Fertagus pede mais tempo mas Estado pode resgatar concessão
Concessionária do comboio da Ponte 25 de Abril pede prolongamento do contrato na sequência dos efeitos da pandemia de Covid-19 em 2020. Situação não impede Estado de resgatar serviço ferroviário.
A Fertagus pretende prolongar novamente o contrato para explorar o comboio da Ponte 25 de Abril. A empresa do grupo Barraqueiro entregou em janeiro um pedido de reposição do equilíbrio financeiro da concessão para ser compensada pelos efeitos da Covid-19 em março e abril de 2020, indicou ao ECO fonte oficial. A situação não impede, no entanto, que o Estado possa pedir para resgatar o serviço a partir de terça-feira, 28 de fevereiro.
O pedido da Fertagus está relacionado com o Decreto-Lei n.º 19-A/2020. Em 16 de abril de 2020, o Conselho de Ministros aprovou um “regime excecional e temporário de reequilíbrio financeiro de contratos de execução duradoura” por conta da primeira vaga da pandemia. O confinamento obrigatório determinou que os cidadãos não pudessem usar as estradas e os comboios, salvo por motivos excecionais.
Com este diploma e a salvaguarda do decreto do estado de emergência do Presidente da República, foram suspensas as cláusulas que “preveem o direito à reposição do equilíbrio financeiro ou a compensação por quebras de utilização em qualquer contrato de execução duradoura em que o Estado ou outra entidade pública sejam parte, incluindo contratos de parceria público-privada”.
No entanto, este diploma previa que, “nos contratos em que se preveja expressamente o direito do contraente ou parceiro privado a ser compensado por quebras de utilização ou em que a ocorrência de uma pandemia constitua fundamento passível de originar uma pretensão de reposição do equilíbrio financeiro, tal compensação ou
reposição só pode ser realizada através da prorrogação do prazo de execução das prestações ou de vigência do contrato”. Este ponto justifica a pretensão da Fertagus, cujo contrato de concessão termina em 30 de setembro de 2024.
Para já, o pedido da empresa “encontra-se em análise”, segundo a transportadora. Deverá seguir-se a nomeação de uma comissão de negociação para rever o contrato, a cargo da Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos (UTAP).
Em 2020, a Fertagus teve receitas de 26,8 milhões de euros, menos 10% face a 2019. Entre março e dezembro, as validações de bilhetes caíram entre 40% e 90% face aos niveis de 2019.
Terceira alteração do contrato a caminho
Esta será a terceira renegociação do contrato da Fertagus, que começou a operar o comboio da Ponte 25 de Abril em julho de 1999, com um contrato de 30 anos. No entanto, a primeira alteração surgiu em 2005, por conta da utilização abaixo do previsto: após dois anos de conversações, o contrato foi encurtado para durar até 2010, mantendo a empresa o direito a receber compensação do Estado.
A partir de 2005, o Estado passou a ser o proprietário dos 18 comboios da Fertagus (iguais aos comboios de dois pisos dos suburbanos da CP), que tem de pagar uma renda anual para utilizar o material circulante. Também nesse ano ficou estabelecido que a Fertagus poderia comandar a operação até ao final de 2019 mas sem receber pagamento público.
A opção de prolongamento foi acionada mas não muito tempo depois Fertagus e o Estado voltaram a negociar, a partir de 2012: a concessionária sentiu-se penalizada pelo aumento do valor da tarifa de utilização das linhas de comboio, que foi determinado pela então Refer (e atual IP) em dezembro de 2011 e que não estava previsto no contrato. Os anos passaram e o valor em dívida da taxa de utilização atingiu os 7,6 milhões de euros.
Depois de sete anos de conversações, em vez de o Estado pagar à empresa que gere as linhas de comboio, chegou-se a acordo, em dezembro de 2019, para prolongar a concessão por mais quatro anos e nove meses, até 30 de setembro de 2024.
Nada impede resgate
O contrato de concessão define que o Estado pode pedir, “a partir de 28 de fevereiro de 2023”, o resgate da concessão. Nem mesmo o pedido de reposição do equilíbrio financeiro apresentado pela Fertagus impede que o Estado possa exercer esse direito.
“São situações jurídicas distintas”, sinaliza Pedro Melo, sócio da Miranda & Associados para a área de Direito Público & Regulatório. “O facto de estarem pendentes pedidos de reposição do equilíbrio financeiro não inibe o exercício desta faculdade pelo concedente”, corrobora um advogado desta especialidade que pediu para não ser identificado.
Caso o Estado tome esta opção, será necessário uma iniciar uma auditoria a toda a operação no prazo de dois meses. A avaliação dos ativos tem de durar, no máximo, seis meses. Só depois disso é que o Estado pode assumir todas as responsabilidades atualmente atribuídas à Fertagus.
Resta saber se o Estado e o grupo Fertagus vão voltar a estar alinhados ou se os comboios entre Roma-Areeiro e Setúbal poderão ter alterações nos próximos anos.
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