Exclusivo Acumulação de cargos da ex-CEO não foi autorizada pelos acionistas da TAP
Contrato validado pelo Governo que permitia à ex-CEO da TAP a acumulação de cargos em duas empresas não foi consentido pelos acionistas da transportadora, como prevê a legislação.
A acumulação de cargos pela ex-CEO da TAP em outras empresas, que consta do contrato de Christine Ourmières-Widener, foi validada pelo Governo. No entanto, a exceção ao regime de exclusividade prevista no Estatuto do Gestor Público tinha também de ter sido aprovada pelos acionistas da companhia aérea. O que, segundo a defesa da TAP, nunca aconteceu.
“É evidente que os acionistas (e os seus representantes) não autorizaram” que Christine Ourmières-Widener “desempenhasse outras funções para além de administradora executiva” na TAP, lê-se na contestação de defesa da TAP no processo que a ex-CEO interpôs pela forma que foi despedida.
Por isso, os advogados de defesa da TAP entendem que a gestora francesa “deveria desempenhar estas funções em regime de exclusividade, não podendo desenvolver qualquer atividade ou desempenhar qualquer função além de CEO” da TAP, sublinha ainda o documento.
E perante a acumulação de cargos, Christine Ourmières-Widener “deveria ter sido imediatamente destituída, logo em 2021, [ano em que assumiu o cargo na TAP] por violação do dever de exclusividade, o que desde logo afastaria qualquer pretensão indemnizatória”.
À data da tomada de posse da gestora francesa na empresa, o elenco de acionistas na TAP SGPS era composto pela Parpública que detinha 50%, a HPGB, SGPS, S.A (a sociedade de Humberto Pedrosa) detinha 22,50%, o Estado Português outros 22,50% e 5% cabia a outros acionistas. Na TAP S.A., o Estado Português tinha 91,8% do capital social e a TAP SGPS os restantes 8,2%.
Para que as exceções ao regime de exclusividade que constam do Contrato de Administração fossem válidas, teriam de ter tido o “consentimento” dos acionistas (ou dos seus representantes), sendo eles o conselho de administração da Parpública, o conselho de administração da HPGB, SGPS, S.A (a sociedade de Humberto Pedrosa) do ministro das Finanças e do conselho de administração da TAP.
A TAP diz que Christine Ourmières-Widener “não obteve o consentimento de qualquer dos órgãos e pessoas mencionados supra para poder desempenhar funções” ficando, assim, “em clara violação do regime de exclusividade que se lhe exigia e aplicava”, lê-se nos documentos submetidos a tribunal pelos advogados de defesa da TAP.
Cargos acumulados foram imposição de ex-CEO
No processo interposto pelo ex-CEO contra a TAP, lê-se que “durante a negociação” do contrato Christine Ourmières-Widener fez saber ao Governo que “só aceitaria o contrato [com a TAP] se pudesse manter os seus cargos na ZeroAvia e no Met Office”, considerando estes como os “pontos elevados” da sua carreira internacional “e que não queria prescindir”.
E estas exceções foram mesmo incluídas no Contrato de Administração, assinado a 8 de junho de 2021. “O CEO garante ainda que, no momento da sua nomeação como CEO, não faz parte de qualquer conselho de administração de CEOs nem realiza qualquer trabalho de consultoria, exceto no que se refere à ZeroAvia e ao MET Office, em relação a este último, na medida em que o trabalho de consultoria do CEO não represente qualquer conflito potencial ou real com as responsabilidades do CEO ao abrigo do presente Acordo ou com os interesses comerciais do Grupo”, lê-se no ponto 9.2 do contrato.
Na ação interposta pela ex-CEO lê-se ainda que o Contrato de Administração, passou, durante a fase de negociações, pelo secretário de Estado do Tesouro, à data Miguel Cruz e pelo chairman e CEO da TAP, na altura Miguel Frasquilho. Foi assinado por Ramiro Sequeira, na qualidade de presidente da Comissão Executiva da TAP, e por Alexandra Reis, enquanto membro do Conselho de Administração e da Comissão Executiva. “E foi aprovado pelo Ministério das Finanças e pelo Ministério das Infraestruturas e Habitação“, vinca o documento da ação de Christine Ourmières-Widener.
Entre 12 de fevereiro de 2021 e 15 de maio de 2023, Christine Ourmières-Widener exerceu o cargo de administradora não executiva do MetOffice, um instituto governamental do Reino Unido que faz previsões meteorológicas e climáticas de todo o mundo, recebendo uma remuneração anual de 15 mil euros. A ex-CEO foi afastada do MetOffice no seguimento do despedimento por justa causa na TAP, como avançou o ECO.
E meses antes de assumir os comandos da TAP, em fevereiro de 2021, passou a ser também administradora da ZeroAvia, uma empresa que se encontra a desenvolver um sistema de propulsão a hidrogénio para a aviação, onde se manteve enquanto trabalhou na transportadora “e onde ainda se encontra”.
E, segundo a defesa da companhia aérea, desde dezembro de 2019 que Christine Ourmières-Widener é “fundadora, acionista e administradora da O&W Partners, com sede em Londres”, uma “empresa de consultoria de viagens e aviação (travel & airline consulting)”.
De acordo com os advogados de defesa da TAP, a gestora francesa nunca “informou ou sequer solicitou qualquer autorização” à transportadora e aos acionistas para se manter o cargo de administrador da O&W Partners enquanto liderou a transportadora portuguesa. “Manteve, durante todo o período em que exerceu funções enquanto CEO das réus (TAP e TAP SA), um cargo de administradora que nunca revelou ou que mereceu o assentimento de qualquer dos seus acionistas ou de qualquer representante do Governo“, refere o documento.
“Na verdade, só no âmbito da preparação da presente ação é que a TAP tomou conhecimento de que a autora [Christine Ourmières-Widener] havia sonegado esta informação”, acrescentam os advogados da TAP.
Questionado sobre a autorização para a acumulação de cargos, Pedro Nuno Santos, ex-ministro das Infraestruturas, diz que “o contrato foi feito com as equipas jurídicas tanto da anterior CEO como da TAP”, lembrando que era “ministro”, não “jurista nem advogado” e que “o contrato foi redigido por uma equipa jurídica” sendo que “diferentes equipas jurídicas têm diferentes interpretações do que foi feito”, insistiu.
A minuta do Contrato de Administração assinado entre a TAP e a ex-CEO foi redigida pelo advogado César Sá Esteves, da SRS Advogados.
Cargos permitidos no Estatuto de Gestor Público
Os advogados de defesa da TAP frisam que de acordo com a lei “o cargo de gestor público com funções executivas é incompatível com o exercício de quaisquer funções profissionais, remuneradas ou não, bem como com a integração em corpos sociais de quaisquer pessoas coletivas”.
De acordo com a lei em vigor, as “únicas exceções admitidas ao regime de exclusividade” são “as funções ou atividades derivadas do cargo e as que são exercidas por inerência; a participação em órgãos ou conselhos consultivos ou de fiscalização; as atividades de docência em estabelecimentos de ensino superior público ou de interesse público, mediante autorização, por despacho dos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e pelo respetivo setor de atividade ou nos termos do contrato de gestão.
Podem ainda ser acumuláveis com o cargo de CEO da TAP “as atividades de criação artística e literária, bem como quaisquer outras de que resulte a perceção de remunerações provenientes de direitos de autor ou conexos ou propriedade intelectual; e a realização de conferências, palestras, ações de formação de curta duração e outras atividades de idêntica natureza”.
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