Como era o Governo quando tomou posse e como é agora
Os sucessivos casos e demissões obrigaram António Costa a ir retocando a orgânica do Governo, ora para reforçar a coordenação ora para dar sinais políticos.
Após 10 demissões em nove meses, além de algumas caras novas o Governo soma diferenças face àquele que tomou posse em março do ano passado. Houve mexidas na orgânica e um reforço do perfil político. Resta saber se será suficiente para estancar a sangria de casos e saídas.
A crise política desencadeada pela indemnização paga a Alexandra Reis fez cair um ministro, Pedro Nuno Santos, e renovar quatro Secretarias de Estado, ampliando o recorde de demissões em tão curto espaço de tempo. A remodelação foi aproveitada, como noutras ocasiões, para o primeiro-ministro dar um sinal político. Desta vez, com a criação do Ministério da Habitação, que será liderado pela secretária de Estado que tinha a pasta, a socialista Marina Gonçalves. Uma opção justificada por António Costa com a necessidade de concretizar o investimento público previsto nesta área, para a qual o PRR tem 2,7 mil milhões de euros, e aplaudida pelo Presidente da República, que espera que se traduza em soluções “para um problema social grave em Portugal”.
Nem sempre foi assim. O primeiro Executivo de António Costa nasceu em novembro de 2015 com as pastas do Planeamento e das Infraestruturas debaixo do mesmo teto, sob a liderança de Pedro Marques. A secretaria de Estado da Habitação só seria criada em julho de 2017, mas debaixo do Ministério do Ambiente e Transição Energética. Mudou-se para as Infraestruturas quando a saída de Pedro Marques para concorrer às eleições Europeias levou à separação do seu ministério em dois, ficando Nelson de Souza com o Planeamento e Pedro Nuno Santos com as pastas das Infraestruturas e Habitação, em fevereiro de 2019.
O ministério e o ministro continuariam no segundo Governo de Costa e novamente no terceiro. A demissão de Pedro Nuno Santos levaria à cisão anunciada esta semana, com João Galamba a ficar com as Infraestruturas e Marina Gonçalves com a Habitação. A dúvida é se terá o correspondente peso político?
Empiricamente, existem ministérios que são criações simbólicas, de sinalização de que uma área é importante para o partido, mas podem não ir além disso.
“Empiricamente, existem ministérios que são criações simbólicas, de sinalização de que uma área é importante para o partido, mas podem não ir além disso”, explica o politólogo Pedro Silveira, autor do ensaio Governo de Portugal, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. No plano teórico, “um ministério que tenha poucas estruturas para tutelar, num setor mais limitado em termos de stakeholders e com menos recursos será sempre um ministério com pouco peso político”, acrescenta.
Passando para o caso concreto, o professor da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade da Beira Interior, considera que “fazer a sinalização de que a habitação é muito importante com as mesmas pessoas é surpreendentemente pouco”. “O que o primeiro-ministro enfatizou é que procurou a estabilidade de políticas”, acrescenta.
Não é a primeira vez que António Costa recorre à estratégia de dar destaque a determinada área governativa com a atribuição de um ministério, como aconteceu com a Coesão Territorial ou o Mar. Neste último caso, aconteceu o inverso da Habitação. O Mar começou por valer um ministério nos dois primeiros Executivos, mas acabou relegado para uma secretaria de Estado, debaixo da Economia, no atual.
A criação do Ministério da Habitação não é a primeira alteração orgânica do XXIII Governo. Perante as dificuldades na coordenação política, o primeiro-ministro aproveitou a demissão da ministra da Saúde, Marta Temido, em setembro, para uma mini-remodelação. Fez regressar o cargo de secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, que tinha sido ocupado no anterior executivo por Tiago Antunes. A escolha recaiu em Miguel Alves e revelou-se um erro, com o antigo presidente da Câmara de Caminha a demitir-se menos de dois meses depois, envolto em suspeitas devido a um contrato da autarquia e depois de ser constituído arguido em dois processos. Foi substituído por António Mendonça Mendes.
Faria sentido assumir que existiram demasiados casos que têm a ver com a coordenação do Governo. É estranho que o primeiro-ministro ache que com estas alterações passaremos a ter menos casos de descoordenação.
Pedro Silveira não vê melhorias. “O secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro e o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros são funções muito importantes na articulação e coordenação política do Governo. O caso de Pedro Nuno Santos é um caso típico de falta de coordenação governativa“, afirma. António Costa reconheceu não ter sido informado da indemnização paga a Alexandra Reis e pediu esclarecimentos aos ministros das Infraestruturas e das Finanças.
O politólogo considera que poderiam ter existido consequências para a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva. “Faria sentido assumir que existiram demasiados casos que têm a ver com a coordenação do Governo. É estranho que o primeiro-ministro ache que com estas alterações passaremos a ter menos casos de descoordenação”, defende.
A substituição de Miguel Alves por António Mendonça Mendes, a 2 de dezembro, levaria a mudanças nas Finanças. Fernando Medina acrescentaria a secretaria de Estado das Finanças, passando a ter quatro, atribuída a João Nuno Mendes. Para o seu lugar na secretaria de Estado do Tesouro entraria Alexandra Reis, cuja indemnização para sair da TAP detonaria a mais recente crise.
Mais ministros e do PS
Depois de ter sido criticado pela oposição de despesismo ao protagonizar em 2019 o maior Executivo da democracia portuguesa, António Costa promoveu um emagrecimento no XXIII Governo. Passou de 19 ministros para 17 e o elenco de secretários de Estado encolheu de 50 para 38. Com as remodelações, o Executivo está de novo a crescer. Soma agora 18 ministros e 41 secretários de Estado. Juntando o primeiro-ministro são 60 governantes.
Vencendo com maioria absoluta, o primeiro-ministro partiu para o terceiro Governo com condições de governabilidade amplamente melhoradas, deixando de depender de acordos parlamentares. O novo contexto político facilitava também o recrutamento, inclusive fora do universo socialista, mas o novo Executivo manteve um forte pendor político, assente em figuras que transitaram do Executivo anterior, como Mariana Vieira da Silva, Pedro Nuno Santos ou Duarte Cordeiro, ou com peso no partido, como Fernando Medina ou Ana Catarina Santos.
Apesar dos apelos para trazer sangue novo e personalidades da sociedade civil, António Costa tem optado sempre pela “prata da casa”, recorrendo à expressão usada esta terça-feira pelo Presidente da República. Foi assim com Marta Temido, substituída por Manuel Pizarro, com Pedro Nuno Santos, substituído por João Galamba, e com a nova ministra da Habitação. Em 18 ministros, só um terço são independentes.
É o primeiro-ministro a escolher e, naturalmente, ao escolher, conforme os resultados, assim será um sucesso ou não. Isso cairá em cima do primeiro-ministro.
Pedro Silveira considera que a escolha original de ministros pareceu equilibrada, combinando ministros socialistas com conhecimento das áreas com independentes próximos do partido. No atual contexto a opção deveria ter sido outra. “O que precisava agora, o que é muito difícil, era ter três ou quatro pessoas numa remodelação alargada, com um perfil especializado e competência reconhecida pelos portugueses“, defende. “Neste contexto político em que o Governo precisava de um ímpeto, recorre a pessoas que já estavam no Governo e que sobem de secretário de Estado a ministro”, acrescenta. Opção que revela “um fechamento”.
Na escolha dos novos secretários de Estado predominam assessores dos gabinetes. No Ambiente e Ação Climática, a antiga secretaria de Estado de João Galamba é dividida em duas. A economista Ana Cláudia Gouveia sai do gabinete do primeiro-ministro para ser secretária de Estado da Energia e Clima e Hugo Alexandre Polido Pires, vice-presidente da bancada parlamentar do PS, será o novo secretário de Estado do Ambiente. Frederico Francisco, engenheiro espacial que já fazia parte do gabinete de Pedro Nuno Santos, foi escolhido pelo novo ministro para secretário de Estado das Infraestruturas. Para o lugar de Alexandra Reis no Tesouro, Fernando Medina escolheu Pedro Sousa Rodrigues, economista e antigo adjunto no gabinete do Secretário de Estado da Internacionalização. De fora do Governo veem a nova secretária de Estado da Habitação, Maria Fernanda da Silva Rodrigues, engenheira civil e professora auxiliar da Universidade de Aveiro, e a nova secretária de Estado da Agricultura, Carla Pereira, diretora regional de Agricultura e Pescas do Norte, que substitui Rui Martinho, que sai por motivos de saúde. Tomam todos posse, em conjunto com os novos ministros, esta quarta-feira às 18h.
“É estranho achar-se que a partir de agora as pessoas vão ter uma maior confiança de que os casos vão deixar de acontecer ou ser menos regulares“, afirma o professor da Universidade da Beira Interior e da Universidade Nova de Lisboa, num comentário apenas à escolha dos ministros. “O risco de parecer que não se fez nada é que se continuarem a existir casos vai tornar-se muito difícil de gerir”, alerta.
Um aviso deixado logo pela manhã pelo Presidente da República, que depois de aterrar no aeroporto de Lisboa vindo do Brasil, sublinhou o caminho de “não inovar” e “mexer o mínimo possível” seguido por António Costa, deixando claro o ónus que sobre ele recai: “É o primeiro-ministro a escolher e, naturalmente, ao escolher, conforme os resultados, assim será um sucesso ou não. Isso cairá em cima do primeiro-ministro.”
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