Já há três governos dependentes da extrema-direita na UE. O que esperar das Europeias em 2024?
No poder ou através de apoio parlamentar, a extrema-direita já segura os governos de Itália, Suécia e, em princípio, Finlândia. Europeias podem ver crescimento destes partidos como voto de protesto.
Falta cerca de um ano para as próximas eleições europeias e, até lá, há vários países da União Europeia (UE) que vão às urnas para elegerem novos governos. Entre os 27 Estados-membros, a extrema-direita chegou ao poder pelo menos em Itália – e, ao que tudo indica, o mesmo acontecerá na Finlândia – enquanto o Governo sueco conta com o seu apoio parlamentar, para além dos polémicos governos da Polónia e da Hungria. Pode este aparente crescimento da extrema-direita verificar-se nas eleições de 2024 para o Parlamento Europeu?
“É difícil dizer”, responde ao ECO o especialista em questões europeias Paulo Sande, que reconhece que, nos últimos anos, se tem assistido a subidas e descidas dos partidos de extrema-direita. Porém, “a ideia de que essa subida é constante também não é verdade”, ressalva, assumindo que não parece que se esteja a caminhar “no sentido de uma crescente e irreversível tendência para que os partidos de extrema-direita assumam o poder e que tenham no Parlamento Europeu, a partir do próximo ano, um peso que não têm ainda agora“.
Apesar da dificuldade em definir o que são partidos de extrema-direita, existem dois grupos políticos no Parlamento Europeu que são de extrema-direita ou, pelo menos, integram eurodeputados de partidos de extrema-direita: a Aliança dos Reformistas e Conservadores Europeus (ECR, na sigla em inglês) e o Identidade e Democracia (ID). Ambos somam, atualmente, 128 eurodeputados.
A título de exemplo, o Irmãos de Itália, partido da primeira-ministra italiana, Georgia Meloni, o Partido dos Democratas Suecos, que apoia a coligação governamental na Suécia, ou o Lei e Justiça, que governa na Polónia, fazem parte do ECR; do lado do ID, encontram-se o Partido dos Finlandeses, atualmente em negociações para o Executivo da Finlândia, e a Liga, de Matteo Salvini, que faz parte do Governo italiano.
O ECR, neste momento, integra um conjunto de partidos que procuraram, sendo partidos de extrema-direita – como por exemplo é o caso dos polacos, do Lei e Justiça (PiS) –, criar uma imagem de “credibilidade”, no sentido de dizer “nós não somos bem a extrema-direita, há uma extrema-direita mais à direita do que nós”, que é o ID.
Em declarações ao ECO, a eurodeputada socialista Margarida Marques distingue ambas as famílias políticas. O ECR tem “forças muito diferentes” e, ao longo da atual legislatura, procurou “criar uma imagem de ‘credibilidade’, no sentido de dizer ‘nós não somos bem a extrema-direita, há uma extrema-direita mais à direita do que nós’, que é o ID”, afirma, considerando que se está a assistir a uma “normalização do ECR” e aqueles que são mesmo a extrema-direita são a ID.
A mesma ideia é reforçada por José Manuel Fernandes, eurodeputado eleito pelo PSD, que vê o ID como “mais extremista” do que o ECR, embora reconheça que o ECR “tem gente moderada, mas também tem gente que não ficava mal no ID”.
Ainda assim, para o eurodeputado social-democrata, os extremos existem quer à direita, quer à esquerda, sendo que muitas vezes se autoalimentam. “Em mais de 90% das votações no Parlamento Europeu, no voto final, votam no mesmo sentido e votam contra”, especialmente em questões de fundos e programas europeus, assinala.
José Manuel Fernandes também vê uma normalização da extrema-direita, o que acontece quando partidos moderados tentam ocupar o seu espaço e fazer acordos, mas também quando “a extrema-esquerda chama à extrema-direita aquilo que não é extrema-direita”.
O voto de protesto nas eleições europeias
As últimas eleições europeias, em 2019, tiveram a maior taxa de participação (50,6%) desde as eleições de 1994. Apesar do aumento da taxa de participação, subsistem grandes diferenças entre os Estados-membros, com taxas que variaram entre 88% na Bélgica e 23% na Eslováquia. Portugal teve uma taxa de abstenção recorde de 68,6%.
Ao ECO, o cientista político Vicente Valentim explica que as eleições europeias são, tal como as autárquicas, aquilo que se chama de eleições de segunda ordem. “Pelo menos na perceção dos cidadãos está um bocadinho menos em causa o governo nacional, que é o que as pessoas percecionam que tem mais influência sobre a vida delas“, explicita.
Por isso, além da menor participação, “há muito mais tendência para haver aquilo que se chama de voto de protesto” em eleições europeias, argumenta o também investigador de pós doutoramento na Universidade de Oxford. “Se as pessoas, por algum motivo, estão descontentes com o Governo, acabam por votar em partidos diferentes porque é uma forma de vocalizarem o seu descontentamento, tendo, pelo menos da sua perceção, menos consequência”, acrescenta, notando que é a direita radical, em particular, que ganha muito este voto de protesto.
É de notar, no entanto, que em Itália o voto de protesto pode voltar-se contra o atual Governo, que é de extrema-direita. E, em Espanha, que nas legislativas de dezembro pode ver o centro-direita formar governo com o Vox, é possível que não dê para haver voto de protesto nas europeias. Neste caso, Vicente Valentim realça duas questões: “Por um lado, o Governo vai ser recente, sendo possível que haja um período de negociações governamentais, e depois os governos têm aquilo que se chama um período de lua de mel; por outro, as pessoas têm sempre mais tendência para votar em partidos pequenos, porque há a ideia do voto útil”.
As eleições europeias são aquilo que se chama eleições de segunda ordem no sentido em que, pelo menos na perceção dos cidadãos, está um bocadinho menos em causa o governo nacional, que é o que as pessoas percecionam que tem mais influência sobre a vida delas. Por isso, em todo este tipo de eleições, quer sejam europeias, quer sejam municipais, há muito mais tendência para haver aquilo que se chama de voto de protesto. Se as pessoas, por algum motivo, estão descontentes com o Governo, acabam por votar em partidos diferentes porque é uma forma de vocalizarem o seu descontentamento, tendo, pelo menos da sua perceção, menos consequência.
Olhando para o caso português, o Chega irá concorrer pela primeira vez às europeias e, se se tiver em conta as sondagens, Paulo Sande vê muitas probabilidades de o partido liderado por André Ventura – que em 2020 se juntou ao ID – passe a ter “vários ou dois ou três eurodeputados”. “A minha opinião é que isso vai oscilar de país para país: há países onde a extrema-direita vai crescer mais, outros onde estagna e outros onde desce“, aponta.
Cordão sanitário ou integrar a extrema-direita no poder?
Para as propostas legislativas receberem ‘luz verde’ dos eurodeputados, é frequente existirem acordos entre as diferentes famílias políticas. Mas, na atual legislatura, os grupos políticos fizeram um cordão sanitário ao ID – não ao ECR. Isto é, não deram relatórios nem elegeram qualquer dos seus membros para a presidência ou vice-presidência de uma comissão parlamentar.
No entanto, esta semana, a líder do grupo dos Socialistas e Democratas disse que, embora a colaboração “tradicional” entre o Partido Popular Europeu (PPE), o S&D e o Renew Europe tenha corrido bem nos últimos anos, é pouco provável que continue após as eleições de 2024. Em entrevista ao Euractiv, Iratxe García Pérez culpa os movimentos do PPE, de centro-direita, no sentido de colaborarem com a extrema-direita, o que ultrapassa a “linha vermelha pró-UE” dos socialistas e corre o risco de perturbar o equilíbrio entre os diferentes grupos políticos.
Havendo um grande aumento da extrema-direita e até da direita conservadora em Estrasburgo após as eleições do próximo ano, Paulo Sande antecipa “bastantes problemas” para o bloco comunitário. Ainda que com “linhas vermelhas diferentes que chocam entre si, se houver um entendimento e um crescimento – e provavelmente haverá – poderá haver um grupo fortíssimo no Parlamento Europeu“, nota.
O especialista em assuntos europeus considera “provável” que, nesse caso, se faça novamente um cordão sanitário, visto que “estão em causa valores muito fortes da UE, que, aliás, estão vertidos na Carta dos Direitos Fundamentais e, portanto, colocam-se problemas existenciais à própria União”.
Mas o também professor universitário na Universidade Católica duvida da eficácia dos cordões sanitários. “Há uma expressão muito antiga francesa que diz ‘vi muitas vezes radicais chegarem a ministros, não conheço muitos ministros radicais’; provavelmente, a maneira de responder – não digo a todos – é colocá-los na esfera do poder“, defende.
Não me parece que estejamos a caminhar no sentido de uma crescente e irreversível tendência para que os partidos de extrema-direita assumam o poder e que tenham no Parlamento Europeu, a partir do próximo ano, um peso que não têm ainda agora.vPor outro lado, também é difícil definir o que é que são partidos de extrema-direita, de direita, mais ou menos contrários à democracia – no fundo, que tenham uma atitude que possa por em causa os valores europeus.
Na Finlândia, exemplifica, “inseri-los no Governo talvez seja a melhor maneira de os suavizar, de lhes tirar as veleidades mais extremas”, enquanto “no caso de Itália, em que se dizia que a Meloni poderia ter uma tentação eurocética e mais radical, para já não se está a ver isso – está a ver-se na imigração”.
“A melhor maneira não é fazer cordões sanitários, é integrá-los, dar-lhes aquilo que querem até ao ponto em que isso é possível, tentar encontrar equilíbrios entre as várias funções. Se eles se recusarem, então aí sim, terá de haver posições mais fortes, de resistência e de oposição”, conclui Paulo Sande.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Já há três governos dependentes da extrema-direita na UE. O que esperar das Europeias em 2024?
{{ noCommentsLabel }}