Profissionais liberais valorizam novo modelo de retenção de IRS, mas têm reservas
Profissionais liberais veem com bons olhos aplicar taxas de retenção na fonte de IRS variáveis aos rendimentos dos trabalhadores independentes, mas têm reservas. Preferiam que Fisco sugerisse apenas.
Os trabalhadores independentes vão ter acesso a um novo modelo de retenção na fonte de IRS, que substitui a atual taxa fixa de 25% por um conjunto de taxas progressivas. Essa mudança é vista com “bons olhos” pela Associação Nacional dos Profissionais Liberais (ANPL), mas esta preferia que o Fisco apresentasse somente sugestões consoante os níveis de rendimentos e os profissionais tivessem autonomia para escolher a taxa de imposto a aplicar mensalmente aos seus rendimentos.
“A ANPL valoriza o princípio da aplicação de taxas de retenção na fonte variáveis, mas preferia que os profissionais liberais tivessem mais autonomia e liberdade para escolher qual a taxa de retenção na fonte que deverá ser aplicada, ainda que o sistema informático da Autoridade Tributária (AT) possa apresentar sugestões consoante os níveis de rendimentos auferidos, e possa emitir pagamentos por conta adicionais nos casos em que os profissionais liberais não estejam a aplicar taxas de retenção na fonte suficientes para fazer face ao imposto devido”, salienta a associação, numa nota enviada esta segunda-feira às redações.
Em causa está uma das medidas que ficou prevista no reforço do acordo de rendimentos assinado pelos parceiros sociais em outubro. Desse entendimento que contou com o “sim” da UGT e de três das quatro confederações patronais, consta o compromisso de aproximar a tributação dos recibos verdes à tributação do trabalho dependente, em caso de dependência económica do trabalhador face à entidade contratante.
Ora, na proposta de Orçamento do Estado para 2024 apresentada pelo ministro das Finanças, não estava previsto nada nesse sentido. E Fernando Medina explicou que tal aconteceria num diploma autónomo.
Mas na semana passada o PS decidiu apresentar uma proposta de alteração a esse documento que determina que no próximo ano serão feitas as alterações informáticas necessária para que os trabalhadores independentes tenham acesso a taxas de retenção na fonte progressivas.
“A ideia é que haja diferentes escalões, como para os trabalhadores dependentes, numa lógica de tributação progressiva”, esclareceu ao ECO o deputado do PS, Miguel Cabrita, frisando que estes trabalhadores tendem “a ser muito prejudicados e a ter não só menos segurança mas também condições menos favoráveis”.
Hoje quer tenham vários clientes ou apenas um, a generalidade desses prestadores de serviços retém mensalmente 25% de imposto.
Em reação, João Ascenso, membro da direção da ANPL, frisa que esta medida é vista com “bons olhos” pelos profissionais liberais, uma vez que vem permitir que aqueles que recebem menores rendimentos tenham uma remuneração líquida superior. “Por outro lado, também admite que a aplicação de taxas superiores a rendimentos de profissionais liberais mais elevados permitirão um melhor controlo dos montantes de imposto final a pagar ao Estado, tornando o rendimento líquido recebido por quem aufere remunerações mais elevadas num rendimento mais próximo do seu rendimento real”, salienta o responsável.
Ainda assim, a Associação Nacional dos Profissionais Liberais tem reservas.
Primeiro, a proposta do PS fala apenas nas alterações informáticas necessárias e não altera, para já, o modelo do imposto em si. Ou seja, será preciso ainda o Parlamento aprovar o novo modelo. “Trata-se, portanto, de uma mera declaração de intenções sem substância e concretização, sendo de questionar se é necessário que o Parlamento crie uma lei que imponha à AT alterar o seu sistema informático. A este propósito pergunta-se: não poderia esta adaptação ter sido já solicitada pelo Governo?”, atira João Ascenso.
Por outro lado, se as empresas que contratam os trabalhadores independentes tiverem conhecimento da taxa de retenção a aplicar, ficarão a saber que rendimentos aufere esse prestador de serviços, o que poderá prejudicar esses profissionais, nas negociações.
“Parece-nos que, numa altura em que a proteção de dados pessoais é tão relevante, esta solução é perniciosa porque poderá fragilizar a posição negocial do profissional liberal, especialmente nos profissionais liberais com menores rendimentos e maior dependência económica que poderão ver os seus contratos de prestador de serviços renegociados em baixa, aproveitando-se o adquirente dos serviços de uma possível situação de vulnerabilidade económica”, avisa o mesmo responsável.
Daí que a ANPL preferisse que o Fisco só sugerisse a taxa a aplicar, em vez de calcular diretamente, como acontece com os trabalhadores por conta de outrem. “A ANPL é contra propostas uniformizadoras em que os modelos dos trabalhadores dependentes são transpostos para os profissionais liberais sem que se reconheçam as particularidades e especificidades de quem exerce uma profissão liberal”, assegura a associação.
Por fim, a ANPL propõe que os profissionais liberais possam realizar pagamentos por conta do IRS facultativos, o que atualmente é uma impossibilidade. Hoje é o Fisco que calcula os pagamentos por conta a efetuar, com base nos rendimentos passados.
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