40% dos técnicos de manutenção de aviões queixa-se de assédio moral no trabalho
Inquérito do Observatório para as Condições de Vida e Trabalho fala em "cenário de sofrimento no trabalho generalizado". Profissionais receiam erros que ponham em causa segurança dos passageiros.
Cerca de 40% dos técnicos de manutenção de aviões sofre de assédio moral no trabalho, indica um inquérito do Observatório para as Condições de Vida e Trabalho (OCVT), pedido pelo sindicato que representa aqueles profissionais. Uma situação que se agravou após a implementação do plano de reestruturação da TAP, que impôs cortes salariais e despedimentos.
Dos 434 técnicos de manutenção de aeronaves que responderam ao “Inquérito Nacional às Condições de Vida e de Trabalho dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves”, 39% respondeu ser alvo de assédio moral no trabalho. Uma subida significativa face ao inquérito realizado entre março e setembro de 2021, em que a percentagem era de 28%. Desde então, a TAP implementou um plano de reestruturação que implicou cortes salariais, atualmente nos 20%, despedimentos e saída de trabalhadores. O segundo estudo, cujas conclusões são agora reveladas, decorreu entre 5 de julho e 6 de setembro.
Dois terços dos respondentes ao estudo encomendado pelo Sindicato dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves (SITEMA) ao Observatório para as Condições de Vida e Trabalho (OCVT) — organismo que resulta de uma parceria de investigação entre a Universidade Nova de Lisboa, o Instituto Superior Técnico e a Université de Paris — diz fazer horas extra e 60% considera que é afetado por turnos e escalas fora de controlo, que resultam da má planificação do trabalho pelas chefias.
Perto de 40% declararam ser pressionados pelas chefias para trabalhar em dias de folga e 62% sentem que o contacto negativo com as hierarquias os afeta.
“Quase 80% sentem-se desgastados ao pensar no dia seguinte, algumas vezes por mês, semana ou sempre, num cenário de sofrimento no trabalho generalizado”, refere o inquérito.
Quase dois terços (64%) dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves (TMA) inquiridos diz ter dificuldades em dormir e 60% responderam não conseguir descansar nas folgas. A maioria (61%) afirma sentir-se emocionalmente exausto uma vez por mês ou mais. Entre os fatores que mais preocupam estes profissionais estão o congelamento salarial, que afeta 99% dos inquiridos, e a possibilidade de encerramento da empresa (98%). Um número muito elevado dos entrevistados (86,8%) diz pensar em mudar de empresa, o que compara com 66% no inquérito realizado em 2021.
Em sede de entrevistas qualitativas destacamos o medo de errar e a assunção, por parte dos próprios técnicos de manutenção, de que, com estas condições de trabalho, podem cometer-se erros que podem colocar em risco a segurança dos passageiros.
“As respostas a algumas questões indicam um agravamento da situação de sofrimento laboral, no espaço apenas de um ano, sendo de destacar o aumento exponencial de trabalhadores a querer mudar de empresa e a considerar que são alvo de assédio moral no trabalho, bem como os que referem trabalhar mal ou exercer com deficiência as suas funções”, aponta o resumo do relatório do inquérito, da autoria de oito investigadores.
“Em sede de entrevistas qualitativas destacamos o medo de errar e a assunção, por parte dos próprios técnicos de manutenção, de que, com estas condições de trabalho, podem cometer-se erros que podem colocar em risco a segurança dos passageiros“, salienta também o relatório.
“O congelamento de salários, a redução de pessoal e os níveis de assédio moral que reportamos são sintomáticos de um ambiente de trabalho muitas vezes tóxico, num setor que só por si já está exposto a níveis de stress elevados tendo em conta que os TMA são uma das garantias da segurança na aviação”, afirma Raquel Varela, historiadora e investigadora responsável pelo estudo, citada num comunicado divulgado pelo SITEMA.
“É importante alertar as principais entidades empregadoras para o facto de os trabalhadores estarem cansados e que é preciso agir já para evitar consequências piores”, diz Jorge Alves, presidente do SITEMA, também na nota enviada pelo sindicato.
O congelamento de salários, a redução de pessoal e os níveis de assédio moral que reportamos são sintomáticos de um ambiente de trabalho muitas vezes tóxico, num setor que só por si já está exposto a níveis de stress elevados tendo em conta que os TMA são uma das garantias da segurança na aviação.
O responsável do SITEMA — que está a negociar com a TAP um novo acordo de empresa — defende também “um investimento a médio prazo na formação de novos TMA que, em média, demoram 10 anos a qualificarem-se aptos para a função, de forma a aumentar a captação de novos talentos nas universidades e que esta categoria profissional seja reconhecida e valorizada, não só na aviação civil, mas pela sociedade em geral.”
A maioria dos inquiridos trabalha na TAP (88%), seguindo-se a Portugália (6%) e a SATA (6%). Mais de metade dos respondentes aufere mais de 2.100 euros brutos e têm um horário de trabalho estipulado entre 37,5 horas e 40 horas semanais. Mais de metade dos trabalhadores tem 1 ou 2 filhos e a média do agregado familiar é de 3 ou 4 pessoas.
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