a UE com o euro.
Atualmente, a capacidade de compra de obrigações russas pelas instituições e bancos ocidentais já é restrita, mas as limitações aplicadas podem vir a ser reforçadas, o que privaria o país de obter o financiamento necessário para fazer crescer a sua economia. Com um reforço do bloqueio da Rússia aos mercados internacionais de dívida, os custos do empréstimo do país podem aumentar e o valor do rublo, a sua moeda oficial, pode diminuir. Contudo, Moscovo tomou medidas preventivas, reduzindo o montante da dívida detida por investidores estrangeiros.
Outra possível sanção seria bloquear alguns bancos russos, o que tornaria praticamente impossível para qualquer pessoa no mundo realizar transações com eles. Moscovo ver-se-ia obrigada a ajudar as instituições visadas, de modo a evitar o aumento da inflação e a queda dos rendimentos. No entanto, esta medida também teria um impacto negativo para os investidores de países ocidentais com dinheiro nesses bancos.
Adicionalmente, o Ocidente pode optar por restringir a exportação de produtos chave para a economia russa. Os EUA, por exemplo, podem impedir as suas empresas de vender à Rússia qualquer mercadoria com tecnologia, software ou equipamento norte-americanos, o que envolveria, particularmente, semicondutores, utilizados desde em automóveis a smartphones. Ou seja, seriam visados setores inteiros da economia russa e não apenas as áreas aeroespacial e da defesa.
O setor da energia, que constitui uma fonte significativa de receitas para o Kremlin, nomeadamente a partir da exportação de gás natural e petróleo, pode igualmente ser “vítima” de sanções. Os governos ocidentais podem tornar ilegal que países e empresas comprem petróleo aos conglomerados energéticos da Rússia, como a Gazprom ou a Rosneft.
Aliás, os Estados Unidos já conseguiram que o chanceler alemão “congelasse” o novo gasoduto que liga a Rússia à Alemanha. Numa conferência de imprensa, esta terça-feira, Olaf Scholz sinalizou a suspensão do processo de certificação do recém-construído Nord Stream 2, afirmando que a situação tem de ser reavaliada.
É de ressalvar, ainda assim, que quaisquer sanções neste setor podem significar uma nova escalada dos preços – já bastante elevados – em toda a Europa, um continente largamente dependente do gás proveniente da Rússia.
Outras sanções podem ser dirigidas a indivíduos e não apenas a empresas ou entidades. Prevê-se que, neste caso, possam ser visadas pessoas próximas ou associadas ao presidente russo, mas também o próprio Vladimir Putin. Tal como decidiu o Reino Unido, o congelamento de bens e a proibição de viagens são as medidas mais prováveis, mas muitas destas sanções já estão em vigor e ainda não conseguiram alterar significativamente o comportamento russo.
Para os EUA e a Europa, a única esperança é que a elite russa exerça pressão sobre Putin face à impossibilidade de acederem a dinheiro detido em países estrangeiros e de terem os seus filhos a estudar em escolas e universidades das potências ocidentais.
O Kremlin, por seu lado, pode mitigar o impacto das sanções dos EUA e da Europa, procurando o apoio da China e de outros países aliados. Várias das sanções económicas referidas trazem simultaneamente um preço elevado para quem as impõe, além de que nem todas as nações ocidentais poderão estar dispostas a comprometer-se com a aplicação de sanções a Moscovo, sobretudo aqueles com relações mais próximas com a Rússia, como a Hungria, a Itália ou a Áustria.
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