Do Alentejo ao sul da Europa, calor extremo ameaça êxodo no turismo

O aquecimento global pode atrair os turistas para climas mais frescos. Regiões mais quentes como o Alentejo e o sul da Europa têm que preparar-se para os desafios das alterações climáticas.

O turismo já está a sentir o impacto das alterações climáticas. O calor que se faz sentir no verão começa a ser menos apetecível para os turistas e as regiões como o Algarve e o sul da Europa podem sofrer com o aquecimento global. Por oposição, as regiões do Norte, que são mais frescas, podem tornar-se mais atraentes para as atividades turísticas. Para além de adaptar a oferta, a solução passa por implementar ações para mitigar a degradação do ambiente.

O ano de 2022 ficou marcado como um dos anos mais quentes a nível global e Portugal não escapou e os termómetros a chegaram a marcar os 46.ºC em algumas zonas do país. Em Portugal continental, o ano passado foi classificado como extremamente quente em relação à temperatura do ar e seco em relação à precipitação, de acordo com dados do Instituto Português do Mar e Atmosfera (IPMA). Foi o ano mais quente desde 1931.

O Alentejo é uma das regiões mais quentes de Portugal e está entre as regiões “mais pressionadas pelas alterações climáticas”. O presidente do Turismo do Alentejo, José Manuel dos Santos, diz ao ECO que do ponto de vista da atividade turística, o Alentejo “encontra-se numa zona crítica (influência do Mediterrâneo)” e admite que “a médio prazo (três a cinco anos) o destino Alentejo tem de adaptar as suas estruturas de oferta e planos de promoção a novos conceitos de época alta e baixa”.

José Manuel dos Santos afirma que as alterações climáticas são uma “preocupação” e que já estão a trabalhar no sentido de “capacitar as empresas do turismo para a prevenção de riscos e preparação para os desafios das alterações climáticas”.

A região do Alentejo encontra-se entre aquelas mais pressionada pelas alterações climáticas e que do ponto de vista da atividade turística encontra-se numa zona critica (influência do Mediterrâneo), admitindo-se que a médio prazo o destino Alentejo tenha que adaptar as suas estruturas de oferta e planos de promoção a novos conceitos de época alta e baixa”

José Manuel dos Santos

Presidente da Entidade Regional de Turismo do Alentejo

Para colmatar a eventual redução da procura em meses mais quentes, o líder do Turismo do Alentejo, realça que é “necessário esbater a sazonalidade e atrair procura externa qualificada ao longo de todo o ano”.

A Neoturis, consultora especializada em turismo, realça que na região alentejana já “existe uma menor procura nos meses de julho e agosto devido ao calor extremo, mas que “pode ser compensada por maiores ocupações em março, abril, maio ou em outubro e novembro”.

Em Vila Real o calor também não dá tréguas. Alexandre Favaios, vice-presidente da Câmara Municipal de Vila Real, salienta em declarações ao ECO, que “emergência das alterações climáticas deve ser uma preocupação de todos” e quer ao nível do turismo, agricultura e da qualidade de vida, “há um impacto negativo originado pelo aquecimento global”.

Para o vice-presidente da autarquia de Vila Real, do Douro às serras do Alvão e do Marão passando pelo circuito Internacional de Vila Real, “o concelho apresenta uma diversidade de oferta ao nível turístico, que lhe poderá permitir um certo nível de adaptação”. No entanto, para além da adaptação considera que há trabalho pela frente e que “só com ações concretas de mitigação desta nova realidade, quer por parte das instituições, quer por cada um de nós individualmente, se poderá evitar uma degradação geral do ambiente e, por consequência, da indústria turística”.

A emergência das alterações climáticas deve ser uma preocupação de todos. Vila Real não é diferente de qualquer outro território neste aspeto e claro que, quer ao nível do turismo, mas também da agricultura e da própria qualidade de vida, acreditamos que há um impacto negativo originado pelo aquecimento global.

Alexandre Favaios

Vice-presidente da Câmara Municipal de Vila Real

Para a consultora Neoturis existem outros “impactos mais preocupantes” e alerta que “à medida que as temperaturas aumentam nos mercados emissores (Reino Unido ou Alemanha)”, os turistas que escolhem Portugal, Espanha ou Itália para passar férias e aproveitar o bom tempo “podem optar por desfrutar das praias dos próprios países”. A Neoturis alerta ainda que o “vá para fora cá dentro” não é exclusivamente português.

O turismo pesa significativamente na economia portuguesa: estima-se que, em 2022, o consumo turístico representou 15,8% do Produto Interno Bruto (PIB) e 8,9% do Valor Acrescentado Bruto (VAB) superando os níveis de 2019, de acordo com as estimativas divulgadas pelo Instituto Nacional de Estatística, da Conta Satélite do Turismo (CST).

Seca grave e falta de água são cada vez mais frequentes

Os números são bastante otimistas, mas o próprio turismo contribui para as alterações climáticas. A consultora Neoturis corrobora esta ideia e salienta que “basta pensar nos efeitos do transporte aéreo” e alerta que “Portugal tem uma rede ferroviária pobre e sem ligações ao centro da Europa” e que isso poderá ser “prejudicial”.

Outra das preocupações relacionadas com as alterações climáticas é a seca. Para a Neoturis a “água é essencial em todos os aspetos do produto turístico”, desde logo para consumo, mas também para a paisagem (e até para o combate a eventuais incêndios). Por isso, a consultora especializada em turismo considera “vital”, tanto para os residentes como para os turistas, “que haja uma gestão de água a nível nacional, regional e local cada vez mais eficaz” e alerta que a “sua ausência pode comprometer seriamente o desenvolvimento turístico Português.

O novo presidente do Turismo do Algarve, André Gomes, que acabou de tomar posse, está consciente da problemática e manifestou-se empenhado “na luta pela sustentabilidade do território e na procura de soluções para a falta de água no sul do país”.

O dirigente apontou a necessidade de atrair mais investimento para o setor das águas “para mitigar o grave problema da escassez e permitir maior poupança deste recurso fundamental à vida e ao turismo”. Lembrou ainda a existência de “muitos bons projetos estruturais já em curso”, ao nível do aproveitamento de águas residuais tratadas, o reforço do sistema multimunicipal e a aposta em novas origens de água, adiantando que “o setor privado está a fazer a sua parte”.

Em junho deste ano, praticamente todo o território nacional estava em seca severa, de acordo com dados do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

De acordo com um estudo da Comissão Europeia sobre o impacto das condições climáticas no turismo, As regiões costeiras enfrentam os maiores impactos no turismo devido ao aquecimento global, é previsível que as maiores perdas (<-5%) aconteçam no Chipre, Grécia, Espanha, Itália e Portugal.

Abril deste ano ficou marcado como o quarto mês mais quente a nível global desde que há registos, revela um relatório divulgado pelo serviço do programa europeu Copérnico para as alterações climáticas (C3S, na sigla em inglês). Portugal não foi exceção e ultrapassou o recorde de 36ºC, para o mês de abril, registado no Pinhão em 1945.

O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) alertou que entre 11 e 17 de julho esperavam-se “valores extremos de temperatura em Portugal Continental” e que os termómetros poderiam alcançar entre os 42 a 45 °C no Alto Alentejo, Vale Tejo e em alguns locais do Alto Douro, Estremadura e Beira Litoral.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, avisa que “já não há tempo a perder” na crise climática e assinou um apelo com cinco chefes de Estado da Croácia, Grécia, Itália, Malta e Eslovénia comprometendo-se a “apoiar iniciativas de ação conjunta” para fazer face às alterações climáticas.

No texto, lê-se que, “como esperado, a crise climática chegou e atingiu proporções extremamente perigosas”, recordando-se que, na conferência sobre o clima em Nova Iorque, realizada em julho, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, classificou a atual situação como sendo de “ebulição global”.

Num contexto europeu e de acordo com um estudo publicado pela Plos One em 2019, em 27 anos, 77% das cidades de todo o mundo vão enfrentar una alteração no clima, aponta o estudo. A previsão é que em 2050 o clima de Madrid seja semelhante ao de Marrakech, os termómetros de Londres serão mais semelhantes aos de Barcelona e Estocolmo assimilará as condições de Budapeste.

Um estudo, divulgado pela rede científica World Weather Attribution (WWA), concluiu que sem as alterações climáticas, as atuais vagas de calor na Europa e nos Estados Unidos teriam sido “praticamente impossíveis”.

Regiões do Norte podem beneficiar com alterações climáticas

Com o calor extremo, os incêndios, a seca e a falta de água a assombrar a Europa, incluindo Portugal, e com tendência a intensificar-se nos próximos anos, as regiões do Norte de Portugal e da Europa podem beneficiar com este fenómeno. As regiões mais frescas podem ganhar terreno e passar a estar no topo da lista dos turistas.

Regiões mais frescas poderão, de facto, ser beneficiadas nos meses de Julho e agosto.

Neoturis, consultora especializada em turismo

No contexto nacional, a Neoturis, consultora especializada em turismo, está convencida que as “regiões mais frescas poderão, de facto ser beneficiadas nos meses de julho e agosto”.

Num contexto europeu, as “regiões da Europa Central e do Norte podem tornar-se mais atraente para atividades turísticas durante todo o ano, em detrimento das áreas do sul e do Mediterrâneo”, de acordo com um estudo da Comissão Europeia sobre o impacto das condições climáticas no turismo.

Os países nórdicos podem beneficiar das alterações climáticas tendo em conta que não serão assombrados pelas vagas de calor e podem tornar-se mais apetecíveis para os turistas. A Alemanha, Dinamarca, Finlândia, França, Irlanda, Holanda, Suécia e Reino Unido são os países que podem beneficiar com as alterações climáticas, aponta o mesmo estudo.

De acordo com o estudo da Comissão Europeia, está previsto taxas de crescimento superiores a 3% no número de dormidas num total de 106 regiões (regiões sombreadas de azul claro a escuro no mapa abaixo). Do outro lado da moeda, 52 regiões europeias na Bulgária, Grécia, Chipre, Espanha, França, Itália, Portugal e Roménia devem perder fluxos turísticos.

Evolução projetada da demanda turística regional europeia para todos os cenários de aquecimento global

 

As alterações climáticas são uma realidade global, que preocupa e que nos convoca a todos“, comenta o Turismo de Portugal, referindo que este contexto terá impacto na forma como o turismo, “uma atividade que depende, entre outras, do território e do clima, ambas com vulnerabilidades aos potenciais efeitos das alterações climáticas“, evoluirá no futuro. “Temos vindo a acompanhar com particular atenção os possíveis impactos das alterações climáticas no setor, num trabalho conjunto com todos os agentes, privados e públicos, do turismo, e com os nossos congéneres europeus e entidades internacionais“, garante fonte da organização agora liderada por Carlos Abade.

Importa “que o setor tenha uma capacidade crescente de adaptação aos riscos que daí decorrem, no sentido de os reduzir”, pelo que “será determinante o conjunto de medidas a levar a cabo no sentido da mitigação dos impactes resultantes das alterações climáticas”, acrescenta o Turismo de Portugal sem pormenorizar. “Pretende-se acautelar, cuidar e preparar os destinos para que seja possível mantermos a nossa capacidade de atrair fluxos internacionais, em linha com as melhores e mais inovadoras práticas relacionadas com a sustentabilidade e o ambiente”, resume.

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