“É importante que AdC avalie fusões também considerando mercado de trabalho”, recomenda estudo
Número de empregadores num dado setor é um fator importante para explicar níveis salariais, pelo que fusões de empresas devem ser avaliadas também considerando impactos no emprego, defende estudo.
Ainda que “grande parte” dos trabalhadores portugueses tenham à disposição várias empresas alternativas nas quais podem trabalhar, há quem esteja em profissões e regiões onde tal não é a realidade, o que tende a afetar negativamente os salários. Um novo estudo de Pedro Martins, da Universidade Nova de Lisboa, e de António Melo, da Universidade de Turim, alerta, por isso, para a necessidade da Autoridade da Concorrência (AdC) estar atenta aos impactos que eventuais fusões de empresas tenham também do ponto de vista do mercado de trabalho.
O estudo teve por base os quadros de pessoal, conjunto de estatísticas que o Gabinete de Estratégia e Planeamento (GEP) do Ministério do Trabalho publica todos os anos, com base na informação que as empresas enviam ao Estado no relatório único.
Estes dados, dizem Pedro Martins e António Melo, mostram que “grande parte dos trabalhadores está em mercados poucos concentrados“, ou seja, está em regiões e profissões onde há várias empresas nas quais podem trabalhar.
Mas pelo menos 8% dos trabalhadores portugueses estão expostos a níveis de concentração que “podem gerar preocupação”, na medida em que, quando há menos empresas alternativas à disposição, os salários tendem a ser mais baixos. Isto uma vez que “os empregadores podem tirar partido do seu poder no mercado”.
“Mesmo em mercados de trabalho globalmente regulados, como é o caso do português, os salários são prejudicados por uma concorrência mais fraca”, é realçado no estudo.
"A concentração do mercado de trabalho — no limite, o chamado monopsónio, quando só há um empregador — é um fator importante para explicar os salários mais baixos de alguns trabalhadores.”
Ao ECO, os autores defendem, assim, que “a concentração do mercado de trabalho – no limite, o chamado monopsónio, quando só há um empregador – é um fator importante para explicar os salários mais baixos de alguns trabalhadores“.
Perante este cenário, Pedro Martins (que foi secretário de Estado do Emprego do Governo de Pedro Passos Coelho) e António Melo avisam que as fusões de empresas “poderão ter implicações concorrenciais para lá dos mercados dos produtos”, afetando também o mercado de trabalho.
Ora, num tecido empresarial marcado sobretudo por micro e pequenas empresas, várias têm sido as vozes a defender a fusão de companhias em Portugal, a bem do crescimento da economia e, à boleia, dos salários. Este novo estudo vem, contudo, colocar esse argumento em causa.
“Mesmo que as fusões aumentem a produtividade e logo a possibilidade de pagar melhores salários, a concentração no mercado de trabalho também confere às empresas um maior poder para remunerar os trabalhadores abaixo da sua produtividade“, assinalam os autores, em declarações ao ECO.
É por isso que Pedro Martins e António Melo entendem que a AdC deve considerar também o mercado de trabalho, quando analisa uma potencial fusão, ainda que esse exercício reforce a complexidade da análise. “Não é uma tarefa fácil, até porque o estudo indica que os níveis de concentração no mercado de trabalho podem variar consoante a metodologia adotada“, observam os investigadores.
Associações de empresas podem prejudicar salários
Em linha com o aviso deixado quanto às fusões, este estudo destaca que as associações de empregadores poderá “promover o conluio entre empresas que operam na mesma indústria e produzir um efeito negativo nos salários“.
Ao ECO, os autores admitem que as associações de empregadores “desempenham um papel importante” na contratação coletiva, mas insistem que, se estas promoverem uma “coordenação demasiado forte entre as empresas“, os trabalhadores poderão sair prejudicados.
Em sentido inverso, os sindicatos podem ter um efeito positivo nos salários, desde logo porque mitigam o impacto dos níveis de concentração, tornando os salários “menos sensíveis“, atiram os autores.
Ainda assim, importa notar que em Portugal o poder dos sindicatos pode variar muito de setor para setor, “por exemplo em função do número de membros, da articulação entre diferentes sindicatos, ou da situação económica do próprio setor”, salientam Pedro Martins e António Melo.
"O estudo realça a importância da negociação coletiva como fator atenuante dos efeitos negativos da concentração nos salários. Promovê-la pode ser um contributo positivo para o bom funcionamento do mercado de trabalho.”
Em jeito de recomendação para a definição de futuras políticas públicas, os autores apontam, assim, que promover a negociação coletiva “pode dar um contributo positivo para o bom funcionamento do mercado de trabalho e o aumento sustentável das remunerações“.
A propósito, o acordo de rendimentos celebrado em outubro do ano passado na Concertação Social já tentava estimular a negociação coletiva, com vista à valorização dos salários. De acordo com o Ministério do Trabalho, a negociação coletiva tem mesmo crescido e os salários também, mas os sindicatos continuam a frisar que os vencimentos praticados por cá diferem (e muito) do registado nos demais países europeus.
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